sexta-feira, outubro 20, 2017

20.000 USD

A Edição do semanário Canal de Moçambique desta semana (18 de outubro, 2017) traz na manchete uma notícia que me deixa agitado. Não que não tenha sabido antes, mas porque é verdade. Tão verdade que situações similares acontecem em outras empresas públicas. Trata-se de salários galácticos, que confundem a qualquer marciano. Então, cada administrador da Electricidade de Moçambique, Empresa Pública, ganha em média um milhão e duzentos mil meticais, ou seja, cerca de US$20 mil dólares. Nos meus cálculos, estes salários correspondem a quatro vezes ao salário do Presidente da República de Moçambique; oito vezes ao salário de um ministro da República de Moçambique, “n’” vezes ao salário da Presidente da Assembleia da República e respectivos deputados. Sem falar dos demais funcionários públicos como enfermeiros e professores. Isto está longe de uma bonança. É uma escandalosa maldição.
I
Não se trata de negar o direito ao salário aos administradores; aliás, não se trata de negar o direito de salário condigno aos moçambicanos. Trata-se sim de garantir alguma equidade. Não falei da igualdade. Vou tentar explicar a palavra equidade com dois exemplos: imaginem que duas pessoas, uma de estatura alta e outra baixa, compram bilhetes de ingresso de uma partida de futebol. Cada bilhete possui um número específico do assento. Sucede que o homem baixo calha justamente atrás do alto. Consequentemente, o homem alto estará a vedar a visibilidade do homem baixo. AGIR COM EQUIDADE significa trocar os lugares. Assim, o homem baixo passa para frente e o alto para trás para que os dois sejam capazes de ver a partida do futebol. O outro exemplo similar pode ocorrer em espetáculos, onde os baixinhos não podem ver o artista em virtude da sua estatura. Agir com equidade implicaria passar os baixinhos para frente e os altinhos para trás.  A empresa Electricidade de Moçambique não é empresa privada. É tutelada pelo Ministério de Energia e quejando. Ou seja, é um negócio do estado moçambicano. A HCB é negócio do estado moçambicano. A ENH é empresa/negócio moçambicano. A sua função é fazer negócio e ganhar dinheiro para o Estado Moçambicano. Portanto, o que temos é um conjunto de colaboradores tarefados com a missão de fazer negócio do estado. O figurino jurídico não deve perpassar esse ideal.
II
A Empresa Electricidade de Moçambique é uma devedora da HCB no valor que ronda uns 90 milhões de dólares americanos. Um pouco por todo país enfrenta problemas de vária ordem e está atrasada no que tange a electrificação rural. Sem falar da qualidade de energia!  Os administradores e demais funcionários de topo comportam-se como donos de uma empresa atípica, onde os accionistas confundem cinicamente receita com lucro e dividem mensalmente os “lucros” de acordo com as acções de cada um. Essa é uma forma camuflada de corrupção.
III
Os administradores da EDM, EP não são mais importantes que o Presidente da República. Eles não trabalham mais que um ministro; não são a melhor espécie de moçambicanos que os professores, enfermeiros ou guarda-fronteira, que entrega a sua vida em defesa da soberania territorial; os administradores da EDM não são os melhores filhos da pátria que os polícias, soldados ou funcionário público; Secretários-permanentes de vários ministérios ou distritos. Os administradores da EDM, mCel, ENH, INP e tantas outras empresas abastadas confundem a sua missão, ao se atribuírem salários INÍQUOS. Não estão vedados ao direito de ganharem balúrdios. Mas se quiserem que vão trabalhar para empresas privadas ou mesmo que sejam consultores.
IV
Recentemente o PR falou do combate da corrupção. Ora, a existência de “oásis sociais” como essas proporcionam uma corrida desenfreada a tachos, com todas as consequências dai advenientes. A propósito, como é que os ministros que tutelam esses ministérios aceitam salários tão altos assim? Contra que tipo de contrapartidas? Mesmo que as empresas fossem superavitárias, a missão da EDM não é dividir o superavit pelos administradores. A missão é meter dinheiro aos cofres do estado.  O dinheiro que diariamente o alfandegário conta e deposita na conta do estado não é dele nem é graças a ele que os cidadãos e empresários pagam os impostos. O trabalho dele é justamente esse: cobrar taxas. Igualmente, quando países, entidades e pessoas singulares pagam taxas de energia não é porque devemos aos administradores. Os administradores estão a fazer seu trabalho contra o qual devem ser pagos SALÁRIOS QUE A ECONOMIA PODE.  
V
Não há diferença entre a caixeira do Hospital Central, da Morgue de Machipanda ou do Cobrador das Alfândegas senão a susceptibilidade e o risco. Todos, no final do dia, cobram taxas pelos serviços. Similarmente, não há diferença entre o director de uma escola primária, director dos serviços notariais ou mesmo da distribuição da HCB senão o risco de exposição. Todos são funcionários ou agentes do Estado.
VI
A finalizar, os salários e benefícios auferidos pelo senhor Magala e seu grupo são antiéticos a todos títulos. Ofendem a moral pública e desencoraja qualquer tipo de engajamento anticorrupção dos demais. Assemelha-se a um atentado ao pudor público. A diferença entre um carteirista e o CA da EDM está no montante do saque. Exorto as entidades competentes para porem freio a este escândalo, aproveitando a revisão da lei de empresas públicas para parar com isso. Afinal, o que eles fazem de tão especial por cada dia do seu trabalho? Inventam o quê? São génios de onde? Nem a pessoa que inventou a penicilina ganhou tanto dinheiro assim por mês!
Vamos caminhar juntos. O país é pobre, acreditem.

