segunda-feira, setembro 27, 2021

Covid derrotado nas últimas 24 horas

Moçambique registou 36 novas infeções por Covid-19 nas últimas 24 horas, dos quais três são de cidadãos estrangeiros. Segundo o boletim do Ministério da Saúde (MISAU), sobre a evolução da pandemia, nas últimas 24 horas, “não notificou nenhum óbito em paciente infectado pelo novo coronavírus, continuando o país com um cumulativo de 1.909 vítimas mortais devido à Covid-19”. Deste número 26 são do sexo masculino, correspondente a 72,2 por cento e 10 do sexo feminino, que representam 27,2 por cento. Todos os novos casos resultam de transmissão local.

A província de Manica registou 13 casos, correspondentes a 36,1 por cento do total dos casos novos hoje reportados em todo o país e uma taxa de positividade de 32,5 por cento, seguida pela província de Gaza com cinco casos, o equivalente a 13,9 por cento do total de casos e uma taxa de positividade de 6,3 por cento. A nível nacional, a Taxa de Positividade nas últimas 24h foi de 5,2 porcento, enquanto a Taxa de Positividade Acumulada é de 16,7 por cento. Assim, Moçambique tem cumulativamente 150.530 casos positivos registados, dos quais 150.161 casos são de transmissão local e 369 são casos importados.

Nas últimas 24 horas as autoridades registaram uma alta hospitalar e nenhum novo internamento.

“Assim, o país continua com um cumulativo de 6.955 pacientes internados, dos quais 38 estão actualmente nos Centros de Internamento de Covid-19 e em outras Unidades Hospitalares 46,7 por cento destes pacientes encontram-se na cidade de Maputo. Neste momento, o país tem 2.073 casos activos.

Num outro desenvolvimento, o MISAU recorda que segunda-feira da semana corrente retomam as actividades efectivas do Ensino Pré-Escolar (creches). A retoma surge no âmbito do relaxamento das medidas restritivas impostas para conter a propagação do novo coronavírus. Assim, o MISAU exorta aos pais/encarregados de educação e professores a continuarem a desempenhar o papel de verdadeiros agentes promotores de saúde, ensinando os seus educandos e alunos, respectivamente, a respeitarem as medidas gerais de prevenção da Covid-19, particularmente o uso correcto da máscara no interior da sala de aulas e em contacto com os colegas e evitar partilhar material escolar ou lanche com os colegas.

Em momento certo, e não em dúvida

O Presidente da República, Filipe Nyusi, considera que o apoio que Moçambique tem estado a receber dos parceiros no combate ao terrorismo também tem o condão de capacitar as Forças de Defesa e Segurança (FDS).

“Neste momento que recebemos apoio, estamos, em simultâneo, a capacitar as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) para poderem fazer face as fases posteriores de combate ao terrorismo”, disse Nyusi, falando sábado, na cidade de Pemba, em conferência de imprensa alusiva a celebração do Dia das FADM, que se assinala a 25 de Setembro em todo o território nacional. Nyusi, que falava em conferência conjunta com o seu homólogo ruandês, Paul Kagame, afirmou que “se a casa do vizinho estiver a arder juntos podemos extinguir o fogo e criar condições para que não haja mais fogo, no futuro”. O estadista moçambicano estabeleceu um paralelismo entre a progressão do terrorismo e do novo coronavírus. “Muda de forma. Acredito que o terrorismo comporta-se desta maneira”. Questionado sobre os desafios que o país enfrenta no combate ao terrorismo, Nyusi respondeu que “em Moçambique nunca tínhamos estado perante uma guerra contra o terrorismo. É um fenómeno novo, para nós”.

 Sobre a intervenção das forças ruandesas no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, Nyusi respondeu surge a pedido de Moçambique.

“Eu, pessoalmente, em muitas ocasiões, interagi com o Presidente Kagame e outros estadistas. Com base em experiência, prontidão, e relacionamento, achamos que estávamos prontos para trabalhar com Ruanda”, disse Nyusi, ajuntando que “Ruanda já teve missões similares em diferentes momentos”. Ademais, disse Nyusi, os dois países atravessam uma fase de relacionamento óptimo, no âmbito do desenvolvimento, no geral. “As interacções que temos tido ao longo dos tempos ajudaram que houvesse prontidão do Ruanda para ajudar Moçambique. Não precisamos de meninos de recados. Falamos directamente. É o que fizemos”, referiu Filipe Nyusi.

Kagame, por seu turno, assegurou que “vamos combater o terrorismo, ao mesmo tempo capacitando as FDS”. Afirmou há pessoas que pensam que o Ruanda teria sido convidado pela multinacional francesa, Total, ou pela França a intervir em Moçambique. “Na verdade, eles são nossos amigos, mas o problema é de Moçambique. É um desafio de Moçambique. Desafio que Moçambique está a enfrentar. Por isso, foram os moçambicanos que nos convidaram, e vamos continuar a trabalhar juntos”.

