segunda-feira, fevereiro 19, 2018

Assembleia da República pode sem referendo

Depois de tanta incerteza, também ditada pelas circunstâncias próprias do diálogo e das negociações, chegou-se a um ponto em que foi possível tornar públicos alguns consensos e submete-los à AR.
O aspecto que me parece transcendente é que finalmente se deu um passo significativo, na medida em que se definiu a direcção e o objectivo a alcançar. Pelo que doravante não se vai mais discutir se avançamos ou não com a descentralização. O que se pode e deve discutir agora são as formas, o grau e o ritmo do processo.
Por isso me parecem precipitadas, ou excessivas, as críticas que proclamam tratar-se de um total retrocesso da democracia.
Penso que devemos ter uma perspectiva crítica, esse é um direito e um dever, porque afinal estamos a discutir o nosso próprio futuro, o que queremos ser e como queremos ser. Daí que todo o cidadão tem direito á palavra.
Por razões que todos gostaríamos de poder escrutinar, não houve, infelizmente, uma fase de socialização desta problemática, nem nos partidos nem na sociedade em geral.
Mas como o debate na AR é o momento em que se vai proceder ao «aprimoramento» ou «aperfeiçoamento» do documento submetido, é nesse compasso que a sociedade tem oportunidade de contribuir no debate, fazendo ouvir a sua voz, melhor, as suas vozes, às quais certamente os deputados estão e estarão atentos.

É neste espírito e contexto que junto a muitas outras opiniões a presente abordagem.
Das muitas questões que a Proposta de Lei de Revisão Pontual da Constituição submetida à AR pelo PR, no dia 9 de Fevereiro de 2018, tem suscitado, considero necessário, pela sua importância crucial, destacar três, de cuja solução depende a garantia de uma revisão juridicamente coerente e democraticamente aceitável. Trata-se das seguintes questões:

1.    A questão da observância ou não do prazo do nr°2 do artigo 291 da Constituição;
2.    A questão da necessidade ou não da dupla revisão;
3.    A questão da composição dos Governos Provinciais, dos Governos Distritais e dos Conselhos autárquicos.


I
Da observância ou não do nr°2 do artigo 291
Resultado de imagem para teodato hunguanaO nr°2 do artigo 291 fixa um prazo de 90 dias, antes do início do debate, para o depósito das propostas de revisão. A aplicar-se este prazo ao caso vertente, o debate só poderia ter lugar em Maio, provavelmente depois, ou então em cima, do encerramento da sessão da AR, com o risco de sobreposição com os prazos do calendário eleitoral.

Porém, esta questão só é suscitada pelo erro na indicação do dispositivo aplicável ao caso. Com efeito nós estamos perante uma proposta de revisão, a um tempo pontual e extraordinária, a qual deve ser feita, não ao abrigo do nr°2 do artigo 291, mas ao abrigo da segunda parte do artigo 293 (Tempo). Portanto o que a AR deve fazer é assumir, por via de deliberação, os «poderes extraordinários de revisão, aprovada por maioria de três quartos dos deputados da Assembleia da República» tal como previsto neste dispositivo.  
Assim, este é um falso problema.


II
A questão da «dupla revisão»

É pacífico que qualquer revisão constitucional deve fazer-se com observância da própria Constituição. Uma vez que a Constituição estabelece limites materiais ao poder de revisão, estes deverão ser respeitados sob pena de inconstitucionalidade. Salvo se, previamente, e antes de a AR entrar na apreciação e deliberação sobre a presente proposta, proceder á alteração dos limites materiais que a obstaculizem.
Porém, ainda, no nosso caso a Constituição estabelece, no nr°2 do artigo 292, que as alterações aos limites materiais «são obrigatoriamente sujeitas a referendo». Assim, o referendo afigurar-se-ia como uma barreira intransponível, pelo menos em tempo útil, para a viabilização da presente proposta de revisão.
Contudo, para entendermos a natureza da dificuldade com que nos confrontamos e o seu carácter, superável ou insuperável, temos que lançar mão de elementos extra-constitucionais que levam, neste caso, a relativizar o próprio texto da Constituição. Assim,

1.    O presente texto da Constituição formalmente resulta de um processo de revisão, tendo sido adoptado por uma maioria de dois terços dos Deputados da AR.
2.     A AR que adoptou o presente texto não foi uma Assembleia Constituinte eleita para o efeito, mas foi a Assembleia ordinária assumindo poderes de revisão.

