A caça furtiva é alimentada por grandes redes criminosas cujas conexões começam
localmente, passando pelo resto do país até para fora das fronteiras nacionais.
O esquema obedece a uma pirâmide. No nível mais baixo, estão os caçadores,
propriamente, ditos, que são constituídos, na sua maioria, por jovens locais
provenientes de famílias pobres. Este grupo compreende, normalmente, três a
quatro elementos. Tem a missão de atravessar a fronteira até ao Parque Nacional
de Kruger para abater os animais e lhes extrair os cornos ou chifres. Cada um
destes elementos tem tarefas específicas. Um ou dois transportam mantimentos
para a alimentação do grupo durante o período de permanência nas matas. Um é o
guia responsável pela localização da área onde os animais frequentam.
Outro é atirador, missão que exige alguma perícia, pelo que, a carreira militar
ou para-militar é fundamental. Geralmente, é o mais pago do grupo. A
remuneração pelo trabalho é feita no regresso, após a entrega do produto e das
armas. A media paga a cada equipa de operativos é de 100 a 200 mil meticais,
dependendo do tamanho do corno. Para evitar o desvio do produto, os caçadores
são monitorados desde à partida até ao regresso e, em caso de suspeita, a
sanção é severa e, nalguns casos, paga-se com a propria vida. Com o dinheiro
resultante da caça furtiva, muitos jovens investiram em mulheres, bebidas
alcoólicas, roupas de marca e viaturas de alta cilingragem.
Hoje, tudo
desapareceu e a pobreza continua evidente. Em muitos pontos de Massingir abundam
cenários de crianças órfãs, viúvas, famílias na desgraça porque os seus
responsáveis estão detidos ou inabilitados; viaturas avariadas e abandonadas
por incapacidade de manutenção; casas inacabadas e as concluídas a demostrarem
sinais de falta de manutenção e estabelecimentos comerciais encerrados por falta
de clientela. Ainda neste nível, também entravam alguns membros da comunidade e
curandeiros. Os primeiros albergavam os furtivos, no período diurno, na ida ou
no regresso das matas. Os furtivos movimentam-se à noite, período mais seguro.Por sua vez, os curandeiros “purificam” os caçadores e seus
equipamentos, na crença de que os furtivos não terão adversidades no terreno. Em todo este nível, a pobreza é dos elementos motivadores para a adesão à
teia criminosa. O segundo segmento é composto por mandantes/compradores e
intermediários locais. São eles que fazem a ligação entre os operacionais e os
mandantes nas grandes cidades.
É aqui onde entra o “Boss Navara” de nome Simon Valoi, 45 anos, Navarra fdetido, em Marracuene,na tarde do dia 26 e outros barões de renome como é o
caso dos “bosses Nyimpine”[Justice Ngovene], “Calisto”, “Encarnação”, “Matimisse”,
Chiure e Matsolo. Protegido e intocável, este segmento tem a missão de criar
condições para o abate de animais, extrair o produto de interesse económico e transportá-lo
para outros intermediários nas grandes cidades, sobretudo na capital do país,
Maputo.
São eles que recrutam os operacionais, fornecem armas, munições, logística
e, no regresso da missão, recebem o produto e remuneram os operativos. Em caso
de detenção de operacionais, dentro do território nacional, pagam advogados e
criam condições para a libertação dos presos e, em caso de morte, assumem despesas
fúnebres e canalizam algum valor às famílias enlutadas, numa espécie de
“subsídio de sangue”. Na sua última edição, o jornal Expresso de Portugal
escreve que o homem agora detido é mandante. Tinha equipas de operacionais que incluíam
oficiais da polícia e das forças armadas no activo e desertores. Sublinha que
em Mavodze e Massingir o “Boss Navara” é conhecido pelas suas acções de
caridade, e por isso, era um protegido da população local. Controlava o Estado
a nível local e provincial, desde a polícia até aos órgãos da justiça, como a
procuradoria. Segundo o “Expresso”, num texto assinado pelo jornalista
moçambicano Lázaro Mabunda, um conhecido investigador do fenómeno em Massingir, a
maioria das armas usadas pelos
mandatários de Navara era da Polícia da República de Moçambique. O aluguer de
uma arma custava 650 mil meticais, o mesmo preço de uma munição. Sublinha que
há indícios de armas de fogo apreendidas pela polícia, mas que dias depois eram
retiradas e entregues, em regime de aluguer, de novo aos caçadores. A fonte
avança que, por exemplo, uma arma do tipo Mauser 375, própria para a caça de rinocerontes,
que foi apreendida três vezes entre 2008 e 2011.