“O Ruanda está a fazer a sua modesta contribuição”, acrescentou. Questionado sobre a demora para pedir a intervenção estrangeira para combater os terroristas, Nyusi que afirmar que foi “muito tempo”, é subjectivo. Nyusi explicou que o primeiro ataque ocorreu em 2017, numa altura em que “já liamos sinais, a partir de 2012, sinais estranhos no nosso país, sobretudo na zona de Mocímboa da Praia, e nessa altura já havia prospecção de recursos naturais”.

“Isso exigiu, da nossa parte, uma ponderação e inteligência para perceber o fenómeno”, disse Nyusi, explicando que queria evitar a presença de muitos países em território nacional sem saber exactamente o seu papel em Moçambique. 

“Se nesse momento tivéssemos dito venha o Zimbabwe, Egipto, França, … poderíamos cair numa situação de dizer venham sem sabermos o que esses países viriam fazer”, disse.

Alem disso, disse o estadista moçambicano, chegou-se a acreditar que o problema poderia ser resolvido dentro do país, usando o diálogo. “Estávamos a tentar perceber se a nossa arma ainda funcionava, o diálogo”. Por isso, disse Nyusi, não basta ajuda. Os países precisam de perceber para onde vão, o que vão fazer, e o que é preciso fazer, e isso leva tempo”, explicou Nyusi. Assim, o pedido de ajuda não ocorreu tardiamente. “Foi uma decisão oportuna. Tínhamos que tomar a medida em um momento certo, e não em momento de dúvida. Senão estaríamos a cometer um erro fatal”.

terça-feira, setembro 21, 2021

Segunda maior do mundo secando

Em seu volume máximo, as Cataratas de Vitória, no Zimbábue, facilmente se encaixam entre as maravilhas naturais do mundo. Com dimensão de 1,7 km em seu ponto mais largo e altura de mais de 100 metros, elas são conhecidas pelos locais não só como as maiores cataratas africanas, mas também como a 'fumaça que troveja".

A queda d'água é formada pelo fluxo do rio Zambeze caindo sobre um precipício chamado Primeiro Desfiladeiro. O precipício foi esculpido pela ação da água sobre rochas vulcânicas que formam essa região do sul da África.

Em dezembro de 2019, porém, a maior parte dessa majestosa queda d'água foi silenciada.

Em meio à maior seca em um século na região, sobraram ali apenas alguns filetes de água. Segundo a imprensa local, o fluxo hídrico voltou cerca de três meses depois, mas persistem as preocupações quanto ao futuro das cataratas e do clima africano.

Como uma das principais atrações turísticas locais, as Cataratas de Vitória são uma valiosa fonte de renda para o Zimbábue e a Zâmbia. À medida que a notícia do baixo nível de água se espalhou, comerciantes locais notaram uma queda considerável na chegada de turistas.



quarta-feira, setembro 15, 2021

Sobre responsabilidade criminaL

Estes dias tem havido aí muita alusão a uma possibilidade do Presidente da República, Filipe Nyusi, ser chamado a responder, em juízo, por qualquer participação sua no caso das dívidas ilícitas. Até pessoas de fora, como o empresário libanês Jean Boustani, são citadas como tendo feito alusão a essa possibilidade, alegadamente para ajudar a colocar mais luz sobre este escândalo financeiro. E como estamos todos ansiosos em comentar, acusar, condenar, perdoar ou absolver qualquer pessoa mencionada como participante do odioso banquete de Abu Dabhi, talvez ajude a colocar algumas notas sobre o que diz a Constituição da República, a respeito.

 Ora, então o que diz a Constituição da República?

A Constituição trata desta matéria no seu artigo 152. E ela coloca duas situações em que o Presidente da República possa ser chamado a responder criminalmente. A primeira situação é aquela em que o crime por que é acusado ele o tenha praticado no exercício das suas funções, isto é, enquanto, de facto, Presidente da República. A segunda situação é aquela em que o crime por que é acusado ele o praticara fora do exercício das funções de Presidente da República.

Na primeira situação, o Presidente da República praticou o acto nessa sua capacidade, ou seja, exercendo, efectivamente, as funções de Presidente da República: por alguma forma, aprovando, revendo ou violando alguma norma ou conduta devida. Na segunda situação, a expressão “fora do exercício das suas funções” significa qualquer acto, definido na lei como crime, que o Presidente tenha cometido, porém sem qualquer relação com as suas funções de Presidente da República. Por exemplo, um homicídio, praticado numa rixa com amigos numa festa privada!