A questão, que é imperioso colocar, é: se a presente AR tem precisamente os mesmos poderes de revisão que aquela que adoptou a Constituição de 2004, isto é, nem mais nem menos poderes, como se pode tomar como intransponível uma condição que funciona como um super-limite, na medida em que cobre todos os outros limites? Que funciona como imposição de uma limitação aos poderes de revisão da actual AR que, como disse, tem exactamente os mesmos poderes da AR que em 2004 adoptou a presente Constituição?
Tal só seria admissível se aquela AR de 2004 tivesse sido uma Assembleia Constituinte, eleita como tal, ou, não o sendo, tivesse submetido a referendo o texto constitucional.
Não se tendo verificado nenhuma das referidas circunstâncias, forçoso é concluir que a presente AR pode alterar, tanto os limites constantes do nr°1 do artigo 292( o que, aliás, tem sido a prática em relação à Constituição Portuguesa, matriz da moçambicana) , como o próprio nr°2 desse dispositivo, sem o condicionalismo do referendo, em processo de revisão prévia ou autónoma.

III
Da desnecessidade de «dupla revisão»
Sem prejuízo de quanto acaba de ser dito, a suposta necessidade de se proceder por via de uma «dupla revisão», como condição para se avançar com a presente Proposta de Revisão, decorre de se considerar que a alteração do modo de eleição dos presidentes dos municípios, da actual «eleição directa», nos termos do nr°3 do artigo 275 da Constituição( o qual estabelece que «O órgão executivo da autarquia é dirigido por um Presidente eleito por sufrágio universal, directo, igual, secreto, pessoal e periódico dos cidadãos eleitores residentes na respectiva circunscrição territorial»), para uma eleição por via da Assembleia da autarquia, violaria o limite material estabelecido na alínea e) do nr°1 do artigo 292.
Vejamos o que estabelece esta alínea e), a saber:
«As leis de revisão constitucional têm de respeitar:
………………………………………………………………………………..
e) o sufrágio universal, directo, secreto, pessoal, igual e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania das províncias e do poder local;»

Para dissipar equívocos desnecessários esclareça-se desde logo que «titulares dos órgãos» são o PR, os Deputados da AR, os membros das Assembleias Provinciais, os membros das Assembleias autárquicas e os Presidentes das autarquias.
Ora os cidadãos exercem o direito de sufrágio, nos termos desta alínea e), tanto quando votam em boletins separados, um para a Assembleia e outro para o candidato a Presidente do Município, como quando votam num único boletim e numa lista para todos os titulares. O que se exige neste último caso é que haja a clara e explícita individualização de quem no boletim de voto é o candidato a Presidente. E universalmente a forma de designação do candidato, neste caso, é por via do cabeça-de-lista. Mas isso tem de constar imperativamente na própria Constituição. E nesse caso continuamos a ter «sufrágio universal, directo, secreto, pessoal…»
Tanto assim é que não ocorreria a ninguém considerar que o sistema vigente na RAS, nos EUA, em Angola ou nas autarquias em Portugal, não respeitasse o princípio do «sufrágio universal, directo, secreto, pessoal…», quer porque, nos casos da RAS, de Angola e das autarquias em Portugal (vejam-se no caso de Portugal, o nr°3 do artigo 239 e a alínea h) do artigo 288 da Constituição), sejam os cabeças de lista, quer porque, nos EUA, seja um colégio eleitoral eleito pelos cidadãos a designar o Presidente!
Portanto a alteração, se for feita nos termos aqui expendidos, rigorosamente não viola a alínea e) do nr°1 do artigo 292, porque a eleição não deixa de ser directa (contrariamente ao equívoco que se está a generalizar sobre o que é uma eleição directa…). Apenas altera o modo como se organiza o sufrágio, sem lhe retirar os elementos essenciais contidos naquela alínea e). Mas, no caso vertente, constando o modo específico de organização do sufrágio no nr°3 do artigo 275 da Constituição, haveria sim que se alterar este dispositivo, sem necessidade de se mexer nos limites materiais, logo sem se enveredar pelo mecanismo da «dupla revisão».
O que já não colhe se forem os partidos com maioria nas Assembleias a designarem directamente os Governadores ou os Presidentes dos Municípios, independentemente da ordem em que estiverem nas listas submetidas à CNE e tornadas públicas. É preciso ter presente que estas listas, uma vez aprovadas e publicadas pela CNE, são inalteráveis durante todo o processo eleitoral e durante todo o mandato dos órgãos eleitos.
Pelo que, nesta hipótese de designação directa pelos partidos, que constituiria uma alteração de todos os pressupostos em que assenta a legislação eleitoral e o funcionamento das instituições delas resultantes, seria inevitável a «dupla revisão». E não vou discorrer aqui sobre as insolúveis questões que se levantariam não só quanto á democraticidade desse processo, como quanto á juridicidade do mesmo para se poder inserir numa Constituição da República.


