terça-feira, março 29, 2016

Partido Renamo volta a disparar

Resultado de imagem para chimoio TeteHomens armados da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, atacaram, esta segunda-feira, uma comitiva do governo que seguia viagem da vila de Catandica, distrito de Báruè, à cidade de Chimoio, capital da província central de Manica. O ataque, que teve lugar em Nhamtema, posto administrativo de Honde, ocorreu cerca das 16 horas, tendo provocado ferimentos de alguns membros da comitiva. Entre os integrantes da comitiva destaca-se o director provincial de Trabalho, Emprego e Segurança Social, Mouzinho Carlos, mandatário do governador de Manica, Alberto Mondlane, que regressava das celebrações do 99º aniversário da revolta de Báruè contra a dominação colonial, mais conhecida como resistência do Macombe, efeméride assinalada hoje na vila de Catandica. A caravana também integrava dezenas de viaturas, que estavam a ser escoltadas por uma unidade Polícia da República de Moçambique (PRM), que incluía um veículo de assalto blindado. Os homens armados da Renamo abriram fogo quando a comitiva governamental estava próxima de uma curva muito perigosa e de uma povoação, facto que gerou pânico no seio da população que abandonou imediatamente a suas residências e barracas para se abrigar em local seguro. Informações facultadas a reportagem da AIM indicam que os feridos foram transportados para o Hospital Provincial de Chimoio, onde recebem cuidados médicos. No local foram disparadas armas de grande calibre, provocando a interrupção temporária do trânsito na Estrada Nacional Número 7, que liga Chimoio a cidade de Tete, capital da província com o mesmo nome. O trânsito normal viria a ser restabelecido uma hora mais tarde. A PRM escusou-se a comentar sobre o incidente, tendo prometido pronunciar-se a imprensa a imprensa brevemente.  

Os pecados de Mia Couto

Anda por aí a solta uma verborreia canina contra o Mia Couto. Foi parida na geringonça da Renamo. O Mia anda a cometer pecados e devia se expiar extenuamente. Ele não aproveitou a semana santa para essa empreitada porque decidiu fazer uma ponte…entre a escrita e a sua paixão pela biologia. O Mia é um traidor. Primeiro porque nasceu branco. Não devia. Depois por ter um irmão chamado Fernando Amado Couto que, como se sabe, tem uma aliança empresarial com o general Chipande, que hoje está no centro do poder em Moçambique. Esse laço de sangue é uma fatalidade. O Mia devia se desunir do Amado Couto.
O grande pecado foi ele ter criticado essa propensão da Renamo para a chantagem política. Que é recorrente desde as eleições de 1999, quando, na sequência delas, a Frelimo começou a acarinhar financeiramente o líder da Renamo para amainar suas tentações disruptivas. Tal como o Mia, são muitos os moçambicanos que discordam da natureza eternamente bélica da luta politica da Renamo. O escritor que mais exporta a cultura moçambicana está a ser vexado, vilipendiado num chorrilho de insultos por ter usado sua liberdade de expressão. Ao mandar calar o Mia, ao insultar o maior representante da cultura nacional no exterior, a intelectualidade da Renamo comete um grave atentado contra a liberdade expressão… reveladora das linhas com que se cose.
“Um partido político não pode, ao mesmo tempo, ter presença na Assembleia da República e, por outro, possuir armas", disse Mia. E dizer o que pensa, como tem sido seu apanágio, foi, para a intelectualidade da Renamo, um delito de opinião. Mas Mia disse uma verdade insofismável. Com a mesma contundência que usa quanto se atira contra as injustiças sociais, contra a acumulação primaria de capital que se caracteriza em Moçambique pela apropriação do bem publico por um certo grupo representativo das elites libertadoras. 
Nos últimos anos, Mia tem se distanciado da matriz que caracteriza a Frelimo dos nossos dias. Ele que foi um militante da causa, nos tempos de Samora, abraçando ternamente a empreitada da construção de uma nova nação. E foi por opção própria, consciente. Desde o primeiro minuto da nova nação em 1975, ou mesmo antes disso, Mia optou pelo novo projecto nacionalista e contribuiu ate onde pôde. E que diria essa intelectualidade da Renamo sobre Carlos Cardoso que era um acérrimo critico do antigo movimento “rebelde”? Cardoso que foi deportado em 1975 da África do Sul do apartheid para Portugal mas que 9 dias depois estava a desembarcar em Mavalane para se juntar ao projecto, ao mesmo tempo que seus pais faziam as malas porque não acreditavam na Frelimo comunista?
Outro pecado que se atribui ao Mia é o de ser um empresário de sucesso com suor próprio. Não daquele género gerado na mama do Estado ou nado na chantagem do gatilho em riste. Então, para os seus detractores, Mia não devia fazer da Impacto uma grande empresa, incontornável quando se trata de avaliações ambientais em Moçambique. Ele devia ser condenado por ter feito da Impacto aquilo que ela é hoje. E nunca devia ter criado a Fundação que leva o nome de seu pai, a qual se vai firmando como incontornável no roteiro cultural de Maputo. Pois essa Fundação é um bastião de “lavagem de dinheiro”. É terrível…terrível este ataque ao maior escritor moçambicano. É um ataque irresponsável, de uma revanche sem paralelo, mas que mostra a marca de água aonde assenta o pensamento da Renamo sobre liberdades individuais. Um pensamento totalitário contra a liberdade de opinião e de expressao, um fascismo primário onde não cabe o direito de pensar diferente. Por último, não deixo de frisar que, depois de todo este tempo de construção de uma sociedade multirracial, a Renamo faz um violento ataque racista contra o Mia. E essa ideia bizarra de que escritor não deve fazer intervenção politica. Se o mundo fosse assim, a humanidade era um manto de cinzentismo. São os escritores quem, por este mundo fora, denunciam os excessos contra as liberdades e contras as alternativas de esquerda. Galeano (que nos deixou há bocado), Chomsky, Michael Moore…uma fornada deles tem contribuído para a moralização da política no mundo. 
Um grande abraço Mia. Espero que outros escritores e jornalistas e intelectuais moçambicanos tambem te abracem contra esses ataques. Aguardo com tamanha expectativa!!! (M.Mosse in facebook)