Como então a Constituição trata uma e outra situação?

No primeiro caso, o Presidente da República poderá ser alvo de acusação pelo Ministério Público, se a Assembleia da República, com uma maioria de dois terços dos deputados, fizer requerimento, nesse sentido, ao Procurador-Geral da República. Em caso de julgamento – que ocorrerá enquanto o Presidente foi já suspenso das suas funções – este ocorre em sede do Tribunal Supremo. Na segunda situação, de crimes que o Presidente da República tenha praticado fora do exercício destas funções, ele responde ao tribunal comum, porém no termo do mandato (cfr.nº2 do art.152). Ora, e salvo melhor entendimento, este último seria o caso do Presidente Filipe Nyusi, visto que, segundo as informações que têm estado a circular por aí, ele terá participado no projecto da segurança costeira enquanto Ministro da Defesa. Portanto, fora do exercício das funções de Presidente da República. Mas há muitos constitucionalistas, nossos amigos no Facebook que nos podem ajudar ou corrigir, se esta nossa interpretação estiver errada. Afinal a lei interpreta-se! 

*Artigo extraído da página do Facebook do jornalista e jurista Tomás Vieira Mário.

segunda-feira, setembro 13, 2021

Próxima pandemia e não há vacina para curá-la

Um estudo de milhares de anos de história mostra que a seca não é uma crise nova. Às vezes, os seres humanos superam essa crise, mas muitas vezes não conseguem. Um olhar sombrio para o futuro nos diz que não vimos nada ainda, com uma mistura de climas mutantes, práticas inadequadas de gerenciamento de água e densidades populacionais crescentes que prometem uma ‘ pandemia ‘ de secas catastróficas.

Relatório Especial da ONU sobre a Seca 2021 detalha os riscos que enfrentaremos nos próximos anos como resultado da redução das chuvas em pontos-chave ao redor do mundo, explorando as causas da seca e a variedade de medidas que todos nós tomamos para lidar com a escassez de água. O fato de o aquecimento global estar redistribuindo nossa água já é uma realidade sombria com a qual muitos ao redor do mundo são forçados a lidar.

“Com a mudança climática induzida pelo homem , a frequência e a severidade da seca já aumentaram em algumas – muitas vezes já com escassez de água – regiões do globo”, escrevem os autores no relatório .

“À medida que o mundo se move aparentemente inexoravelmente em direção a temperaturas médias globais 2 ° C mais altas do que os níveis pré-industriais, os impactos da seca estão se intensificando e prevê-se que piorem em muitas regiões, particularmente em cenários de negócios como de costume.”

Pelo menos 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo foram afetadas pela seca nas últimas duas décadas, que custou às economias mais de US $ 124 bilhões. Como os autores apontam, geralmente há uma lacuna entre as perdas relatadas e os impactos reais, o que significa que números como esses devem ser considerados, na melhor das hipóteses, conservadores. Sem falar que as estimativas de fato nem levam em consideração as economias dos países em desenvolvimento. Ironicamente, são as nações em desenvolvimento e regiões remotas que vêm pela primeira vez à mente quando pensamos em uma seca severa. No entanto, quase um quinto da população mundial vive em uma área potencialmente em risco de escassez de água. No final do século, podemos esperar que a maioria dos países seja afetada de alguma forma pela seca.


Relatórios prevendo a extensão dos riscos crescentes de escassez de água em um futuro devastado por uma crise climática se tornaram comuns. Presságios de seca mal se qualificam como notícia nos dias de hoje. Mas, como sabemos de tudo isso – como sabemos como a seca pode ser devastadora, e que tantos de nós enfrentamos um futuro de períodos de seca – por que não somos melhores em administrá-la?

Na tentativa de encontrar uma resposta, o relatório da ONU reuniu uma série de estudos de caso detalhando ‘experiências vividas’ de seca para destacar quem na comunidade será mais afetado por períodos frequentes de estresse hídrico.

Capacitar os envolvidos com a agricultura é um primeiro passo óbvio. Mas qualquer pessoa que precise de um ambiente aquático saudável, seja no turismo, nos transportes, na hidroeletricidade ou na pesca, tem interesse na gestão eficiente da água. Com base nas experiências coletadas nesses casos, fica claro que a política sobre a água não é tanto um problema de pouca consciência, mas um problema de memória ruim.

“Os atuais mecanismos e abordagens de gestão de risco e governança para lidar com a seca estão sendo oprimidos pela natureza cada vez mais sistêmica do risco de seca”, afirma o relatório .

“Os estudos de caso descrevem ações no desenvolvimento, revisão e reestruturação de políticas quando as secas são severas, e inação quando as secas não são mais evidentes”.