(Dr.Egidio Vaz in facebook)

Assassinos económicos !!!

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Em Agosto do ano em curso, o Centro de Integridade Pública (CIP) denunciou más práticas no sector do turismo em Vilankulo, na província de Inhambane. De acordo com esta instituição de pesquisa, os empresários deste sector são implicados em esquemas onde pontificam a empresa de construção SHM e os complexos turísticos Águia Negra e Pescador. O CIP revelou que o sector contribui com apenas cinco porcento do total das receitas fiscais da província, principalmente, pelo facto de parte importante dos pagamentos pelos serviços serem efectuados fora do país. Quase dois meses depois, o empresário e operador turístico do distrito de Vilankulo, Yassin Amuji, vem a público reforçar estas denúncias, bem como acrescentar que naquele ponto do País há estâncias que foram construídas para depois serem completamente abandonadas. Esta prática leva Amuji a duvidar se o interesse destes investidores é dinamizar o sector ou simplesmente usar o turismo para o branqueamento de capitais. Outra hipótese levantada por Yassin Amuji é a possibilidade destes investidores pretenderem adormecer o sector do turismo em Vilankulo.
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“Não podemos excluir a possibilidade da penetração de assassinos económicos no nosso país. Ou seja, de pessoas que se fazem passar por investidores enquanto o seu real objectivo é adormecer o sector em benefício dos concorrentes a nível regional”, afirmou. Para o empresário, da mesma forma que Vilankulo foi considerado uma zona especial para o investimento no sector do turismo, pode haver quem esteja a procurar inviabilizar o crescimento o sector. Ainda de acordo com Amuji, nos últimos 17 anos, para além de não ter atingido o boom necessário, o sector naquele distrito ficou estagnado. Existem estâncias que parecem abandonadas e há crimes ambientais flagrantes como é o caso de um complexo construído à beira mar cujas águas das piscinas são drenadas para o mar. Trata-se de um local onde, curiosamente, as populações locais apanham amêijoas para o consumo e comercialização.
Imagem relacionadaPerante este cenário de desordem, Yassin Amuji lamenta o silêncio quase que ensurdecedor das autoridades locais. Nem o município, muito menos as autoridades ambientais aparecem para condenar e impor ordem no sector. Para este operador turístico é incompreensível que ate hoje haja lodges com contas bancárias fora do país. “Penso que aproximadamente 90% dos operadores turísticos de Vilankulo tem contas no exterior. Ou seja, os pagamentos são feitos no exterior o que facilita a fuga ao fisco”, acrescentou. Para Amuji, as autoridades devem proibir que as estancias tenham contas no exterior, bem como a hospedagem de páginas de internet foram do país.
“Veja que na Ponta de Ouro, província de Maputo, muitas estâncias tem as suas páginas de internet hospedadas na África do Sul e os contactos que lá constam são de operadoras sul-africanas. A mão dura do Estado deve pesar sobre estas práticas. Há muitas instituições ligadas ao turismo
que deviam agir mas não o fazem”, concluiu.