Paz:a identificação do interesse do povo


Resultado de imagem para lourenco do rosarioO académico e reitor da Universidade A Politécnica, Professor Lourenço do Rosário, entende que a deterioração da tensão política e militar no país resulta, basicamente, do facto de as duas partes contendoras não terem conseguido ainda reunir inteligência suficiente para identificar e priorizar as reais necessidades do país. Para do Rosário, no dia que os políticos conseguirem identificar o que é realmente importante para o povo irão se sentar à mesa e discutir aquilo que deve ser discutido, assegurando, deste modo, que o bem comum prevaleça. A abordagem de Lourenço do Rosário foi feita indicando que o problema reside também no facto de, nalgum momento, os políticos pensam que podem chegar a consensos absolutos, quando a realidade e a história mostram e provam que tal desiderato não é possível. Ou seja, citando Joaquim Chissano e recorrendo a história, do Rosário anotou que o primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane não reuniu consensos nas decisões importantes que tomou a favor do povo, mas tinha conseguido identificar o que efectivamente era importante para esse mesmo povo. O mesmo aconteceu, segundo do Rosário, com Samora Machel e Joaquim Chissano. Estes também não reuniram consensos (até no seio do seu próprio partido) em relação a decisões importantes que deviam e foram efectivamente tomadas. Nisto, Lourenço do Rosário adverte que o Presidente da República, Filipe Nyusi, na busca de soluções para trazer de volta a paz efectiva ao país não vai conseguir consensualizar todas as opiniões, mas a falta de unanimidade não pode significar o não avanço para se decidir por este ou aquele caminho no âmbito da busca da paz. “Aquilo que relatei do trajecto de Chissano para acabar com a guerra, podemos dizer foi heróico. Até começou antes, com Samora, com a assinatura do acordo de Nkomati. Não houve unanimidade. Com presidente Chissano também não houve unanimidade dentro do seu pró- prio partido. Então, o presidente Nyusi também não vai ter unanimidade, mas o que é preciso é que haja clareza, quer da parte do presidente Nyusi, quer da parte do líder da Renamo. O que os une é o povo e esse povo está a sofrer” – disse do Rosário, chamando atenção para a necessidade de os políticos não perderem tempo com a busca de consensos, mas sim com a priorização dos reais interesses do povo. Questionado em relação ao que se  poderia esperar nos próximos dias na mesa negocial, Lourenço do Rosário mostrou-se esperançado, particularmente por acreditar na franqueza e genuinidade do discurso do “queremos a paz, queremos diálogo e ainda o discurso de que não queremos a guerra”, discurso esse que tem estado a ser proferido pelos protagonistas do diálogo político.

segunda-feira, março 28, 2016

Já viu a guerra que eles têm?