Ninguém quer pensar na próxima seca quando as chuvas vierem, então não é de surpreender que a maioria das abordagens políticas sejam reativas, ao invés de proativas. O representante especial do secretário-geral da ONU para redução de risco de desastres, Mami Mizutori, é rápido em comparar a escassez de água no futuro com um desastre global que não precisamos imaginar.

 

“A seca está prestes a se tornar a próxima pandemia e não há vacina para curá-la”, cita Fiona Harvey, do The Guardian .

A analogia de Mizutori com COVID-19 deve ressoar. Desigualdade social, falta de preparação e dificuldade de adaptação a novos riscos apenas aumentaram o que é efetivamente um desafio que enfrentamos com frequência no passado . Mas assim como um sistema imunológico saudável se beneficia de uma memória de longo prazo de doenças anteriores, nossa comunidade global não pode se dar ao luxo de esquecer as comunidades que desapareceram da história por falta de acesso confiável à água potável. Leia o Relatório de Avaliação Global sobre Redução de Risco de Desastres: Relatório Especial sobre a Seca de 2021 aqui .

Chang não tem estatuto de réu no país

Num artigo de opinião publicado no semanário sul-africano SUNDAY INDEPENDENT, o jurista André Thomashausen considerou que a África do Sul foi “mais uma vez enganada” por Moçambique no caso de extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang, detido há dois anos por fraude financeira a pedido dos Estados Unidos da América.  

O jurista e académico emérito da Universidade da África do Sul (UNISA, na sigla em inglês), escreve, no semanário Sunday Independent, que “só as pessoas condenadas ou acusadas em julgamento podem ser extraditadas” à luz do Tratado de Extradição sul-africano com os Estados Unidos da América (EUA), de 1999, e do Protocolo de Extradição da SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral], de 2002.

“E é aqui que a África do Sul foi mais uma vez enganada por Moçambique”, sublinha André Thomashausen no artigo de opinião hoje publicado no semanário sul-africano. O ex-ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang, detido na África do Sul a aguardar extradição para os EUA ou para Moçambique, foi indiciado num processo criminal nos EUA por alegadamente defraudar cidadãos e empresas norte-americanas que investiram em obrigações do tesouro de Moçambique para financiar os empréstimos de mais de 2 mil milhões de euros, segundo o analista.

“Na base desse processo, Chang foi detido na África do Sul em dezembro de 2018, para ser extraditado para os EUA”, explica o jurista, sublinhando que os “requisitos” dos acordos de extradição “não se espelham mutuamente”, tal como argumentado recentemente pelo ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, salientando que “as disposições do Tratado com os EUA devem prevalecer, se o princípio do direito internacional da Observância dos Tratados ("Pacta sunt servanda") for respeitado”.

“Os tratados anteriores nunca são invalidados por tratados subsequentes celebrados por terceiras partes”, adianta.

Na ótica do analista sul-africano, “a nacionalidade das vítimas dos alegados crimes de Chang é a Americana, o pedido dos EUA precede o pedido moçambicano (de qualquer forma submetido incompleto e inválido) e por causa da proibição na Constituição de Moçambique (Art 67 alínea 4) de extraditar os nacionais, uma extradição para Moçambique iria frustrar definitivamente uma extradição subsequente para os EUA, e assim por completo o pedido de extradição feito pelos Estados Unidos”.

“O que ambos os tratados de extradição têm em comum, no entanto, é que potenciais testemunhas nunca se qualificam para um pedido de extradição”, sublinha, salientando que “as formulações reais das disposições referidas revelam diferenças gritantes”.

“O Tratado com os EUA exige, em primeiro lugar, que as datas dos pedidos concorrentes, bem como a nacionalidade das vítimas dos crimes devem ser considerados, e em segundo lugar, que a possibilidade de posterior extradição entre os respetivos Estados devem instruir a decisão de escolha entre pedidos concorrentes. O Protocolo da SADC, no entanto, centra-se na nacionalidade da pessoa a extraditar e nos interesses dos respetivos Estados”, refere o jurista sul-africano.

Em 23 de agosto, o porta-voz do ministério da Justiça sul-africano, Chrispin Phiri, anunciou à Lusa que a África do Sul decidiu extraditar para Moçambique o ex-ministro das Finanças Manuel Chang, decisão que foi contestada dois dias depois na Justiça sul-africana pelo Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO), de Moçambique, que pretende impedir a extradição do antigo governante para o seu país. 

