segunda-feira, abril 18, 2011

“Os corruptos não investem na produção” (1)

É dos mais activos académicos moçambicanos, em termos de produção científica. Economista de grande gabarito nacional, docente universitário, Professor Doutor em Ciências Agrárias, João Mosca. Foi com este reputado académico moçambicano que o Canal de Moçambique dialogou sobre diversos assuntos da vida do país, mas com principal enfoque na economia. Mosca responde a todas as questões que lhes são colocadas. Aliás, não escassas vezes, tivemos que interrompê-lo durante a explanação para colocarmos outras questões. De mais de duas horas de conversa, transcrevemos aqui o essencial da entrevista.

CM: Li numa entrevista sua à Lusa, onde diz que “a situação económica em Moçambique é crítica. O Governo está assente sobre uma suposta estabilidade económica”. Pode explicar melhor?

JM : Eu digo que a situação em que o país vive é uma estabilidade fictícia, não diria nos últimos três anos, mas há bastantes anos, talvez há 10 anos. A fundamentação disto não é muito difícil, na medida em que temos vários indicadores de economia. O nosso Orçamento do Estado é subsidiado em 50% por recursos externos doados ou da ajuda externa. E se formos a entrar no orçamento, veremos que em alguns casos dentro do orçamento público e sobretudo na área do investimento público, há onde mais de 80% do investimento é de recursos externos. Isso significa que grande parte da intervenção pública do Estado, no investimento, e também no suporte de funcionamento do Estado, vem de recursos que não são criados dentro do país, em Moçambique. Isso significa que o Estado está direccionado à capacidade de gerir os recursos e não de gerar estes recursos. Outro aspecto importante é que a nossa economia tem um nível de riqueza muito baixo, e, portanto, tem a capacidade de poupança também muito baixa. Isto significa que a capacidade de investimento interno é muito limitada. Quer dizer que grande parte do investimento na economia, possivelmente cerca de 80%, em alguns sectores mais, é Investimento Directo Estrangeiro. E dos 20% que se consideram investimento moçambicano, eventualmente algum dele não está realizado. As pessoas só estão lá como sócios, não realizando capitais correspondentes aos 20% que o país dispõe como investimento nacional. Isso significa que o país, os agentes económicos, o sector privado, em Moçambique, é extremamente débil e sem capacidade de recursos para fazer investimentos avultados na economia. Por outro lado, sabemos que uma parte importante do défice na nossa balança de pagamentos é financiada por recursos externos, inclusivamente muito recentemente o mercado interno de capital de divisas foi financiado por recursos externos. Então, o que isso quer dizer? Quer dizer que a nossa economia vive acima das suas capacidades. O nível de consumo que tem a nossa economia, apesar de baixo, o nível das actividades do nosso Estado, apesar de baixo, está muito além da riqueza criada em Moçambique. Logo, tudo aquilo que pensamos que existe, os tais equilíbrios da balança de pagamentos, o equilíbrio do Orçamento do Estado, alguns investimentos existentes, algum controlo de inflação, tudo isso é possível, não pela riqueza, nem pelo funcionamento e equilíbrios internos, do mercado interno, não são resultantes da produção nacional, são resultados de recursos externos.Então pode-se admitir que os tais equilíbrios que se referem estatisticamente são equilíbrios fictícios, na medida em que não reflectem a verdade económica e social de Moçambique, mas sim reflectem recursos externos que estão a ser injectados.Por isso, eu disse isso e reafirmo. E não sou só eu que digo, vários economistas o dizem. A nossa economia é uma economia cujos chamados equilíbrios macroeconómicos são financiados por recursos externos. Mas também o nosso crescimento económico é muito financiado por estes recursos estrangeiros dos grandes projectos.Mais: a produtividade da economia não tem aumentando, o que significa que os aumentos da produção, o aumento da riqueza, o crescimento do PIB não são fundamentalmente uma consequência do aumento da produtividade ou de eficiência económica, mas, sim, é resultado de aumento de novas capacidade produtivas, portanto faz sentido essa afirmação.