“Exército de Moçambique é exército de parada, de marcha. Não consegue acabar com o Sr. Dhlakama.” – General José de Matos, antigo chefe do Estado-Maior General das FAPLA
 “O Quénia é o exemplo dos africanos. É o 1º país da África negra com milhões de habitantes, o maior exército, tinha pilotos negros. E depois a Nigéria, com marinheiros de farda branca... E agora? Não aguentam com uma guerrilha no deserto. Não conseguem acabar com uma guerrilha no deserto. O exército todo que eles criaram... É como o exército zambiano! São exércitos de parada, de marcha. É como o exército de Moçambique que foi treinado por tanzanianos e por zambianos. Não consegue acabar com o Sr. Dhlakama.
Moçambique é estreito. Você faz um cerco como faziam os índios, cercavam aquilo para pegar o fogo... Não conseguem acabar com o Dhlakama em Moçambique. Você olha aquele exército que não tem nem sequer um albino. Nenhum mulato e nenhum branco. É igual ao exército da Zâmbia. Não tem. Só pretos. Agora é preto contra preto. Preto cristão, preto animista, preto muçulmano...
Já viu a guerra que eles têm? É igual ao problema da Guiné. Na Guiné também não têm mulatos nem nada. Então qual é a guerra do povo que eles vão fazer? É essa guerra.
O Agostinho Neto quando mandou lá um grupo a pedido do Presidente de Moçambique, na reunião, o Dangereux disse: “Camarada Presidente, assim da cor do Matos, não vi lá nenhum”. Então o Agostinho Neto disse “Então não vai lá ninguém”.
Qual é a guerra do povo que querem fazer contra Dhlakama? Você manda lá uma Companhia aqui dos comandos e acaba isso em 15 dias. Esse Dhlakama e tudo, vai tudo à vida.
A Companhia de Comandos que foi ali no Zaire, aqui tal general, não foram todos varridos aí? É nossa companhia. Mas esses de marcha de parada aqui do Zimbabwe e do Namibe, estavam para ser apanhados vivos. Olha, um dia estava a falar com um guerrilheiro e esse disse: “Oh chefe, eu estava lá e quando começou o avião a sair as garrafas de água, e eu disse – isso é para quê - É para a gente beber; - mas você não tem o rio aqui? Você bebe só na garrafa? Vai levar isso na guerra?” O nosso sargento a admirar. “Essa tropa vai beber de garrafa?”. Está a ver! Nós estávamos a beber mesmo a água do rio Zaire. É por isso que aquela guerra não acaba.”

Excertos da entrevista do Gen. José Maria Teixeira de Matos “Siliveli” à LAC (Luanda Antena Comercial), 15 de Março de 2016.Saiba mais AQUI.

quinta-feira, março 24, 2016

Acabemos com isto!

                                                 Nós, os Bispos Católicos de Moçambique, reunidos em Assembleia extraordinária, no Centro de Nazaré, Beira, aos 17 de Março de 2016, próximos da celebração da Páscoa, que e a passagem de Jesus Cristo da morte a vida, passando pelo sofrimento da sua paixão e cruz, queremos deixar-nos iluminar por esta fonte e esperança.Com tristeza, temos de reconhecer que, no nosso pais, se multiplicam os sinais de paixão e morte:


- Deterioração da tensão político militar;
- Continuas provocações e escaramuças, que semeiam morte e luto;
- Escalada de criminalidade, violência e raptos;
- Destruição de casas e de outras infra-estruturas sociais e económicas;
- Desestabilização do normal curso da vida, comprometendo actividade produtiva e escolar;
- Crescimento do numero de famílias em situação de deslocados e refugiados;
- Intensificação e generalização do ambiente de desconfiança, e ódio, e hostilidade;
- Seca, na região Sul, e nas zonas do centro.
- Chuvas intensas, principalmente no Norte do Pais, calamidades que comprometem a produção

   agrícola, resultando no agravamento da situação de pobreza e fome.