O porta-voz do ministro da Justiça sul-africano explicou que Manuel Chang é "considerado extraditável" nos termos do artigo 10.º (1) da Lei de Extradição sul-africana, acrescentando que “será entregue às autoridades moçambicanas para ser julgado ao abrigo da lei moçambicana por abuso de posição e função, violação de leis orçamentais, fraude, desfalque, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa”. Todavia, o jurista André Thomashausen sublinha que “em fundamento dessa decisão, o novo diretor-geral do Ministério da Justiça [da África do Sul], um Senhor Mashabane, num depoimento jurado com data de 26 de Agosto de 2021, declarou falsamente que as disposições relativas aos pedidos de extradição concorrentes constantes do Tratado de Extradição Sul-africano com os EUA, de 1999, e do Protocolo de Extradição da SADC, de 2002, "são imagens de espelho", quer dizer, idênticas umas das outras e sendo assim a África do Sul estaria livre de escolher como melhor achasse”. O analista acrescenta que “na sua declaração ao tribunal de Justiça em 31 de agosto de 2021, o ministro Lamola baseia-se no que assume ser verdade, nomeadamente que Chang agora já seria um "acusado" perante a lei moçambicana”.

“Isto é falso, as diligências de processos-crime ao abrigo do Código de Processo Penal de Moçambique de 1929 são desconhecidas no processo penal sul-africano”, salienta, acrescentando que “o antigo Código Penal português, no atual processo em Maputo aplicado como Código Penal moçambicano, distingue entre pessoas que são suspeitos ou suspeitas, arguidos e acusados, por vezes referidos como réus”.

“Chang caracteriza-se nos documentos apresentados por Moçambique como um "arguido" em duas investigações criminais, números de processo 1/PGR/2015 e 58/GCCC/2017/EP. Estas investigações não foram admitidas a julgamento e, muito provavelmente, nunca chegarão à fase de transitar para julgamento”, refere o jurista sul-africano.

O especialista em Direito Internacional sublinha ainda que “o julgamento em curso em Maputo é o caso número 18/2019/C e nele Chang não é réu nem arguido. Apenas foi convocado como testemunha (ou “declarante” na terminologia utilizada pelo Tribunal), para ser ouvido como tal.” De acordo com Thomashausen, qualquer pessoa “familiarizada” com a lei e os procedimentos judicias em Moçambique poderia ter informado o ministro da Justiça sul-africano, que um “arguido” em Moçambique “é simplesmente uma pessoa suspeita ou indiciada que ainda não é acusado em julgamento”.

“O arguido deve ser apresentado com qualquer prova que lhe seja apresentada, e ao contrário de uma testemunha tem o direito de permanecer em silêncio, de não responder a qualquer pergunta que possa incriminá-lo, e não arrisca enfrentar uma ação judicial por ter mentido”, refere.

“O mais importante, é que uma pessoa que tem estatuto de arguido (ainda) não é formalmente acusada de ter cometido um crime”, salienta.

“Em suma, Chang não é acusado e não tem estatuto de réu em nenhum julgamento em Moçambique e assim não está qualificado para uma extradição ao abrigo do Protocolo de Extradição da SADC. Uma vez que se trata de uma questão de direito internacional, devem ser apresentadas provas nesse sentido no processo em curso no Tribunal Superior, conclui o jurista André Thomashausen.

É a segunda vez que a África do Sul decide entregar o ex-governante moçambicano às autoridades, em Moçambique, mas desta vez acontece quando o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo iniciou o julgamento de 19 arguidos acusados de envolvimento no caso das dívidas ocultas. Em 27 de agosto, o Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, adiou para 17 de setembro a audição de uma contestação do Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO) à extradição do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para Moçambique.

sexta-feira, setembro 10, 2021

Até ao final do mês, energia em Palma

 

Equipas da empresa Electricidade de Moçambique (EDM) estão a desdobrar-se no terreno para assegurar o restabelecimento de energia nas vilas de Palma e Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, norte do país, até ao final do mês em curso. O Ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, assegurou esta quinta- feira, em Awasse, Cabo Delgado, que neste momento existem diversas equipas técnicas que estão a trabalhar para garantir a retoma dos serviços mínimos de fornecimento de energia eléctrica às sedes distritais e zonas circundantes afectadas por acções terroristas na província.

“Pretendemos, com este esforço, assegurar que outras actividades, como o abastecimento de água e serviços administrativos, possam ser restabelecidos para a garantir a retoma normal da vida da população nestas zonas”, referiu Tonela, citado hoje pelo “Notícias”.

O governante precisou que em Mocímboa da Praia as equipas técnicas estão a trabalhar na revisão do sistema de distribuição, sobretudo porque houve vandalização das infra-estruturas, quer de transformação, quer de transporte, bem assim nas redes de distribuição de média tensão que alimentam os distritos, incluindo os ramais para as vilas. Referiu que na próxima semana será feito um plano de investimentos para Muidumbe, com vista à mobilização dos recursos financeiros necessários para a reposição da energia e, gradualmente, ir-se respondendo a demanda, à medida que a vida voltar à normalidade. “Agora temos também equipas a trabalhar na linha para Nangade e amanhã (hoje) teremos equipas na linha da Mocímboa da Praia - Palma e é nossa perspectiva que até ao final do mês tenhamos a rede reposta. Vamos depois ter que trabalhar em investimentos de vulto nas infra-estruturas de base”, explicou Max Tonela.