IV
Da composição dos Governos Provinciais
A questão da composição e do funcionamento do Governo Provincial, na Proposta designado de «Conselho Executivo Provincial», está omissa, levando a pensar que é tacitamente remetida á lei ordinária.

Resultado de imagem para teodato hunguana
Considero que a ser assim, tudo continuará a passar-se como até aqui, isto é, tal como nas autarquias com os Presidentes dos Municípios, o Governador que sair das eleições, irá designar a seu critério os restantes membros do Governo. Do que vai resultar invariavelmente uma composição monopartidária, independente da composição pliuripartidária da Assembleia respectiva.
Ora, a ser assim, não se terá dado absolutamente nenhum passo para a inclusão de que tanto se fala, nem se terá criado o espaço de convivência e coabitação que é essencial para a reconciliação. O critério do «the winner takes all» é por definição excludente, não abre caminho nem á inclusão e ainda menos á reconciliação. E está visto que estas questões, enquanto ficarem apenas dependentes da boa vontade das pessoas, não passarão de meros discursos sobre inclusão e sobre reconciliação.
É imperioso que a Constituição e as leis estabeleçam as balizas fundamentais que nos levem a realizar a inclusão e a reconciliação.
Com efeito não faz sentido que numa Província em que um partido elege o Governador, porque ao nível da Assembleia ganhou 51% dos assentos, ficando os restantes 49% com os outros partidos concorrentes, o Governo seja constituído apenas pelo primeiro partido.
A este nível é do interesse de todos os partidos, e dos cidadãos em geral, que na composição do Governo esteja reflectida de forma proporcional a composição da própria Assembleia. Assim a governação ao nível provincial, distrital e autárquico, reflectiria a situação real de cada um desses níveis, na sua complexidade e diversidade.
Certamente que para se viabilizar a governação poderá haver a necessidade, e em função dos resultados eleitorais de cada lugar, de fazer coligações pós-eleitorais. Isto é o que decorre da descentralização e da autonomia, porque a descentralização não é meramente administrativa: é descentralização política, e como tal, a diversidade política reflectir-se-á na vida das instituições dela resultantes.
Só nestas condições fará sentido afirmar que «o País não será o mesmo», para significar que teremos uma nova maneira de fazer a política no nosso País. Uma maneira verdadeiramente nova, aberta à inclusão de todos e à reconciliação entre todos os moçambicanos.
Por isso, não bastará, a meu ver apenas consagrar o sistema de lista e do cabeça de lista. É preciso pôr de lado o critério de que ganha quem tiver maioria absoluta, isto é, mais de 50%. Um partido, ou grupo de cidadãos, podem ganhar com uma maioria relativa. A solução não é ir-se a uma segunda volta, num oneroso «tira-teimas» (imagine-se o cenário, não numa autarquia, mas á extensão de todos os distritos e autarquias do País) … A solução é negociar uma solução pós-eleitoral que viabilize a governação. Negociar a coligação a que nos referíamos atrás.
Ao entrarmos nesta nova fase do processo de descentralização é preciso termos consciência de que não é um processo instantâneo, que se desencadeia num momento e, logo no momento seguinte, se chega ao estágio final dessa fase. A questão que é inevitável abordar é sobre o regime de transição, que é preciso definir, entre  a Revisão da Constituição e a implementação completa de todas as implicações desta fase da descentralização. Por exemplo, sobre a designação dos membros do Governo Provincial, entre a situação actual e a que vai prevalecer com a conclusão da implementação da descentralização a esse nível. Ou, no que se refere aos distritos, entre a situação actual e a que vai prevalecer em 2024 (ou 2023…). Esta questão é inadiável, deve ser abordada agora e têm que ser definidos agora os princípios desse regime de transição de forma que, desde já, a mudança se comece a verificar, e a descentralização não fique vazia de conteúdo.
Dada a complexidade desta questão é de se considerar a adopção de uma lei de transição e de gestão da transição, criando-se uma Comissão de Implementação ou de Monitoria do processo, eventualmente integrada também por personalidades de fora dos partidos, para se reduzir a margem de manobra ou de controvérsia partidária.