Da primeira vez foi recuperada
pela Guarda Fronteira, em 2008, em Pumbe, uma das localidades de Massingir, e
depositada no comando Distrital da Polícia em Massingir. A segunda vez foi a 26
de agosto de 2010, quando a mesma arma foi recuperada na região de Godji, pela
mesma Guarda Fronteira, e imediatamente entregue ao comando distrital de
Massingir. A última vez foi a 30 de dezembro de 2011, quando foi apreendida nas
mãos de Luís Mongue, caçador furtivo, em Massingir. Mongue viria a ser solto
por ordens do comandante distrital local mediante pagamento de suborno de 120
mil meticais. É a partir das grandes cidades, onde está o terceiro grupo de
intermediários, que fazem as conexões internacionais. Os barões das grandes cidades
incluem políticos de renome e “empresários de sucesso”, geralmente próximos ao
poder do dia. Estes, têm o cuidado de apagar qualquer pista que lhes ligue ao
crime da caça furtiva, sendo por isso completamente insuspeitos aos olhos do
público em geral. O quarto grupo é constituído, principalmente, por
estrangeiros, com enfoque para vietnamitas, chineses e outras nacionalidades asiáticas,
que são responsáveis pela “exportação” dos produtos da caça furtiva. Não é por acaso que, quando há detenções
relacionadas ao tráfico da vida selvagem, os visados são, principalmente,
cidadãos da Tailândia, Vietname, China e outros países asiáticos.
No meio de uma penúria arrepiante que caracteriza o
distrito de Massingir, há quem leva uma vida de luxo. As magníficas construções
que despontam entre a generalidade das cabanas que fazem a arquitectura do
distrito, são apenas a ponta do iceberg dessa outra face de Massingir. Um
denominador comum é que,no geral, os donos dessas construções de luxo não têm
empregos, publicamente, conhecidos, com rendimentos justifiquem tanta riqueza que
ostentam. Mas, afinal, o que a sua riqueza esconde é que eles são os barões da caça
furtiva, em Massingir. Justamente defronte da residência principal do “Boss
Navara”, no bairro 6, uma outra construção de luxo chama atenção. É a casa do “Boss
Calisto”, também ele um peso pesado no negócio da caça furtiva, em Massingir. O
“Boss Calisto” tem negócios no ramo dos transportes, com autocarros a partirem
de Massingir para vários destinos, casos de Chókwè, Xai-Xai e até a vizinha África
do Sul. Mas, diferentemente do seu vizinho, o “Boss Calisto” tem caminho aberto
para entrar na África do Sul, de onde, ao regresso, presta serviços de entregas
de produtos, vulgo delivery, da sigla em inglês.
No bairro 4 da vila de
Massingir vive, muito próximo do campo de futebol, o “Boss Nyimpine”. Construiu
uma casa e outra ainda em obra. Mas também tem uma casa résdo-chão e primeiro
andar no bairro 6. É arrendada. Tem alguns interesses na produção agrícola. Tal
como a maioria dos barões da caça furtiva, já foi preso, mas, graças às suas
influências junto ao poder local, foi sempre restituído à liberdade,bastante um
telefonema às altas patentes da Polícia e altos funcionários públicos em
Massingir.
Também vive no bairro, o “Boss Encarnação”, não muito distante da
residência do “Boss Nyimpine”. Quando o “Boss Encarnação” quis começar a
construir, o negócio da caça furtiva estava a entrar nos seus piores momentos,
com a intensificação da fiscalização, principalmente, do lado sul-africano. Por
isso, a sua residência ainda não está concluída. Trata-se de uma casa de placa
tipo 4, com garagem, cozinha e casa de banho internos. Em sectores mais
próximos, o SAVANA soube que, uma das tácticas que eram usadas
nos tempos áureos da caça furtiva consistia em cortar a rede de
protecção animal, para permitir
que os animais atravessassem da África do Sul para o lado moçambicano, para aí
serem, facilmente, abatidos, dadas as fragilidades de fiscalização mas,
sobretudo, as conivências políticas com a elite corrupta local.