Referindo-se aos custos envolvidos, o governante explicou que até ao momento tudo está a ser feito com base nos recursos próprios da EDM e do Governo, mas há um trabalho com parceiros, sobretudo o Banco Mundial, através de fundos de emergência, para assegurar que o impacto seja mínimo sobre as contas da empresa. Paralelamente aos trabalhos de manutenção da rede destruída, Max Tonela anunciou que está em curso a aquisição de geradores para resolver questões imediatas como o fornecimento de energia onde se mostre prioritária. “Neste contexto, esperamos amanhã (hoje) receber quatro grupos geradores que serão colocados em Palma, Mocímboa da Praia e outros locais que serão determinados pelas autoridades locais”disse. Acrescentou que dos levantamentos preliminares realizados até quinta-feira, estima-se que sejam necessários, para a retoma de emergência, cerca de 11 milhões de dólares norte-americanos. Mas mais tarde serão necessários mais 10 milhões de dólares para investimentos em infra-estruturas de base.

"Casa da Alegria"

A acção, que vai ajudar a suprir as necessidades daquela instituição de caridade gerida pela congregação Irmãs Missionárias da Caridade Madre Teresa de Calcutá, insere-se nas celebrações do Dia Mundial Nelson Mandela, ícone da luta contra o regime de segregação racial Apartheid, que se assinala a cada dia 18 de Julho, mas este ano, devido à pandemia da Covid-19 não foi possível realizar na respectiva data. O donativo é constituído por arroz, farinha de milho, óleo alimentar, açúcar, sal, detergentes líquidos e em pó, sabão, pensos higiénicos, entre outros produtos que, de acordo com o director de Marketing e Comunicação do Standard Bank, Alfredo Mucavela, constituem o contributo do banco para o funcionamento do centro.

“Isto é uma parte do que caracteriza o Standard Bank, humanamente falando. É uma oportunidade ímpar de trazer alegria a este local, onde as missionárias tomam conta de muitas vidas. Soubemos que há pessoas (de todas as idades e géneros) que passaram por situações de abandono, doença e sem o que comer ou vestir, mas que encontraram abrigo e conforto neste centro, sem contar com as crianças da comunidade que vêm aprender a custo zero”, disse Alfredo Mucavela. Para o alto comissário da África do Sul em Moçambique, Siphiwe Nyanda, o apoio às comunidades carenciadas, por via das instituições de caridade, constitui uma forma de homenagear Nelson Mandela, cuja obra sempre foi em prol dos desfavorecidos. “Esta é mais uma oportunidade que temos, de estar junto dos mais desfavorecidos, e de estendermos a nossa mão a instituições que trabalham com e para as comunidades, particularmente as mais pobres, que não têm onde dormir, o que comer ou condições para ter acesso à educação”, disse o diplomata.

Na ocasião, a irmã superior da “Casa da Alegria”, Joselinda Matheo, mostrou-se feliz e agradeceu pelo gesto do Standard Bank, que não vai ajudar somente as pessoas ali acolhidas, mas também a comunidade e os petizes que frequentam a escola pertencente ao centro: “Mensalmente, atribuímos cestas básicas a muitas famílias. Ou seja, tudo o que recebemos, partilhamos com todos que precisam de ajuda”. A “Casa da Alegria” foi criada em 1988 pela Madre Teresa de Calcutá, e funciona como orfanato e centro de acolhimento de crianças, jovens, adultos e idosos carenciados, abandonados pelas respectivas famílias ou que padecem de diversas doenças, algumas crónicas. Estes últimos, para além do acolhimento, beneficiam de assistência médica e medicamentosa. O centro integra, igualmente, uma escola primária, que lecciona da primeira à quinta classe. A mesma é frequentada por crianças desfavorecidas residentes nas comunidades circunvizinhas. Neste momento, conta com 430 alunos que, para além das aulas normais e de reforço, beneficiam de uniforme, livros, material escolar e uma refeição por dia. Nuno Cristiano ocupa a ala dos adultos da “Casa da Alegria”, local onde chegou há dois anos, já debilitado. Foi acolhido e submetido a tratamento médico e medicamentoso, e hoje é grato às Irmãs Missionárias da Caridade Madre Teresa de Calcutá: “Elas prestaram-me todo o apoio, cuidaram e fizeram tudo por mim”. Por não ter família na cidade de Maputo, Nuno Cristiano reside, actualmente, no centro, tendo, por isso, agradecido ao Standard Bank pelo donativo;): “É gratificante, para nós, receber esta oferta. Não temos palavras para agradecer", disse.