Então, fazer descentralização para configurar o País do futuro, não para reproduzir o País do passado, não para reproduzir indefinidamente as fontes de todas as conflitualidades que nos dividem e que nos armam uns contra os outros, eis a dimensão do desafio que a todos se nos coloca.

(Por Teodato Hunguana , Licenciado em 1972 na Universidade Clássica, Lisboa, Portugal.De 1975 a 1994, exerceu funções governamentais. De 1997 a 2003 exerceu funções parlamentares. De 2003 a 2009 exerceu funções de magistratura constitucional. Teodato Hunguana exerce sobretudo nas áreas de lei de investimento, lei administrativa e direito público)

terça-feira, fevereiro 13, 2018

Francisco motiva ódios na cúpula

Quem sou eu para julgar?” As palavras do Papa Francisco, aparentemente tão simples e imbuídas de compaixão, foram o mote para cimentar a união do grupo de cardeais mais conservadores do Vaticano contra o papado do jesuíta argentino, ainda mal o fumo branco se dissipara na chaminé da Capela Sistina, em março de 2013.
“Quem sou eu para julgar?”, disse-o, repetidas vezes, nos meses e anos seguintes, reforçando o incómodo na Cúria romana. Primeiro referindo-se aos homossexuais. Depois, a propósito de quase todos os temas polémicos para a Igreja: divórcio, aborto, contraceção, eutanásia. A pergunta abala as milenares estruturas do trono de Pedro, como sucessor escolhido por Jesus Cristo. Do Papa espera-se uma sabedoria quase divina, uma certeza inabalável sobre o que é certo e errado. Esse poder está, aliás, representado na insígnia papal, com as suas chaves cruzadas (uma de ouro e outra de prata), que Jesus terá dado a Pedro, simbolizando os poderes de unir e separar, de decidir o que é permitido e o que é pecado. Na heráldica eclesiástica, as chaves simbolizam a autoridade espiritual do Papa como vigário de Cristo na Terra. A pergunta, só por si, é considerada ofensiva por muitos dos influentes membros com poderes no Conclave. Francisco prefere citar o Evangelho (Mateus, VII: 1-2): “Não julgueis para não serdes julgados”. Para o Papa, um cristão não deve apontar o dedo aos outros, mas estender-lhes a mão para levantá-los. Logo após a sua eleição, e dirigindo-se aos padres que ouvem os católicos em confissão, pediu “mais paciência” e tempo para “ouvirem os seus dramas e as suas dificuldades, com ternura”. E, caso o confessor não os possa absolver, apelava, “que dê uma bênção, mesmo sem absolvição sacramental”. O Papa alertava para a falta de confiança no perdão de Deus, que só leva a uma “amargura existencial” que “impede as pessoas de se levantarem de novo, quando caem”. A Igreja, defende, “deve ajudar as pessoas a perceber que é sempre possível recomeçar, desde que Jesus perdoe”.