Elísio Muchanga

sexta-feira, outubro 06, 2017

Um dos pouquíssimos exemplos de meritocracia

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Nascido a 2 de Junho de 1973 no distrito de Monapo, Mahamudo Amurane muito cedo perdeu o seu pai, facto que teve implicações não só na vida pessoal, mas também nos estudos. Foi criado pelos irmãos mais velhos, uma vez que a sua progenitora não dispunha de condições financeiras. Concluiu o seu ensino primário na EPC de Marocane, actual Instituto Agrário de Ribáuè, na província de Nampula. Prosseguiu com os estudos no Centro Internato da Missão Católica de Iapala, onde foi acolhido pelos responsáveis da instituição porque não dispunha de meios, uma vez que os familiares viviam na cidade de Nampula. Praticamente desamparado lutou pela vida, ganhando algum dinheiro, o que permitiu concluir a 7a classe. Depois mudou-se para a cidade de Nampula, na boleia de um funcionário da Direcção Provincial de Saúde, o qual se simpatizou com o jovem, pois notou que estava sozinho sem condições financeiras para chegar à capital provincial. Naquele tempo, concluir a 7a classe era uma honra para a família. Mas Amurane não se conformou com isso. Continuou a estudar, desta feita no ensino secundário geral na antiga Escola Secundária 1º de Maio, que funcionava nas actuais instalações da Universidade Católica de Moçambique, em Nampula.
Imagem relacionadaFilho de um responsável de uma mesquita, designado sheik, era natural que ele também fosse da mesma religião. Quase todos os membros da sua família professam o islamismo. Por diversas vezes, Amurane foi abordado por um grupo de homens da religião cristã, os quais o convidaram a converter-se. Na ocasião, recusou e mostrou-se determinado apenas em continuar a estudar. Mais tarde, reflectiu e chegou à conclusão de que se tratava de uma chamada de Deus, razão pela qual se converteu ao cristianismo. A primeira igreja que frequentou foi a Assembleia de Deus. Mais tarde, preferiu a Igreja Católica. Amurane participou num programa de formação de técnicos de controlo de tráfego aéreo. Tendo sido o melhor aluno do grupo dos formandos, beneficiou de outro curso do mesmo ramo na cidade de Maputo. Entretanto, a sua irmã, Adelaide Amurane, que foi ministra para os Assuntos Parlamentares no Governo de Armando Guebuza e actualmente ocupa o cargo de ministra na Presidência para os Assuntos da Casa Civil, aconselhou-o a interromper a carreira, porque não havia nenhuma perspectiva em termos de progressão, tendo-lhe oferecido uma proposta de formação no Brasil por um período de 60 dias em matérias de capacitação de empresários de microempresas em contabilidade, administração e finanças. 
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Terminado o curso, regressou a Moçambique, onde esteve a trabalhar no Gabinete de Promoção de Emprego no Ministério do Trabalho como técnico de treinamento empresarial. Durante sensivelmente três anos foi amealhando algum dinheiro resultante do salário que ganhava. Não tinha despesas, porque morava na casa da sua irmã. Tempos depois, decidiu voltar ao Brasil para concorrer a uma bolsa de estudo oferecida pelo Governo brasileiro apenas com a isenção das propinas. Naquele país, não cruzou os braços, tendo continuado a trabalhar num projecto desempenhando as mesmas funções de técnico de treinamento e auferindo um salário mínimo de 300 dólares norte-americanos. O dinheiro era, ainda, insuficiente e arranjou outras alternativas de sobrevivência. Trabalhou em restaurantes e bares. Com muito sacrifício, conquistou a simpatia de alguns brasileiros, tendo obtido emprego em duas instituições, sendo o Banco Brasileiro como estagiário durante a noite e o Instituto de Previdência de Servidores Públicos.
Imagem relacionadaDepois dos estudos, teve muitas ofertas de trabalho naquele país latino-americano. Contudo, mostrou-se determinado a regressar a Moçambique, porque a sua formação envolveu muito sacrifício e precisava de voltar à sua terra. “Moçambique precisava mais de mim do que o Brasil”, confessou ao @Verdade pouco depois das eleições de 2013. Há quem diga que Deus o terá castigado, porque depois de recusar as ofertas no Brasil percorreu toda a cidade de Maputo de lés a lés à procura de emprego. Mais tarde, arranjou um emprego na Medis Famaceutica Limitada como coordenador administrativo e financeiro. Foi aí onde tomou a iniciativa de ter a sua própria farmácia, porque descobriu que o negócio de medicamentos gerava muito dinheiro. Além disso, não estava satisfeito com as suas funções, pois sentia-se pouco valorizado e a rotina do trabalho era estática. O seu trabalho limitava-se a controlar o armazém, incluindo todo o processo de vendas. Em 2000, abandonou o seu posto de trabalho e foi leccionar no Instituto Médio da Administração Pública em Maputo. No ano seguinte, começou a trabalhar como docente do Instituto Politécnico Universitário, na cidade de Quelimane, onde assinou outro contrato de trabalho como assessor da administração e gestão na Direcção Provincial de Saúde da Zambézia, através do Fundo Europeu para o Desenvolvimento. 
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Em 2003, conseguiu uma vaga como docente na Universidade Mussa Bin Bique no período pós-laboral. Durante o dia, desempenhava as funções de assessor de administração e gestão na Direcção Provincial de Saúde de Nampula. No ano seguinte, recebe um convite para assessorar a Direcção Provincial de Saúde de Cabo Delgado na área de administração e gestão.O contrato foi celebrado a curto prazo, tendo regressado a Nampula, onde continuou a dar aulas em gestão de projectos na Universidade Mussa Bin Bique. Já em 2006, recebeu uma proposta para o cargo de oficial de programas de Educação num projecto de uma ONG espanhola que, na altura, desenvolvia as suas actividades na província de Niassa. Há quem diga que Amurane foi um profissional (in)grato, mas a sua vontade foi sempre a de trabalhar assumindo cargos com funções dinâmicas.
Por isso, em 2007 integrou a equipa de trabalho da GIZ Pro Educação como assessor financeiro na província de Sofala. Em 2012, regressa à terra dos macuas para assumir as funções de consultor financeiro da UNICEF.Antes de ser eleito edil da chamada capital Norte, a 1 de Dezembro de 2013, trabalhava por conta própria num estabelecimento comercial denominado Farmácia Amurane, especializado na venda de produtos farmacêuticos e cosméticos, local onde sofreu o atentado.
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Resultado de imagem para mahamudo amuraneProcurando fazer jus a sua promessa, de ser um edil que ia imprimir uma nova dinâmica na governação da cidade de Nampula, e acreditando que “através do trabalho é possível mostrar que as coisas podem ser feitas de forma diferente e produzir resultados com efeitos de desenvolvimento” revelou em 2013.Contudo não se sujeitou aos caprichos do partido que o elegeu e em Agosto passado anunciou a sua desfiliação do terceiro maior partido do nosso País.  “Fui convencido para vir gerir o município e vou mostrar aos moçambicanos como são geridos os fundos do erário e o exemplo de boas práticas de gestão municipal. Vou continuar até ao fim do meu mandato, não estou aqui para defender interesses partidário ou de singulares, mas de todos moçambicanos", afirmou na altura.
Resultado de imagem para mahamudo amurane“A paz que hoje celebramos reveste-nos de esperanças (...), se todos nós nos apropriarmos da cultura da paz no convívio social e privilegiarmos sempre o diálogo na solução dos nossos problemas”, foram as última palavras em público por ocasião do Dia da Paz em Moçambique.