Mas a Páscoa e a vitória da vida sobre a morte, do perdão sobre a ofensa. Deus abre também para Moçambique o caminho da Páscoa, o caminho da Vida e da Paz.
Por isso, renovamos o nosso apelo, que lançamos, a 10 de Novembro de 2015:
- “O abandono absoluto das armas”;
- “ A retomada imediata do dialogo eficaz, entre as partes em conflito, envolvendo outras forças

   vivas da sociedade”.


Sejam esses os sinais da nossa escolha irrevogável da Vida.
Sejamos aliados da vida, e não da morte. Obedeçamos todos a palavra da Escritura, que esta inscrita nos nossos cora9oes: “Não mataras!
Animados por este mistério de Vida e de Amor, endereçamos as Comunidades Cristas e a todo o Povo Moçambicano votos de Feliz Páscoa, repleta de Esperança, de Ressurreição e Vida.
Sobre todos invocamos a Luz de Cristo Ressuscitado, o Príncipe da Paz.



Beira, 17 de Março de 2016

quarta-feira, março 23, 2016

Nunca digas nunca

“Nunca digas nunca.” Aprendi com os meus pais esse provérbio que assentou na minha vida como uma luva, não muito diferente daquela que hoje me protege do frio no Inverno belga.
“Antuérpia é a cidade mais feia que vi até hoje.” Foi desta forma que expressei o que os meus sentidos me diziam aquando de uma breve passagem pela cidade dos diamantes.
Mas o destino tinha algo preparado para mim, e dois anos depois fui viver para a maior cidade da Flandres. Nela, diziam, falava-se mais de 99 línguas e dialectos, e havia uma enorme diversidade cultural, artística e de diferentes credos.
Enquanto outros colegas de trabalho procuraram o lado mais inde Antuérpia, no Sul, eu decidi assentar no Norte, em Borgerhout — também conhecido como Borgeroco devido à vasta população marroquina.
Muçulmano que sou, apesar de nascido no Moçambique português e criado em Portugal, fui à procura dos recantos que me ofereciam um pouco da cultura que me completa.
A proximidade da comida halal e os locais de culto foram os factores determinantes. “Como consegues viver nessa zona?”, perguntavam-me os meus colegas. E eu respondia: “Da mesma forma que tu convives comigo, sem preconceitos e sem medo.”
Sentia-me seguro, tanto no Norte como no Sul. A mesma cidade que eu tinha achado feia deu-me uma verdadeira lição de integração e de tolerância.
As explosões desta manhã em Bruxelas tocaram fundo em vários corações — no meu, no dos belgas e no da Europa, que vê a sua capital atacada de forma brutal, e no daquela maioria, muçulmanos ou não muçulmanos, que está do lado do bem.
Milhares de pessoas como tu e como eu partiam para mais um dia de trabalho quando as vidas de alguns se extinguiram para sempre num breve momento. Muitos outros vivem agora rodeados de medidas de segurança, enquanto os seus filhos esperam a hora certa para voltarem a casa.
Os belgas que aprendi a conhecer e a ver tão relaxados, apesar de terem sido dos povos mais invadidos neste mundo, estão agora apreensivos. Contra este mal não parece haver cura iminente, e o vírus continua a espalhar-se.
O meu receio não é só o das explosões, mas também das bombas que vão caindo das bocas daqueles que tanto têm de vítimas como de ignorantes. O receio do que os meus filhos possam ouvir na escola, o impacto do que isso possa ter na vida deles — os meus filhos, ainda mais do que eu, cidadãos europeus.
A raiz de uma oliveira nunca dará um cacto, portanto a raiz doIslam (salam — paz) não pode resultar em guerra. (MOHAMMAD SHAKEEL USMANMIA /Responsável Comunicações Internas de TI na Opel Europa)

segunda-feira, março 21, 2016

Magnânimo é uma excelente qualidade para um presidente!