O primeiro Papa jesuíta da História, e o primeiro não europeu em mais de 1200 anos, foi uma escolha invulgar para suceder ao conservador Bento XVI e era expectável que a sua visão de um papado mais próximo dos pobres e dos excluídos gerasse mal-estar junto dos setores mais tradicionalistas do Vaticano. A sua própria postura (renunciando a vários luxos e à pompa excessiva em torno do cargo), bem como a interpretação do que deve ser um Papa (“sou apenas mais um bispo”) geraram, desde logo, inúmeros anticorpos. Como assim, um Papa que conduz o seu pequeno carro, que carrega as malas, que paga a conta do hotel? Que agarra num telefone e fala diretamente com as pessoas? Mas nada faria antever o nível de brutalidade a que chegou a guerra nos bastidores da Cúria romana. Como definiu um teólogo esta semana ao jornal britânico The Guardian, acusar o Papa de heresia é o equivalente a, num conflito armado, recorrer à bomba atómica.
A heresia, um termo utilizado tanto pela Igreja Católica como pelas igrejas protestantes, é “uma posição contrária à verdade revelada por Jesus Cristo”, ou “a mera dúvida de um dogma da fé divina”, por uma pessoa batizada. A punição para um herege é a excomunhão – ou seja, o Papa seria afastado não apenas do cargo mas também da própria Igreja.
As primeiras acusações públicas contra Francisco foram crescendo de tom ao longo do último ano, mas ganharam nova força quando surgiram numa carta aberta, divulgada em setembro passado. Mais de cinco dezenas de católicos descontentes – entre eles um cardeal, um bispo e o antigo diretor do banco do Vaticano – acusam o Papa Francisco de sete posições heréticas. Ao Guardian, um “proeminente clérigo”, que também assinou essa carta, confessou mesmo: “Mal podemos esperar que ele morra. É impublicável o que dizemos dele em privado.”
A ALEGRIA DO AMOR
A “gota de água” terá sido uma simples nota de rodapé num texto intitulado Amoris Laetitia (a Alegria do Amor). A exortação de Francisco, publicada em abril do ano passado, é um texto longo e muito cauteloso, composto por nove capítulos que se baseiam nos resultados de dois Sínodos dos Bispos sobre a Família, realizados em 2014 e 2015. É no capítulo 8 que surge a polémica referência de Francisco, explicitando que pessoas que vivem segundos casamentos ou em união de facto “podem viver na graça de Deus, podem amar e crescer na vida da graça e da caridade, e para tal podem receber a ajuda da Igreja”. Acrescenta ainda, para maior descontentamento da ala conservadora do Vaticano, que “em certos casos, isto poderá incluir a ajuda dos sacramentos”.
A questão do divórcio tem sido central nesta polémica – na verdade, nunca deixou de ser motivo de discórdia no seio da Igreja, com maior ênfase desde os anos 60 e o Concílio Vaticano II. Francisco tem condenado de forma subtil a hipocrisia dos ricos e poderosos, que conseguem pagar advogados e provar que um casamento não foi consumado à luz dos preceitos que a Igreja exige (podendo ser anulado), enquanto outros se separam e refazem as suas vidas, sem que exista algo de imperdoável nisso (mas ficam impedidos de voltar a ter relações sexuais e são afastados da comunhão).
