O antropólogo e economista franco-senegalês Tidiane
N'Diaye considera que o tráfico de escravos árabo-muçulmano, realizado durante
quase mil anos, ainda não foi reconhecido em toda a dimensão.
A sua introdução ao ensaio “O Genocídio Ocultado” é muito
violenta. Pode dizer-se que a escravatura arábo-muçulmana foi a mais dura?
É preciso reconhecer que as implosões pré-coloniais
inauguradas pelos árabes destroem sem dúvida os povos africanos, que não
tiveram um intervalo desde a sua chegada. Como mostra a História, os
árabes-muçulmanos estão na origem da calamidade que foi o tráfico e a
escravatura, que praticaram do século VII ao século XX. E do sétimo ao décimo
sexto século, durante quase mil anos, eles foram os únicos a praticar este
comércio miserável, deportando quase 10 milhões de africanos, antes da entrada
na cena dos europeus. A penetração árabe no continente negro iniciou a era das
devastações permanentes de aldeias e as terríveis guerras santas realizadas pelos
convertidos, a fim de obter escravos de vizinhos que eram considerados pagãos.
Quando isso não era suficiente, invadiram outros alegados “irmãos muçulmanos” e
confiscaram os seu bens. Sob este acordo árabe-muçulmano, os povos africanos
foram raptados e mantidos reféns permanentemente.
A recente islamização dos povos africanos excluiu as práticas de
escravidão?
O Islão só permite a escravização de não-muçulmanos. Mas
em relação aos negros, os árabes utilizaram os textos eruditos como os de
Al-Dimeshkri: “Nenhuma lei divina lhes foi revelada. Nenhum profeta foi
mostrado em sua casa. Também são incapazes de conceber as noções de comando e
de proibição, desejo e de abstinência. Tem uma mentalidade próxima da dos
animais. A submissão dos povos do Sudão aos seus chefes e reis deve-se
unicamente às leis e regulamentos que lhes são impostos da mesma maneira que
aos animais.”
Considera existir um “desprezo dos árabes pelos negros no Darfur”.
Mantém-se até à actualidade?
Sim. No inconsciente dos magrebinos, esta história deixou
tantos vestígios que, para eles, um “negro” continua sendo um escravo. Eles nem
podem conceber que os negros estejam entre eles. Basta ver o que está a
acontecer na Mauritânia ou no Mali, onde os tuaregues do norte jamais aceitarão
o poder negro. Os descendentes dos carrascos, como os das vítimas, tornaram-se
solidários por motivos religiosos. Mas existem mercados de escravos na Líbia!
Somente o debate permitirá superar essa situação. Recorde-se que em França,
durante o comércio de escravos e a escravatura, havia filósofos do Iluminismo,
como o Abade Gregório ou mesmo Montesquieu, que defendiam os negros, enquanto
no mundo árabo-muçulmano os intelectuais mais respeitados, como Ibn Khaldun,
também eram obscurantistas e afirmavam que os negros eram animais. Nenhum
intelectual do Magrebe levantou a voz para defender a causa dos negros. É por
esta razão que este genocídio assumiu tal magnitude e continua. No Líbano, na
Síria, na Arábia Saudita, os trabalhadores domésticos africanos vivem em condições
de escravatura. A divisão racial ainda é real em África.
Quando se fala de genocídio, o holocausto surge logo. Pode-se
fazer comparações, apesar da duração temporal, com a do tráfico negreiro árabe?
Desde o início do comércio oriental de escravos que os
muçulmanos árabes decidiram castrar os negros, para evitar que se
reproduzissem. Esses infelizes foram submetidos a terríveis situações, para
evitar que se integrassem e implantassem uma descendência nesta região do
mundo. Sobre esse assunto, os comentários de uma rara brutalidade das “Mil e
Uma Noites” testemunham o tratamento terrível que os árabes reservavam aos
cativos africanos nas suas sociedades esclavagistas, cruéis e depreciativas
particularmente para os negros. A castração total, a dos eunucos, era uma
operação extremamente perigosa. Quando realizada em adultos, matou entre 75% e
80% dos que a ela foram sujeitos. A taxa de mortalidade só foi menor nas
crianças que eram castradas de forma sistemática. Mas 30% a 40% das crianças
não sobreviveram à castração total. Hoje, a grande maioria dos descendentes dos
escravos africanos são na verdade mestiços, nascidos de mulheres deportadas
para haréns. Apenas 20% são negros. Essa é a diferença com o comércio
transatlântico.
Afirma que o tráfico negreiro transatlântico foi menos
devastador que o comércio árabo-muçulmano. O que os diferencia?