Foi logo pelas primeiras horas da manhã da última terça-feira que Iraê Lundin abriu as portas do seu escritório, em Maputo, para falar ao SAVANA sobre o último impasse que fecha os caminhos para a paz em Moçambique. Visivelmente preocupada com a instabilidade que mata, destrói e força deslocações, a académica diz que, apesar de vários doutoramentos que tem, não entende a dificuldade de aceitar o que para ela nem é pré-condição, nomeadamente, a mediação da Igreja Católica, do presidente sul-africano, Jacob Zuma, e da União Europeia no diálogo Governo-Renamo como propõe o partido de Afonso Dhlakama. Diz a docente universitária que tal postura não diminui a posição de um presidente da República, pelo contrário, mostra que é magnânimo, humilde e não arrogante. Diz que não sabe onde, mas em algum lugar o presidente Filipe Nyusi perdeu essa postura, acrescentando que ele seria muito mais admirado se pudesse reiniciar o processo de diálogo com a Renamo, com cujo presidente reuniu por duas vezes em Fevereiro de 2015. E é esse caminho do diálogo e da paz que encoraja o presidente Nyusi a seguir. Com experiências amargas do passado, diz que não há nada pior que a guerra. Considera horrível quando alguém luta com outrem para depois encontrar aquelas pessoas e ver que elas não têm rabos, não têm chifres, elas são iguais a si, têm os mesmos sonhos, as crianças delas são da idade das suas e aí pergunta então porquê lutamos. Assim, metaforiza a professora, se o problema for que um gosta do vermelho e outro gosta do amarelo, então, que se faça um vestido vermelho-amarelo para que os dois fiquem felizes. Na entrevista a este semanário, Lundin começa por recordar o fim da dé- cada de 1980 e inícios de 1990, quando esteve de pedra e cal nos esforços de busca da paz para um Moçambique dilacerado pela guerra civil entre os mesmos autores que, novamente, estão desavindos, designadamente, o Governo da Frelimo e o maior partido da oposição, a Renamo. “Tive a honra de participar no processo de paz. Os meus trabalhos trouxeram material para repensar o Estado e fazer uma parte das reformas que era necessária para que a paz pudesse ser abraçada e principalmente pudesse ser consolidada” anota, em introdução. Fá-lo com nostalgia porque, diz ela, nessa época havia muita abertura e interesse para, realmente, construir a paz. “Não havia empecilhos, não havia que isso pode, isso não pode. Considerava-se: se isso vai trazer a paz, então, pode. Era uma visão muito interessante e foram mudanças substanciais. Não foram mudanças pequenas, foram mudanças em todo o sistema político, económico, administrativo, até a percepção de cultura mudou. Foi realmente uma coisa muito substancial e para a equipa do presidente Chissano, porque achava que a paz era um bem importantíssimo, não havia o que não podia. Tudo podia se no final do dia fôssemos ter paz”, lembra com saudades.
Resultado de imagem para Iraê LundinMas diz que hoje sente falta dessa postura. “Primeiro sinto pena porque não conseguimos mantê-la (a paz). Muitos sinais foram aparecendo, 2008, 2012, o espaço para o diálogo foi fechando, dificultou até que chegamos a esta situação”, diz. Na sua óptica, hoje fala-se muito e faz-se muito pouco. “Todos os dias, quando a gente abre o rádio há alguém, um escritor, um director nacional, uma pessoa de um distrito a dizer que queremos paz. É verdade que todos nós queremos paz, mas depois não há acções concretas, como se via em 1988 a 1992”, exemplifica, ajuntando: “naquela altura a gente praticamente não falava. Não tinha gente no rádio, na televisão, não. Fazia-se e fazia-se. Tomava-se atitudes e acções governativas e ultrapassava- -se aquela questão e eu sinto um pouco falta dessa postura hoje, de tomar acções, de fazer e não só falar”. Frisa que, no passado, mudou-se a Constituição, fizeram-se leis, com as reivindicações da Renamo contempladas, esvaziando assim as suas exigências. Para além da Constitui- ção de 1990, que abriu o pluralismo político, a entrevistada cita as leis para o respeito das autoridades tradicionais, das privatizações em Janeiro de 1993, a lei de descentralização em 1994, apesar de não ter sido seguida à letra, entre outras reformas feitas pela governação do dia. É aqui onde a académica pergunta qual é o problema hoje de aceitar a Igreja Católica, o presidente sul-africano e a União Europeia na mesa de diálogo, acrescentando: “se eu me sinto confortável porque algumas pessoas me vão dar esse conforto, se elas não me inibem, se elas não são inimigas, então, deixa elas estarem lá”. Repete que não entende mesmo porque hoje é tão difícil tomar passos pequenos para restabelecer a paz, quando no passado foram tomados grandes passos que mudaram totalmente o rumo do país. “O país caminhava para o socialismo e passámos a caminhar para a economia do mercado, o país era totalmente centralizado e entrámos um pouco na descentralização.