CM: Toda essa conjuntura de fraca produtividade, baixo investimento nacional e consequentemente todo este complexo de dependência externa, tem encontrado explicação na guerra que destruiu todo o tecido económico e social do país… portanto, não faz sentido que Moçambique esteja nessa situação em que se encontra actualmente?

JM: A guerra é, com certeza, um grande factor. A guerra desestabilizou, desestruturou a economia, destruiu as infra-estruturas, teve efeitos humanos muito sérios, criou efeitos psicológicos de longo prazo, tudo isso é verdade. No entanto, há também problemas de política económica nacional, concretamente, desajustados.A nossa política económica é assente no pressuposto de que vai haver ajuda externa. A nossa política económica não é feita com base no aproveitamento das nossas capacidades, no sentido de que vai haver um desenvolvimento económico mais endógeno, contando com recursos disponíveis, e, portanto, mais sustentável a longo prazo, menos dependente do exterior.Naturalmente que isso teria provocado um crescimento económico mais lento, mas isso não era negativo. Assegurar menor desenvolvimento económico, desde que isso implica uma melhor distribuição de recursos; desde que o desenvolvimento seja mais endógeno, desde que as questões sócias sejam mais atendidas, desde que os desequilíbrios de desenvolvimento do território não sejam tão violentos como são neste momento.Era preferível que o desenvolvimento mais endógeno significasse menos crescimento económico, mas mais equidade, mais sustentabilidade, mais endogeneização da economia, pois penso que há um custo que deve valer a pena ter.Mas, por outro lado, as próprias instituições internacionais que mais financiam Moçambique, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e alguns países, têm interesses em demonstrar ao mundo que existem casos de sucesso no âmbito das políticas económicas que eles sugerem, na verdade que eles impõem.

CM: Está a dizer implicitamente que os doadores querem tomar Moçambique como exemplo de sucesso das suas políticas?

Mosca: Pois. Eles querem tomar como exemplo. Eles têm a necessidade de demonstrar como um caso de sucesso, da legitimação das suas políticas externas. Necessitam de um caso que eles possam fazer a propaganda política, o marketing político das suas políticas como exemplo de sucesso. E para quem não conhece Moçambique real, vive o país de fora, revisando alguns indicadores macroeconómicos, pode ser considerado como um caso de sucesso. É isso que as instituições internacionais fazem. Eles financiam Moçambique com o objectivo de legitimar as suas políticas, para demonstrar que as suas políticas são correctas, e até existe caso de sucesso como Moçambique. Um outro factor ainda é que depois da guerra houve muitos aspectos que pioraram. Eu considero que a corrupção é uma forte dificuldade de desenvolvimento ao país, sobretudo aquela corrupção que implica promiscuidade entre política e negócios.Aquela corrupção que envolve milhões de dólares de recursos, que não são canalizados para Moçambique, não são aproveitados no sector produtivo da economia moçambicana.Alguém dizia-me que poderíamos tolerar a corrupção, desde que os corruptos investissem esse dinheiro. O problema é que os corruptos não investem esse dinheiro no sector produtivo. Não investem na agricultura, não investem na indústria, quando muito, algumas das pessoas que se dizem que têm dinheiro em Moçambique, investem nos transportes, nas telecomunicações, no sector financeiro, mas não investem nos sectores produtivos.E são essas mesmas pessoas que fazem discursos no sentido de que vamos aumentar a produtividade na agricultura, vamos produzir alimentos, mas não fazem esses investimentos. Fazem investimentos em sectores de serviços, onde sabem que devido à maior integração na SADC, sabem que têm maiores vantagens ao nível da região.Portanto, não existe investimento no sector produtivo e daí a situação em que se encontra a nossa economia. Sem resolver o problema de corrupção, vamos ter sérios problemas para o desenvolvimento da nossa economia.

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