Eu só falo de genocídio para descrever o comércio de
escravos transaariano e oriental. O comércio transatlântico, praticado por
ocidentais, não pode ser comparado ao genocídio. A vontade de exterminar um
povo não foi provada. Porque um escravo, mesmo em condições extremamente más,
tinha um valor de mercado para o dono que o desejava produtivo e com
longevidade. Para 9 a 11 milhões de deportados durante essa época, existem hoje
70 milhões de descendentes. O comércio árabo-muçulmano de escravos deportou 17
milhões de pessoas que tiveram apenas 1 milhão de descendentes, por causa da
maciça castração praticada durante quase catorze séculos.
Pode dizer-se que os árabes são os “inventores” da escravatura
tal como a definimos hoje?
Na verdade, foi o Império Romano quem mais praticou a
escravidão. Estima-se que, em determinada altura, quase 30% da população do
império era escrava. Quanto à África, deve-se notar que, enquanto a propriedade
privada não existia, as pessoas funcionariam em cooperativa. Quando a
propriedade privada cresceu, eram precisos mais braços para trabalhar. Foi
então que os conflitos começaram e cresceram e os vencidos foram então
reduzidos à escravidão. Estima-se que, no século XIX, 14 milhões de africanos
estavam escravizados. A escravatura interna existia antes e durante o tráfico
árabo-muçulmano e transatlântico. Foram os árabes muçulmanos que começaram o
tráfico de escravos em grande escala. Como Fernand Braudel apontou, o tráfico
de escravos não foi uma invenção diabólica da Europa. São os muçulmanos árabes
que estão na origem e o praticaram em grande escala. Se o tráfico atlântico
durou de 1660 a 1790, os muçulmanos árabes atacaram os negros do sétimo ao
vigésimo século e foram os únicos a praticar o tráfico de escravos.
Acusa o mundo árabe-muçulmano de fazer um genocídio
meticulosamente preparado. É uma questão de que não se fala porquê?
Este é realmente um pacto virtual selado entre os
descendentes das vítimas e os algozes, que resulta em negação. Este pacto é
virtual, mas a conspiração é muito real. Porque neste tipo de “Síndrome de
Estocolmo ao estilo africano”, em que tudo se coloca sobre as costas do
Ocidente. É como se os descendentes das vítimas tenham decidido nada dizer. Que
os estudiosos e outros intelectuais árabes-muçulmanos tentassem fazer
desaparecer essa realidade até ser uma mera lembrança dessa infâmia, como se
nunca tivesse existido, até pode ser compreendido. No entanto, é difícil
perceber a atitude de muitos cientistas - e mesmo de afro-americanos que se
convertem cada vez mais ao Islão -, pois é uma espécie de auto-censura. É por
isso que decidi publicar este livro, uma tentativa para quebrar o silêncio,
porque a História e Antropologia não estão ao nível de uma crença religiosa ou
de uma ideologia, mas de factos provados que não podemos esconder para sempre.
Como vê o papel de Portugal nesse tráfico transatlântico?
Os portugueses tinham acidentalmente capturado um nobre
mouro Adahu, em 1441. Este último ofereceu-se para comprar a sua liberdade em
troca de seis escravos negros e isso ocorreu em 1443. Depois disso, Dinis Dias
desembarcou no Senegal e trouxe para Lagos quatro cativos, situação que marca o
início do tráfico sistemático. Os portugueses foram, assim, os primeiros a
importar escravos para o trabalho agrícola. Eles transportavam entre 700 e 800
cativos por ano, desde os postos comerciais e fortes na costa africana. Os
pioneiros neste tráfego foi Gonçalves Lançarote, em 1444. Em seguida, foi a vez
do navegador Tristão Nunes comprar aos mouros, um número significativo de
cativos africanos, para aumentar o seu número em São Tomé e Portugal. Em 1552,
10% da população de Lisboa consistia de escravos mouros ou negros. Aqui também
há um trabalho de memória a ser feito...
A colonização europeia de África suavizou a anterior crueldade
sobre os povos do continente ou manteve-a?
Se essa colonização pudesse ter um rosto, seria aquele
que está na origem de dramas inesquecíveis. Depois dos compromissos históricos
dos pensadores iluministas com ideias racistas, desde meados do século XIX que
também há teorias que se infiltraram nas cabeças de um grande número de
intelectuais, como a do racismo científico. Se no início das conquistas, os
ingleses apresentavam a superioridade científica e técnica da sua civilização
sobre a dos povos “atrasados”, em seguida procuraram uma “justificativa racial”
para fazer a colonização. Sociólogos e cientistas britânicos decidiram elevar
essa manobra ao apresentar os povos negros como sendo “seres vivos, semelhantes
aos animais”.
E foram inspirados por uma das referências científicas da época,
Charles Darwin, que concluiu o seu trabalho da seguinte forma: “O homem subiu
da condição de grande macaco para o homem civilizado, passando pelas fases do
homem primitivo e do homem selvagem. O melhor grau de evolução foi alcançado
pelo homem branco.” Todas essas construções levaram a calamidades como a do
apartheid.
0 comments:
Enviar um comentário