A cultura era vista como folclórica e passou a ser vista como valorização daquilo que é a consolidação da nossa personalidade. Não existia imprensa privada, o sector privado, as organizações não governamentais, tudo isso não existia antes”, cita algumas dessas reformas. Perguntamo-la que passos precisam de ser tomados para que, tal como no passado, os moçambicanos se abra- çassem e se sintam todos cidadãos no seu próprio país. Iraê Lundin dá exemplos e recorre à metáfora. “Por exemplo, dialogar com mais gente dentro da sala. Qual é o problema? É nossa tradição. Quando temos luta lá em casa há sempre um tio. Quando o casamento não vai bem, há sempre uma madrinha. Essa é a nossa tradição de ter alguém dentro da sala. Então, qual é o problema? Eu particularmente não vejo nenhum se lá no fim do dia é para encontrar paz”, refere. Para a objectividade, perguntamos a que pessoas se refere quando fala de tios e madrinhas na sala do diá- logo e respondeu: “a Renamo quer que se ponha pessoas ( Jacob Zuma) e instituições (leia-se Igreja Católica e União Europeia) dentro da sala. Qual é o problema? Eu nem vejo isso como uma condição. Eu sinto- -me mais à vontade se vou com a minha madrinha. Então traga a sua madrinha, a sua madrinha nem é nossa inimiga. A sua madrinha tem interesses na paz, então deixa ela vir. Não consigo perceber. Com todos os doutoramentos que tenho, a minha cabeça não consegue perceber qual é a dificuldade. Não consigo, com toda a honestidade”. O que a docente entende é que, como se não bastasse, esses convidados até são amigos de Moçambique. “África do Sul tem grande interesse neste pipeline (a ligar Cabo Delgado e Gauteng) tudo o que eles não querem é que tenha guerra aqui. Inclusive somos amigos. Eu até pergunto- -me porque a Renamo vai buscar indivíduos que são tão amigas”, diz, reiterando que se há problemas no casamento não é o casal sozinho que discute, vem a madrinha e se ela não consegue vem mais gente para ajudar a ultrapassar o impasse. Até porque, para ela, faz sentido que o partido de Afonso Dhlakama proponha a presença de “madrinhas”, na mesa do diálogo. “Porque é que o presidente Nyusi começa um diálogo e depois tudo fica assim?
Então, essa massa cinzenta que se criou entre o primeiro diálogo faz com que a Renamo queira trazer as suas madrinhas dentro da sala. Eu não vejo, mas não vejo nenhum mal. Nenhum”, destaca. As responsabilidades de um chefe de Estado Para a nossa entrevistada, perante coisas muito fortes na nossa frente, como o actual xadrez político-militar moçambicano, a cabeça tem de ser mais inteligente e pragmática. Nestas situações, sublinha, os governantes têm de ser mais inteligentes e, tal como no passado, é preciso que a cabeça seja usada para mais do que só enfeitar o corpo. “Eu costumo dizer que é melhor você entregar todos os anéis dos seus dedos, para manter os dedos porque anéis você pode comprar de volta, mas dedos não”, assinala. Perante um cenário como o que se vive no Moçambique de hoje, caracterizado por confrontações armadas, mortes e destruição de bens e deslocação de homens, mulheres, crianças e velhos, a académica entende que de um Chefe de Estado, no caso vertente, Filipe Nyusi, exige-se que faça aquilo que ele disse que quer fazer e que começou a fazer há cerca de um ano, quando se encontrou com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. “Ele entrou, encheu-nos de esperan- ça quando teve dois diálogos com Dhlakama. Aí depois ataca-se a viatura do senhor (Dhlakama), tenta- -se matar. Então, se puder resgatar o espírito daqueles diálogos que aconteceram no Indy Village que o faça”, recomenda. Acrescenta que, mais do que resgatar o espírito do diálogo, é preciso que o Chefe de Estado coloque alguma coisa em cima da mesa. “A gente não convida alguém para ir lá para casa sem oferecer um chá. É preciso pôr alguma coisa em cima da mesa. O presidente e a sua equipa podem seguir exemplos, como fez Chissano que pôs em cima da mesa com Dhlakama, uma nova Constituição, um conjunto enorme de leis, aquilo foi para cima da mesa e também o senhor Dhlakama cedeu bastante. Houve cedências de parte a parte e é isso que se chama negociação. Ninguém chega com a sua cesta vazia e sai com ela totalmente cheia, não. Você chega com alguma coisa na sua cesta e o outro também, até pode sair com o que chegou, mas mostrou que na sua cesta tinha alguma coisa para oferecer”. Perante uma Renamo que está a reivindicar governar as seis províncias do centro e norte de Moçambique onde reclama vitória nas eleições de 2014, a entrevistada opina: “essa coisa de governar as províncias seriam os dedos e, como sem dedos a gente não quer ficar, então, que se dê os anéis que é pôr na sala a Igreja Cató- lica, Zuma e a União Europeia pelo menos para iniciar o diálogo. Depois conversa, depois vamos ver o que se pode pôr na cesta de parte a parte etirar”.