A realidade – sabem-no o Papa, os cardeais, os bispos, os padres e todos os católicos – é que há milhões de crentes classificados como “pecadores” e que sofrem por verem as portas da Igreja fechadas. Há quem as abra, aceitando batizar crianças de mães solteiras, ou permitindo que uma mulher divorciada comungue na missa de domingo, ou fechando os olhos à orientação sexual daqueles que juntam a sua voz aos cânticos litúrgicos. Mas tudo é feito em segredo, quase em vergonha, uma ínfima exceção no mundo católico. O que o Papa Francisco pretende é escancarar as portas, com compaixão – mas ainda há demasiadas trancas e cadeados de complexos segredos a impedirem uma abertura assim no Vaticano.
O ARQUI-INIMIGO AMERICANO
Na lindíssima sala Clementina do Palácio Apostólico do Vaticano, os votos de Natal do Papa para os seus cardeais tiveram, por tudo isto, este ano um travo mais amargo. Com o seu típico bom humor, começou por citar um conselheiro do Papa Pio IX, para dizer que sabia bem a difícil tarefa que iniciara: “Fazer reformas em Roma é como querer limpar a esfinge do Egito com uma escova de dentes.”
Ainda não se tinham desfeito os sorrisos amarelos e já ele prosseguia, falando do “verdadeiro perigo” que ameaça o Vaticano: “os pequenos grupos”, os “conluios” de “traidores da confiança”, os que “se aproveitam da maternidade da Igreja” e se deixam “corromper pela ambição ou pela glória vã” e que, “quando delicadamente são afastados, autodeclaram-se falsamente mártires do sistema e do 'Papa desinformado', em vez de recitar o mea culpa”.
A crítica atingiu, como uma lança certeira, o cardeal norte-americano Raymund Burke, que lidera a ala conservadora do Vaticano e a onda de contestação pública ao papado de Francisco. Burke é a personificação de tudo o que o Papa jesuíta repudia em Roma: o fausto, a pompa, o luxo desmesurado de quem se julga superior aos outros mortais.O grande embate entre os dois terá ocorrido poucas semanas após a eleição de Francisco, quando o Papa expurgou a ordem dos Frades Franciscanos da Imaculada, que aliavam a devoção à missa tridentina (em latim, de costas para a congregação) às ideologias de direita, conquistando adeptos nos EUA. Essa Igreja distante, impenetrável, acessível apenas a alguns “eleitos”, não poderia estar mais longe da visão de Francisco para a Igreja, bem expressa no mote que escolheu para o seu brasão papal: “miserando atque eligendo” (“com misericórdia o elegeu”). A frase é uma referência a uma passagem no Evangelho de São Mateus, em que Jesus escolhe um publicano (cobrador de impostos) para o seguir. Com os publicanos não se podia falar, comer ou rezar. Eram vistos como traidores que tiravam à sua gente para dar aos poderosos. Mas, como lembrou Francisco, ao explicar a sua admiração por esta passagem, “Jesus parou, olhou-o sem pressa, com olhos de misericórdia; olhou-o como ninguém o fizera antes. E aquele olhar abriu o seu coração, fê-lo livre, curou-o, deu-lhe uma esperança, uma nova vida, como a Zaqueu, a Bartimeu, a Maria Madalena, a Pedro e também a cada um de nós. Mesmo quando não ousamos levantar os olhos para o Senhor, o primeiro a olhar-nos é sempre Ele. Tal como muitos outros, cada um de nós pode dizer: eu também sou um pecador, sobre quem Jesus pousou o seu olhar (...) Jesus sabe ver para além das aparências, para além do pecado, do fracasso ou da nossa indignidade. Ele vê a dignidade de filho que todos temos, talvez manchada pelo pecado, mas sempre presente no fundo da nossa alma”. Francisco quis inscrever no seu brasão esta ideia de aceitação: “Deixemo-nos olhar por Jesus, deixemos que o seu olhar nos devolva a esperança e a alegria da vida.”
 