Talebãs com apoio dos EUA?

Ronald Reagan chegou a receber líderes dos mujahedins, grupo rebelde financiado pelos EUA para combater o governo soviético

Nos Estados Unidos, eles chegaram a ser classificados de "combatentes da liberdade". Mas chamá-los de guerrilheiros fundamentalistas islâmicos talvez fosse mais apropriado.

Grupos rebeldes afegãos resistiram durante anos à invasão soviética do Afeganistão com o apoio de Washington, que forneceu a eles armas e dinheiro com o objetivo de enfraquecer o poder da União Soviética, sua superpotência rival. Segundo revelaram documentos de inteligência, investigações jornalísticas e testemunhos dos protagonistas anos depois, a estratégia dos EUA era fazer com que a União Soviética se visse encurralada no Afeganistão, num atoleiro que consumia vidas, dinheiro e recursos. A finalidade era fazer com que os soviéticos vivessem algo parecido com o que os americanos vivenciaram na Guerra do Vietnã. A missão americana foi chamada de Operação Ciclone e a imprensa a descreveu como a "maior operação sigilosa da história da CIA". Em 1996, só oito anos depois da retirada das tropas soviéticas, os talebãs conquistaram Cabul e impuseram um regime fundamentalista islâmico condenado a nível mundial por suas violações aos direitos humanos. Como os EUA contribuíram para a vitória do Talebã?

Na primavera de 1979, mais de 30 mil efetivos militares da União Soviética, apoiados por aviões e carros de combate, começaram seu desembarque no Afeganistão com apoio do governo "revolucionário" de Cabul. Um ano antes, a chamada Revolução de Saur havia instaurado no Afeganistão um estado socialista que enfrentava crescente resistência das milícias islâmicas locais, formadas pelos mujahedins, como se chama, segundo a tradição islâmica, quem combate na "guerra santa". Moscou queria apoiar o Estado socialista afegão e o governo pró-soviético do presidente Babrak Karmal, que enfrentava uma resistência armada dos mujahedins cada vez mais virulenta. Robert Crews, historiador especializado em Afeganistão na Universidade de Stanford, disse à BBC Mundo que "os Estados Unidos foram pegos de surpresa, apesar do fato de competirem com a União Soviética por projetos de construção e infraestrutura em solo afegão desde a década de 1950". Nesse contexto, Zbigniew Brzezinski, conselheiro de Segurança Nacional, e outros assessores persuadiram o então presidente americano Jimmy Carter de que uma operação secreta para equipar e armar a insurgência seria uma boa ideia.

 Os guerrilheiros islâmicos afegãos receberam armas dos EUA e aliados

Começou assim um dos conflitos típicos da Guerra Fria, no qual EUA e União Soviética competiam pelo domínio geopolítico, mas sem se enfrentar diretamente no campo de batalha. Cada um apoiava grupos distintos em guerras de outros países, o que em inglês se conhece como "proxy wars". Murad Shishani, especialista da BBC em milícias e jihadistas, explica que, no conflito do Afeganistão, os "Estados Unidos apoiaram a jihad (guerra santa) para derrotar o inimigo soviético".

A princípio, a Operação Ciclone só abasteceu os rebeldes com armamento obsoleto de fabricação soviética, como fuzis AK-47, e se limitou a recrutar combatentes voluntários e financiamento de países árabes. "Dessa maneira, Washington podia negar sua participação", destaca Crews. Arábia Saudita foi um dos mais ativos financiadores, mas o Egito de Anwar el-Sadat e outros países também contribuíram para o esforço de apoio aos mujahedins. O plano exigia a colaboração dos serviços de inteligência do Paquistão, de onde atuavam vários dos grupos jihadistas. Um exemplo de como operavam foi dado pelo parlamentar americano Hub R. Reese, que revelou em 1988 que entregou 700 mulas do Tennessee a uma base militar em Kentucky para serem enviadas ao Paquistão. O apoio dos EUA aos mujahedins se tornou mais escancarado com Ronald Reagan na Casa Branca. Um lobby cada vez mais poderoso em Washington defendia intensificar a ajuda aos combatentes islâmicos, que se queixavam que as armas fornecidas não eram suficientes para frear os soviéticos. Em 1984, o Congresso americano aprovou uma resolução sobre Afeganistão que afirmava que "seria indefensável prover aos combatentes da liberdade ajuda suficiente só para que lutassem e morressem, e não para impulsionar a causa da liberdade." Reagan chegou a receber uma delegação de líderes jihadistas na Casa Branca e, em seu discurso sobre o Estado da União, no Capitólio, em 1986, deixou uma mensagem aos rebeldes afegãos: "Vocês não estão só, combatentes da liberdade. Os EUA os apoiarão". Mas Reagan fez algo muito mais importante. Ele aprovou a entrega aos guerrilheiros de unidades portáteis Stinger de lançamento de mísseis.