Avança que daí já se pode enveredar pelo menor denominador comum que não crie problemas na governa- ção, um denominador comum que consistiria em aceitar as “madrinhas” que, afinal, serão de parte a parte, ou seja, nem serão advogados da Renamo. “Essa madrinha não é de um só, ela vai estar ali para escrever o que foi acordado, etc., etc. É preciso que esteja alguém mais neutro que não é nem de lado nenhum nem de outro, que quer a paz dos dois, tem esse interesse”, explica. “Hoje a gente abre o rádio, está a falar, fala e fala. Está bem, mas então, senhor, faz porque as pessoas estão a morrer. Há pessoas deslocadas, casas queimadas, trânsito interrompido, então, é preciso olhar para o bem maior”. Questionada se sentia que o presidente Nyusi estava a fazer algo nesse sentido, respondeu que “ele pode fazer”. Tanto é que, na sua visão, aceitar a presença da Igreja Católica, do Presidente sul-africano e da União Europeia não diminuiu a milésima parte do Presidente da República. “Não vamos perder a face se de repente aceitarmos que venha gente que não somos nós os dois. Isso não diminuiu a posição do presidente da República, pelo contrário, mostra que é magnânimo e ser magnânimo é uma excelente qualidade para um presidente da República. Mostra que é humilde, também uma excelente qualidade, mostra que não é arrogante, excelente qualidade. Então só ganha em postura”, apela, citando Joaquim Chissano como aquele que pode ser, para Filipe Nyusi, um exemplo a seguir. “O presidente Chissano hoje é um indivíduo respeitado no mundo inteiro. Dentro das nossas comunidades aqui, quando ele passa parece um Deus, porque aos nossos olhos ele é o homem da paz. Então, não diminui a um governante, só aumenta a postura dele, porque ser chefe de Estado não lhe faz um Estadista, o que lhe faz estadista são suas acções. Existem muitos chefes de Estado que não são estadistas, mas Chissano saiu do poder como estadista e hoje é visto assim dentro e fora por uma coisa que parece tão simples, mas que foi muito difícil porque foi preciso muita humildade, foi preciso muita cedência, mas o bem maior está aí e ganhamos todos e ganhou ele como estadista, nunca vai perder esse rótulo dentro do nosso país e lá fora ganhou inclusive prémios internacionais”, indica. Por isso, avança, “a postura do nosso presidente seria admirada muito mais por todos nós, muito mais, e reiniciaria aquele processo que ele iniciou há mais ou menos um ano e nos daria esse presente de Páscoa ou seja lá o que for porque realmente estamos inquietos e intranquilos”. Diz que não sabe onde, mas certamente que em algum lugar o presidente Nyusi perdeu essa postura que iniciou em 2015, com encontros com a Renamo, mas diz ter uma sensação de que ele quer recuperar.