Poucos meses depois do início do pontificado de Francisco, o cardeal norte-americano que se notabilizava por entrar nos recintos com um manto tão comprido que necessitava de ser seguido por pajens, foi afastado do cargo que exercia no tribunal superior de Roma e acabou também desautorizado na demissão do responsável pela Ordem de Malta (terá dito que foi o Papa a decidir o afastamento, Francisco negou tal facto e voltou a readmitir o clérigo, afastando Burke de mais decisões).
Se Burke o pretende atacar, invocando a imutabilidade da doutrina, Francisco responde com citações do Evangelho e com a lei da Cúria, recorrendo por exemplo ao Donum Veritatis (o Dom da Verdade), documento em que se reafirma que todos os católicos devem praticar a submissão da vontade e do intelecto aos ensinamentos do Papa e que aqueles que estiverem em desacordo nunca o devem fazer em público. Sobre a relação entre verdade e doutrina, prefere sublinhar que “a misericórdia é verdadeira”, e é o “primeiro atributo” de Deus. “Deus é um pai zeloso, atento, pronto para acolher qualquer pessoa que dê um passo ou que tenha o desejo de dar um passo na direção de casa. Ele está ali a observar o horizonte, espera-nos, está já à nossa espera. Nenhum pecado humano por muito grave que seja pode prevalecer sobre a misericórdia ou limitá-la.”
Por isso, o Papa defende o encontro com todas as pessoas e não apenas as “justas”, para chegar aos que estão longe, aos “marginalizados” e oferecer-lhes a salvação. Esta é a atitude que melhor segue os ensinamentos de Jesus, considera, admitindo que alguns reagem mal a “esta Igreja, que quer ir ao encontro de quem sofre”, para superar preconceitos, “sem sentir-se perfeita”.
Tudo esta guerrilha de palavras acontece, lembra o professor Paulo Mendes Pinto, devido à mediatização da figura de Francisco. “Durante séculos, ninguém sabia o que o Papa fazia ou pensava”, mas hoje ele entra-nos pela casa dentro todos os dias e faz doutrina, se assim pudermos dizer, “não pelos documentos eclesiásticos que promulga mas com o que diz a meio de uma viagem de avião, entre o lugar x e y...”, nota o professor de Ciência das Religiões.
“A Igreja Católica tem congregações e grupos com visões sociais e políticas muito diferentes, e isso pode ser uma riqueza, mas o Vaticano terá de aprender a trabalhar num regime mais próximo do que é uma democracia, e com mais transparência”, defende.
“Foi João XXIII, nos tempos modernos, o primeiro a defender que seria um bem geral sacudir a poeira imperial que foi caindo, desde Constantino, sobre o trono de Pedro. O Papa Francisco continua às voltas com essa herança pesada e paralisante”, lembrava Frei Bento Domingues, num texto de opinião no Público, no mês passado.Os ataques contra Francisco, considera, são comparáveis às dificuldades vividas por Jesus Cristo “ao propor uma mudança de mentalidade aos seus contemporâneos e aos membros do povo a que pertencia” e que “encontrou uma grande adesão no mundo dos excluídos e uma resistência implacável entre os privilegiados”. Mas, “assim como aconteceu com Cristo”, diz Frei Bento, “nenhuma ameaça o tem paralisado”.
Para Paulo Mendes Pinto, estas acusações de “heresia” soam a “desespero da oposição dentro do Vaticano” e poderão mesmo ser “o seu canto de cisne”. Se assim não for, considera, “estamos a dois passos de ter um cisma”. Porque, faz notar, “o que está em causa não é um Papa que, durante uma homilia, diz alguma coisa 'fora da caixa'. Toda a sua postura, todo o seu pensamento está a ser contestado”.
O Papa não se pronunciou sobre estas acusações de forma explícita, “nem é esperado que o faça”, considera Mendes Pinto. “Creio que estas cartas abertas e este tipo de posições públicas, a continuarem, irão levar à convocação de um novo Concílio”, para discutir questões doutrinais no âmbito da sexualidade e da vida familiar.E talvez seja mesmo essa a vontade última de Francisco: o Papa que se atreveu a reconhecer não ter todas as respostas para os problemas do mundo e, em busca de uma Igreja mais justa e misericordiosa, ousa questionar o seu próprio papel.

quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Roubo de "tako"

Perfil do Distrito de Changara
Quatro presumíveis ladrões assaltaram, com recurso a uma pistola de marca “Makarov”, na manhã de segunda-feira, uma bomba de combustível, na sede do distrito de Changara, província central de Tete, tendo-se apoderado de mais de 490.2 mil meticais.Depois de terem assaltado a bomba, sem causar vítimas humanas, os supostos ladrões abandonaram o local tranquilamente, porque não havia perigo nenhum, visto que as instalações estavam desguarnecidas, a partir de um esquema montado para facilitar o assalto.Alertada sobre o assalto, a Polícia da República de Moçambique (PRM) empreendeu operações de busca e captura, tendo neutralizado dois dos quatro assaltantes, no distrito do Guro, na vizinha província de Manica, numa altura em que estavam a concertar um pneu da viatura, de marca Toyota Corola, de que se faziam transportar, de volta à cidade da Beira, donde eram provenientes.

Trata-se de Francisco Machava, de 29 anos de idade, portador da pistola usada no assalto, e Sansão Mboene, de 37 anos de idade. Todos naturais da província de Gaza.Para além da neutralização dos assaltantes, os agentes a Polícia recuperou uma quantia de 221 mil meticais, a pistola usada para a prática do crime e 16 munições, algumas das quais estavam no carregador da arma.Dois dos quatro assaltantes foram contratados, telefonicamente, a partir da cidade da Beira, por indivíduos identificados pelos nomes de Winas e Evas, que monitoravam o plano de assalto a partir de Changara.Os dois assaltantes, já detidos, confessara, terem protagonizado o assalto, confirmando que aconteceu às 7 horas (de segunda-feira).“Aproveitamos o momento em que o gerente estava a preparar o dinheiro para ir depositar no banco e, se nós demorássemos, não teríamos sucessos”, disse Machava, dono da pistola que comprou na cidade da Beira de um agente da PRM, por 30 mil meticais.“Winas disse que não deveríamos ter medo de assaltar de dia, porque tinha combinado com o chefe da empresa de segurança privada para não escalar guarda antes de assaltarmos a bomba. De facto, eu tinha a pistola na mão e ameacei a pessoa que tinha dinheiro que, por ver a pistola, ficou a tremer e o Winas e Evas carregaram o dinheiro. 
Resultado de imagem para changaraSaímos para o carro e pusemo-nos a andar”, explicou.Machava revelou que ele e os seus comparsas saíram da cidade da Beira no domingo, tendo reabastecido a viatura em Chimoio (província de Manica), antes de chegar a Changara “mas sempre a controlar a hora que nos foi dita para assaltar o dinheiro do movimento de sexta-feira, sábado e domingo, que é muito, em vez de um dia”.Machava disse terem saído do local do assalto sem nenhuma pressão, porque a bomba estava sem guarda.“Só que quando entramos no distrito de Guro, um dos pneus começou a perder ar. Paramos para substituir. Foi nessa altura que fomos apanhados, nós os dois, porque Winas e Evas, quando viram esta situação, meteram-se no mato”, acrescentou.Por sua vez, Sansão Mboene, outro integrante da quadrilha, disse que se juntou ao grupo sem se aperceber que era para o cometimento do crime. 
“Disseram que leva-nos para um sítio, temos uma missão a cumprir. Por isso, quando saíram da bomba sem indicação de assalto, regressamos sem pressa. Estou arrependido”, explicou.A porta-voz do Comando provincial da PRM, em Tete, Lurdes Ferreira, disse que “accionamos os comandos distritais e provinciais de Manica e Sofala para fechar o cerco, numa altura em que nós, cá em Tete, estávamos a fazer as operações de busca e captura dos supostos assaltantes”.“Fomos alertados pelo gerente da bomba assaltada sobre o que tinha acontecido. Foi graças a isso que conseguimos iniciar as nossas operações. Foi bom, porque, quanto mais cedo for, conseguimos obter bons resultados do nosso trabalho operativo”, explicou.A fonte assegurou que a corporação continuará com as operações com vista a neutralizar os restantes dois supostos assaltantes.

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Alemanha "alimenta" nuclear norte coreano

A Coreia do Norte tem vindo a adquirir tecnologia para os seus programas nucleares e de armas através da embaixada de Berlim, diz o chefe da inteligência da Alemanha. Hans-Georg Maassen disse à NDR TV que muitas dessas actividades foram frustradas, mas nem todas foram detectadas.Ele não disse que tipo de tecnologia foi adquirida, mas disse que poderia ser usado para fins civis e militares.
Resultado de imagem para Hans-Georg Maassen
A Coreia do Norte continuou a desenvolver mísseis e armas nucleares, desafiando as sanções internacionais.
"Nós notamos que tantas actividades de compras ocorreram da embaixada", disse Maassen em uma entrevista que será transmitida na segunda-feira pela BBC. "Do nosso ponto de vista, eles eram para o programa de mísseis, mas também em parte para o programa nuclear", acrescentou. "Quando vemos essas coisas, nós as paramos. Mas não podemos garantir que possamos detectar e bloquear cada tentativa".
A Coréia do Norte ainda não respondeu aos comentários de  Maassen.
Uma investigação separada da emissora pública ARD disse que a agência de inteligência da Alemanha viu sinais da Coreia do Norte tentando adquirir tecnologia e equipamentos em 2016 e 2017. Enquanto isso, um painel de especialistas da ONU encontrou evidências de que a Coreia do Norte ajudava a Síria a desenvolver armas químicas e a fornecer mísseis balísticos a Mianmar. As revelações ocorrem no meio de tensões sobre os rápidos avanços da Coreia do Norte em programas de armas nucleares e convencionais, que atingiram seu ponto mais alto em anos. 
Imagem relacionadaO último teste de mísseis balísticos, em 28 de Novembro, provocou uma nova série de medidas da ONU, visando embarques de petróleo e viagens para os norte-coreanos. Os testes contínuos também provocaram uma guerra de palavras entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano Kim Jong-un. O Sr. Trump, que apelidou de Kim Jong-un "foguete", conheceu desertores da Coréia do Norte em Washington na sexta-feira e disse que esperava que "algo de bom" possa sair dos Jogos Olímpicos de Inverno que começam na Coréia do Sul na sexta-feira. A Coreia do Norte concordou em participar dos Jogos. O Norte e o Sul até formaram uma equipe conjunta de hóquei no gelo feminino, que jogou seu primeiro amistoso no domingo. No entanto, o Norte está avançando com planos para um desfile militar em larga escala na véspera dos Jogos.

Bem Vindo!!!

Imagem relacionada