O edil, que participou nas cerimónias de celebração dos 25 anos do Acordo de Paz na praça dos heróis na cidade de Nampula, terá dispensado a sua segurança pessoal e dirigido-se à sua residência particular, no bairro de Namutequeliua, na zona conhecida por “quatro caminhos”, onde funciona uma Farmácia de que é proprietário.
Imagem relacionadaTestemunhas ouvidas pela Polícia da República de Moçambique(PRM) relataram que foram feitos três disparos, de uma arma de fogo do tipo pistola, “dois dos disparos atingiram a zona do tórax e uma das munições passou pela lateral e quando chegou ao hospital foi declarado óbito” precisou Inácio Dina, o porta-voz da corporação, à Televisão de Moçambique.Segundo o vereador de Mercados e Feiras no município de Nampula, Saide Ali, que acompanhava Amurane na altura do atentado o atirador, um indivíduo alto e escuro, chegou numa viatura ligeira, cerca das 18 horas, aproximou-se do edil que estava defronte da sua Farmácia em conversa com ele e alvejou-o.Mahamudo Amurane  deixa viúva e três filhos.

segunda-feira, outubro 02, 2017

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Num país normal devia ser normal posicionar-se criticamente sem ter de pedir desculpas a ninguém. O nosso país, infelizmente, não é normal. Há uma resistência à crítica que filtra o que se diz da pior maneira possível. Se você é da Frelimo e o seu partido é criticado, você faz da pessoa que critica o verdadeiro problema e chama-o de invejoso. Se você não é da Frelimo e os outros são criticados, você faz da pessoa que critica o verdadeiro problema e chama-o de lambe-botas e intelectual a soldo da Frelimo. Cansa, mas é o país que somos.

