sábado, julho 11, 2020

Armados para as eventualidades.


A pretexto de revisitar à história em volta da Constituição de 1990, que em Novembro de 2020 completa 30 anos, o SAVANA foi conversar com Teodato Hunguana, um antigo ministro da Justiça (1978-1983), de Informação (1986- 1991) e Trabalho (1991-1994), nos governos de Samora Machel e Joaquim Chissano.

Decorre o processo do DDR, que deve terminar em Junho de 2021. O Dr Teodato foi um actor activo no processo de Roma. Como é que olha para este processo que está a decorrer agora. Tem tudo para dar certo?
TH~     Não sei. Mas estamos todos a acompanhar as declarações do Presidente da Renamo Ossufo Momade e não há dúvidas de que o seu optimismo, vindo de quem vem, é um bom sinal. Os acordos de paz, alguns chamam- -se definitivos, mas não é pela designação que tudo corre bem. O acordo de Roma era para ser definitivo, não era para ser provisório. Os acordos que tem sido firmados tem a intenção de ser definitivos. A pergunta que se coloca é se tem essa intenção, porque falham? Posso falar do passado, para dizer que se falhou na questão principal, no pressuposto basilar de uma paz que se quer definitiva: a reconciliação. Nós não conseguimos fazer a reconciliação após o acordo de Roma, durante a sua implementação, e depois, ao longo dos últimos 25 anos. Como não conseguimos, ficamos todos armados para as eventualidades. 
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Para não se ficar armado em prevenção de uma eventualidade é preciso estarmos em paz e, para estarmos em paz, é preciso estarmos reconciliados. Nós não estivemos reconciliados. Naturalmente que as sementes estão lá. Se há armas escondidas, isso é instrumental. Se houver de facto uma paz sólida, as armadas escondidas acabam por ficar obsoletas. Portanto, o que tem falhado é a reconciliação. Os graus de intolerância são elevados com consequências dramáticas e isso não é caminho para paz. O processo de DDR depende disso: a reconciliação. Tecnicamente pode ser bem sucedido este processo. Mas isso não é tudo, ainda. Se a intolerância continuar, as mesmas e outras pessoas vão regressar a guerra. E afinal porque não nos reconciliamos? Quais são os interesses que nos dividem como povo? ou haverá interesses, que não são interesses nacionais( da maneira como os define Jacinto Veloso) ou interesses do povo, que de facto podem estar a alimentar a intolerância. Vivemos sempre em guerra. Será que somos belicistas por natureza?

Cabo Delgado está ai…
TH~         Isso é terrível. Precisamente porque nós não nos reconciliámos, não consolidámos o Estado, não consolidámos a nossa convivência. A reconciliação não diz respeito apenas à Frelimo e à Renamo. Diz respeito a isso e a muito mais. Diz respeito a todos nós do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Índico. É a questão da Unidade Nacional de novo em causa porque não está completamente resolvida, definitivamente consolidada. Então as brechas estão aí. Quem é que aproveita, quem faz o quê? É invasão estrangeira? Então como é que ela encontra condições? Exactamente, quando não há reconciliação haverá muitas brechas susceptíveis de aproveitamentos e que podem alimentar o que chamamos agora de insurgências. 
Os novos deslocados de guerra
O que se está a passar em Cabo Delgado, nós não podemos viver como se fosse uma coisa que se passa lá longe…como se costuma dizer «em alguns distritos do norte de Cabo Delgado». Porque ameaça o âmago da nação. Porque isso coloca-nos em perigo de desagregação. Se nós não extirparmos este fenómeno ele não ficará apenas em Cabo Delgado. Irá para Niassa, Nampula, em todo lado, como bem alertou o Presidente Chissano recentemente. Desagregação é a semente que se está a lançar em Cabo Delgado, e essa é a gravidade e a perigosidade que vejo na situação de Cabo Delgado. Para além do aspecto brutal, desumano, genocida, que é próprio do terrorismo. A velocidade e o grau de organização que estão a demonstrar é terrível. Por isso não estamos tão longe de Cabo Delgado ou Cabo Delgado não está tão longe de Maputo. É extremamente doloroso e preocupante o que estamos a viver.

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