Rute Silvestre Muianga é empregada doméstica e mãe de Elias Muianga, na altura com 11 anos de idade. No dia 1 de Setembro do ano passado, à semelhança do que acontecia em qualquer outro dia, preparou o seu filho para a escola e ela foi trabalhar. Quando os protestos iniciaram, Rute regressou a casa.Dando conta da falta do filho, foi até à escola, onde não o encontrou. Momentos depois apareceram alguns jovens a anunciarem a triste notícia de que o pequeno Elias havia sido atingido por uma bala disparada por agentes da Polícia da República de Moçambique.Preocupa àquela mãe o facto de o Governo nada ter feito para ajudá-la, mesmo sabendo que o miúdo foi alvejado mortalmente por membros da PRM.Tal como ela mesma caracteriza, em contacto com o “Diário de Moçambique”, o pequeno Elias “foi enterrado como se fosse um cão”.Ciente de que tudo quanto se possa fazer não trará de volta o seu filho, Rute Muianga espera que, pelo menos, os agentes da Polícia envolvidos sejam responsabilizados pela morte da criança.“Só quero que se faça um pouco de justiça. Será que não há justiça neste país” — questiona ela, que se queixa da apatia das chefias da PRM, que nem se fizeram presentes no funeral para dar algum conforto à família.
Joaquim Julião Manganhela, ou simplesmente Quito, agora a caminho dos 19 anos, é outra vítima das balas perdidas da Polícia. Conta que no dia 1 de Setembro acordou e foi à escola de inglês, sita no bairro de Maxaquene, nas proximidades da Praça dos Heróis Moçambicanos.Com o ambiente turbulento que se vivia naquela manhã, como consequência das manifestações que começaram logo nas primeiras horas, a aula acabou cedo. No regresso a casa, ele foi atingido, no membro inferior direito, por um projéctil arremessado pela Polícia.Mesmo apercebendo-se da situação, os agentes policiais mantiveram-se indiferentes. “Foram algumas pessoas que me carregaram até ao lugar onde estava o carro da Polícia” — lembra-se.Seguidamente, foi levado ao hospital, onde ficou internado. No processo de tratamentos, os médicos decidiram amputar a sua perna. “Disseram-me que era cortar a perna ou morrer. E escolhi viver com a perna amputada” — explica Joaquim Manganhela, que reconhece que a sua vida não voltou a ser a mesma.Em Outubro do ano passado, voltou a ser amputado um pedaço da mesma perna que havia sobrado, alegadamente para a montagem de uma prótese.Quando em Novembro teve alta, foi aconselhado a ir às consultas no Hospital Central de Maputo em dias alternados.“Como o hospital fica longe, não aguentei. Só consegui ir dois dias”, devido às dores e problemas financeiros para suportar os custos de transporte.Foi assim que a mãe decidiu procurar uma enfermeira que lhe lavava a ferida em casa. Contudo, por acumulação de dívidas, a mesma acabou abandonando a assistência.“Foi assim que a minha mãe pediu a uma enfermeira para mostrar como se faz o penso. Neste momento, é a minha mãe que cuida da ferida” — disse o jovem, que se queixa de toda uma situação de privações que a família enfrenta. O pior é que, tal como nos disse, tem a informação de que voltará a ser operado na mesma ferida, facto que lhe deixa mais preocupado.
Estes dois casos são exemplos vivos da situação por que passam as vítimas de “balas perdidas” durante as manifestações de 1 e 2 de Setembro de 2010. No total, segundo dados disponíveis, foram mortas 18 pessoas e feridas 500, entre ligeiros e graves, além de danos materiais em viaturas e infra-estruturas.Parte significativa dos feridos está a desdobrar-se em contactos na tentativa de ver reconhecido o seu direito de ressarcimento, pelo Estado, dos prejuízos causados pela Polícia.No que concerne aos óbitos, as autoridades policiais negam que tenham usado balas verdadeiras, frisando que eram de borracha e que supostamente não são letais.Contudo, um perito em Medicina Legal indicou que a bala de borracha pode ser fatal, dependendo da distância que separar a vítima do agente que dispara, nomeadamente se forem menos de 25 metros.Segundo a mesma fonte, a responsabilização deve ter em conta este aspecto, uma vez que se o disparo das balas de borracha for feita a uma distância relativamente curta, pode levar à morte.No que concerne ao caso das manifestações de 1 e 2 de Setembro do ano passado, segundo a mesma fonte da Medicina Legal, apenas um óbito foi causado por uma bala de borracha. Isso equivale pressupor que das 18 mortes registadas, 17 foram provocadas por balas verdadeiras.
As famílias das vítimas mortais e os feridos têm direito a uma compensação pelas perdas e prejuízos que a actuação policial causou.A compensação está prevista na Constituição da República, a mesma que concede o direito à indemnização por actos da Administração Pública que afecte os cidadãos.Este dever do Estado de ressarcir os cidadãos depende se o agente do Estado agiu ou não dentro dos limites das suas atribuições. No caso da actuação dos agentes da Polícia e porque causaram prejuízos aos cidadãos durante as manifestações de 1 e 2 de Setembro, é o Estado que paga a indemnização. Isso não afasta a possibilidade de, caso se conclua que algum agente da Polícia agiu fora dos comandos, o Estado poder exigir de volta a indemnização dada no lugar do infractor.O facto de a indemnização ser devida pelo Estado faz com que os pedidos tenham que ser remetidos ao Tribunal Administrativo.Na verdade, embora se sabendo que os agentes são pertencentes ao Ministério do Interior, nos termos da lei, os ministérios não têm personalidade jurídica e judiciária para tratar deste tipo de assuntos.
sexta-feira, abril 15, 2011
“ cortar a perna ou morrer"
As vítimas da violência policial durante as manifestações populares de 1 e 2 de Setembro de 2010, nas cidades de Maputo e Matola, continuam a lutar por um possível ressarcimento do Estado, entidade que apesar de todas as evidências, parece ter dado costas àqueles cidadãos. Ao contrário do que se esperava em situações similares, o Governo não prestou qualquer apoio aos feridos, quer em termos de assistência hospitalar ou de aquisição de próteses, quer às famílias dos falecidos que tiveram que suportar sozinhas os custos das cerimónias fúnebres.
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