Nos últimos tempos tenho vindo a criticar algumas coisas na Frelimo e, em especial, na postura do seu chefe que tem sido tudo menos feliz e inspiradora de confiança no futuro. Não há nada de novo nessa minha postura. Mesmo o inimigo público número 1 do país, de quem me confessei fã, nunca escapou às minhas críticas. Sempre critiquei o seu discurso contra a pobreza; critiquei a prerrogativa que ele manteve de intervir nas universidades públicas que, no caso da UEM, levaram à reitoria dessa Universidade um indivíduo que foi destruir uma boa parte do que os seus predecessores tinham construído; sempre critiquei o esbanjamento de recursos públicos que as suas presidências abertas representaram e também critiquei a maneira como ele se propôs resolver o problema da instabilidade político-militar com amnistias que recompensaram o desprezo pela vida humana e pela constituição do Estado.

Ao contrário de muita gente que aparentemente critica por não gostar de fulano ou beltrano, ou deste ou daquele partido, eu critico com base em princípios políticos que considero importantes para a minha avaliação da situação do país. Não passo a vida apenas a distribuir “likes” aos “posts” que falam bem do partido ou dos políticos com os quais simpatizo, nem ando a compartilhar apenas textos daqueles que falam mal dos partidos e políticos com os quais não simpatizo. A crítica baseada em princípios constitui o ponto central da minha abordagem do político e disso não vou abdicar por muito que isso incomode as ovelhas disfarçadas de intelectuais que andam pelo facebook a envenenar o ambiente de debate. E, modéstia a parte, enquanto o tipo de postura que procuro manter na minha abordagem das coisas da nossa terra for coisa de minoria duvido que Moz avance à medida do seu potencial. De cada vez que aparece alguém aqui no meu mural a colocar o seu “like” a um “post” que critica a Frelimo e que essa pessoa o interpreta como “falar mal da Frelimo” porque é isso que essa pessoa sabe fazer; e de cada vez que alguém se exalta com a crítica porque essa mesma pessoa interpreta a crítica como “falar mal da Frelimo” simplesmente porque essa pessoa acha que só se deve falar mal dos outros, fico mais desiludido ainda com a qualidade das nossas abordagens.

O maior e mais importante partido do país, aquele que reúne talvez o maior número das melhores cabeças da nossa terra, realizou uma das maiores farsas políticas de que há memória no país a qual chamou de Congresso. Persistiu na confusão entre partido e estado – uma das razões por detrás da vulnerabilidade do Governo à chantagem da Renamo – reduziu a unidade à unanimidade, continuou a preferir slógans vazios à reflexão estratégica profunda e intronizou a aclamação no lugar do debate crítico, honesto e reflectido dos assuntos. Como nos velhos tempos da Frelimo gloriosa transformou-se o Congresso num momento de festa que celebrou a complacência, estimulou o oportunismo como qualidade importante para se ser membro e relegou o país à condição de apêndice da vontade de indivíduos ruidosos, disciplinados e dóceis. Confundiu a capacidade de cumprir com uma boa parte dos seus estatutos com “democracia interna” e contentou-se com gestos como manifestação de vontade política.

Seis pessoas salvaram a honra da Frelimo neste Congresso. Os cinco que votaram em branco e o que teve voto nulo no plebiscito que se fez para a presidência do partido – e que as ovelhas ruidosas insistem em chamar de “eleição”. Como se pode ver, muito pouco para inspirar confiança. É claro que não sei quais foram as motivações destas pessoas, se calhar nem perceberam o que tinham sido chamadas a fazer. Mas esses seis votos deviam envergonhar a todas as pessoas de bem que militam no partido, têm dúvidas em relação à maneira como as coisas são feitas, têm ideias alternativas, mas por excesso de fidelidade, ou falta de coragem, preferiram trocar a sua consciência e juntar o seu “sim” à manada. Os quase 100% que o presidente obteve não documentam a coesão da Frelimo. Não podem. Documentam uma unanimidade doentia que só pode fazer mal ao país. Documentam uma estrutura interna rígida que é hostil à reflexão crítica. Todo o resultado que vai para além dos 80% - e estou a ser generoso – revela um partido com pouca democracia interna, com pouco sentido crítico e com pouca coragem.