sexta-feira, março 18, 2016

Direita ataca a Esquerda

As manifestações pró-impeachment da presidenta Dilma Rousseff e que também pediram intervenção militar no último domingo (13) impõem a necessidade de união da esquerda e alertam para os perigos do descrédito na política, segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.Para o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em São Paulo, Gilmar Mauro, as manifestações nacionais convocadas pela Frente Brasil Popular (FBP) para os dias 18 e 31 de março são uma oportunidade de dar um recado, seja para o governo ou para a direita: "se colocarmos 200 mil pessoas nas ruas, serão 200 mil pessoas com projeto, ideologia e um rumo a seguir".

Formalizada em 2015, a Frente reúne entidades sindicais, movimentos populares do campo e da cidade, organizações de juventude e integrantes de partidos de esquerda - como MST, CUT e UNE."Não é hora de se esconder, mas de ir às ruas com muita determinação para evitar que precisamente estes setores de direita ganhem força no Brasil", acrescenta.
Os protestos de domingo colocaram 500 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), cujo perfil socioeconômico é elitizado, apontou o Datafolha. Para a socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a grande parcela da população, a das periferias, não foi às ruas, porém, está descontente com o governo atual. Na sua visão, o que separa estes manifestantes dos protestos da Avenida Paulista não é somente uma questão geográfica, mas também uma distância simbólica."Se eu sou de periferia, não me sinto representado por este tipo de manifestante. Imagina ir a uma manifestação onde o povo tira ‘selfie’ com a Polícia Militar? Ou onde ele vai encontrar todo mundo igual ao patrão dele?", questiona a professora.
Assim como Mauro, ela se mostra cética quanto ao poder de engajamento da parcela da população que não aderiu, ainda, nenhum lado. Para Esther, muito se deve ao desprestígio do Partido dos Trabalhadores (PT), com uma agenda que propôs pautas como a Reforma da Previdência ou o ajuste fiscal. "É como se a perda de capital político do PT deixasse toda uma esquerda órfã", diz.
Não à política
O descrédito na política também foi apontado pela professora de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Maria Aparecida Aquino, como algo negativo e arriscado ao país. "Na realidade, a população passa a identificar a política como algo que não serve a ela e isso é o pior dos mundos porque isso não nos leva a nada. Se não há mais política, qual a solução?", indagou.Entre os destaques dos protestos estão as vaias ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e ao senador Aécio Neves, ambos do PSDB. "Isso representa que esse público não vê saída política ou na política. Está a um passo de apoiar qualquer coisa, inclusive, um golpe militar", frisa o dirigente do MST.

Se alguns políticos foram vaiados, outros fizeram discursos em carros de som ao lado do Movimento Brasil Livre (MBL), lembra a socióloga Solano. Ela também vê no descrédito com a política uma chance para o fortalecimento de figuras como o deputado Jair Bolsonaro, ou do próprio MBL, pois eles surgem com discursos considerados "novos" em contraposição a uma política que a maioria vê como "suja"."Ele [Bolsonaro] é um palhaço, literalmente, mas sabe mobilizar um descontentamento. O perigo é esse: como ninguém acredita na política institucional, pode aparecer um cara desses, que tem um discurso polêmico, e sair como vencedor deste jogo", diz.Na opinião do dirigente do MST, além de se contrapor às manifestações do último domingo, as ações dos dias 18 e 31 devem pressionar a presidenta Dilma Rousseff para mudanças na política econômica. "Não tem outra alternativa: ou o governo muda a política econômica ou não tem sustentação", afirma Mauro.Ele relembra a paralisação de políticas públicas como o Minha Casa Minha Vida 3 ou as desapropriações de terras para a reforma agrária, ambas pautas, respectivamente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e MST."Talvez esse seja o pior momento para ser dirigente de um movimento social ou sindical: nem nossas mobilizações são atendidas. Na verdade, ocorre o contrário: estamos perdendo direitos! Mas, ao mesmo tempo, existe a iminência da direita assumir a presidência da República - e não é qualquer direita, mas que dá para comparar com setores de extremistas", apontou.(BRASIL DE FACTO)