Os Stinger permitiu aos afegãos derrubar helicópteros soviéticos

Escondidos nas montanhas afegãs, os guerrilheiros passaram a derrubar helicópteros soviéticos e o equilíbrio de forças no terreno mudou rapidamente. O senador democrata Charles Wilson, um dos que mais ativamente advogaram por uma maior presença de Washington no Afeganistão, declarou que os parlamentares ficaram "assombrados com sucesso do Stinger". Em setembro de 1988, depois de nove anos de intervenção, o primeiro-ministro soviético, Mikhail Gorbachev, determinou a retirada das forças soviéticas do Afeganistão, que passou, então, por uma guerra civil entre as diferentes facções existentes no país e um governo que, sem o apoio da União Soviética, não demorou a cair.

A União Soviética iniciou a retirada de suas tropas do Afeganistão em 1988

"Existe uma teoria da conspiração que afirma que os EUA apoiaram o movimento Talebã para se beneficiar do que viria depois", diz Murad Shishani. "Mas esse não é o caso." Na realidade, os talebãs só apareceriam em 1994 na cidade afegã de Kandahar, onde logo ganharam popularidade se apresentando como estudantes-guerreiros. Suas fileiras eram formadas por jovens de etnia pashtun educados em escolas religiosas do Paquistão que pregavam uma interpretação conservadora do Corão. "Quando surgiu o Talebã, o governo soviético já havia caído, mas é verdade que alguns dos líderes que o fundaram estavam entre os senhores da guerra que receberam ajuda dos EUA na guerra contra a União Soviética", diz Shishani. Vencer a União Soviética era o grande objetivo dos Estados Unidos. Como recorda Shishani, o "termo jihadista não tinha as conotações negativas que foram adquiridas depois" pela sangrenta ação de grupos como a al-Qaeda e o Estado Islâmico. "Estados Unidos abasteciam o Afeganistão com armas, mas na realidade muitos países fizeram isso", destaca.

Os talebãs surgiram em Kandahar, como um movimento de renovação

Robert Crews, da Universidade de Stanford, se lembra que, quando surgiu em Kandahar, o Talebã se apresentou como "uma força nova e pura que queria combater tudo o que havia antes". Ele diz que os primeiros líderes do grupo não estiveram entre os principais beneficiários da ajuda norte-americana. No entanto, o êxito do Talebã veio, em parte, de suas promessas de restabelecer a ordem e instaurar um regime islâmico puro e tradicional. Portanto, o grupo se beneficiou de um clima de insegurança e desordem alimentado pelo apoio americano a insurgentes islamistas. E, nas palavras de Crews, "a ajuda dos EUA e a vitória contra União Soviética haviam contribuído para criar uma espécie de utopia jihadista".

A retirada das forças soviéticas do Afeganistão foi vista como preâmbulo da queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria. E, na década de 1990, os Estados Unidos viveram o apogeu de seu poder como potência, até a ascensão posterior da China. Robert Gates, ex-secretário de Defesa dos EUA e funcionário da CIA quando foi concebida a Operação Ciclone, escreveu anos depois um livro sobre os presidentes que "ganharam a Guerra Fria". Mas, enquanto a Guerra Fria chegava ao fim, a guerra civil afegã seguia deixando milhares de mortos num país que agora não era mais prioridade nos planos geopolíticos dos EUA. "Na guerra civil afegã, Washington optou pelo silêncio, inclusive no que se referia a violações de direitos humanos por parte de grupos de mujahedins que os EUA haviam apoiado", destaca Crews. O especialista compara o apoio à resistência antissoviética no Afeganistão ao suporte dado pelos EUA a outros movimentos armados que lutaram contra governos de esquerda em outros países na mesma época, como o que lutou contra a Frente Sandinista na Nicarágua. Para Crews, essa política revela que, "para as elites e Washington, as populações de outros países são apenas instrumentos para alcançar seus interesses". Os idealizadores da Operação Ciclone nunca deram mostras de arrependimento. O ex-conselheiro Brzezinski deixou isso claro numa entrevista ao jornal francês "Le Nouvel Observateur". Quando perguntaram se ele se arrependia do apoio aos jihadistas, respondeu com outra pergunta: "O que é mais importante na história do mundo? O Talebã ou o colapso do império soviético?".