Este Congresso incomoda-me por duas razões. A primeira, e principal, é que revelou que o partido mais importante do país, aquele que tem o mandato para governar, não só não faz a minima ideia dos problemas do país como também não tem imaginação suficiente para se pôr à procura dessas ideias. Desde o discurso de abertura – um desastre autêntico – até ao programa – uma afronta à inteligência dos moçambicanos – o nível foi consistentemente baixo. O lema “unidade, paz e desenvolvimento” não podia ter sido mais inócuo. Ficou pouco claro para mim se é o instrumento da Frelimo para fazer um Moçambique melhor, ou se o Moçambique melhor é aquele que assenta nessas três coisas. Sabendo das grandes cabeças que a Frelimo tem no seu seio, fico sinceramente atónito que as coisas tenham ficado por aqui. Suponho que seja a “democracia interna” em acção...

A segunda razão tem a ver com um “déjà vu”. Lembra muito o segundo mandato de Guebuza quando o “poder da Frelimo” apertou o cerco ao presidente usando o triunfalismo típico de sistemas autoritários para promover uma imagem de si e do país que era apenas função do oportunismo de alguns. A história repete-se. Está-se a transformar Nyusi num indivíduo infalível e todo-poderoso. E o pior é que ele também começa a acreditar nisso. Daí a pensar que os assuntos do país sejam melhor discutidos por um grupinho de pessoas à revelia não só do público como também do seu próprio partido é apenas um passo. Desse passo a ter um contexto político em que decisões importantes são tomadas sem respeito ao conselho técnico – porque se este for contrário vai ser visto como afronta, insubordinação ou simplesmente contestação do partido – não há uma grande distância. Olá dívidas ocultas...

A Frelimo é um grande partido, mas é cada vez mais vítima da sua própria complacência. Tem muita gente no seu seio que se comporta como a torcida duma equipa de futebol que por ter mais meios financeiros domina o campeonato nacional. Confunde vantagem estrutural com capacidade. Eu sou apenas simpatizante, por isso estou-me nas tintas para a sua sorte. Mas tratando-se do partido que domina os destinos do país, preocupa-me esta complacência. Alguém dentro da Frelimo tem que ter a coragem de bater com o punho na mesa e despertar os outros da sua complacência letárgica. Isso passa por reflectir seriamente sobre três desafios fundamentais.

Primeiro, política não se faz ao nível da solução de problemas circunstanciais. Faz-se ao nível da identificação de problemas estruturais que estão na origem de todo um conjunto de problemas circunstanciais. Mesmo que a pseudo-intelectualidade nacional fique feliz da vida quando se declara a corrupção como principal problema, ela não é. O problema é a intransparência institucional para a qual a confusão entre partido e estado contribui. O melhor documento de compromisso com o combate à corrupção teria sido um debate sério sobre como o partido pretende abordar o problema da intransparência institucional.

Segundo, e ao contrário do que muitos pensam, o problema da Frelimo não é ter muitos bajuladores no seu seio. O problema é de se atribuir mais importância à lealdade/fidelidade ao partido do que à reflexão crítica. Quando um presidente por enquanto sem obra visível é confirmado no cargo com percentagens norte-coreanas é mais do que certo que uma boa percentagem dos delegados não está a ser honesta consigo própria e com a sua consciência. Unanimidade não é coesão. É conformismo e seguidismo.

Terceiro, o autismo partidário que leva muitos militantes da Frelimo a partirem do princípio de que enquanto a Frelimo estiver bem o país também está bem compromete o partido com uma representação surreal do país. Uma representação nesses moldes nunca vai ser uma boa base para a formulação de políticas coerentese exequíveis.


É muito deprimente que possivelmente só seis delegados tenham visto que estavam no filme errado. E reagido. Unanimidade, harmonia e litanias é coisa de seitas religiosas, não dum partido político. O país ficou órfão na Matola. (Por Dr.Elisio Macamo (sociologoin facebook)