sábado, julho 11, 2020

Os mitos sobre os quais 3


Risco de explosão social e de guerra - Rede Angola - Notícias ...Luís de Brito, um dos mais proeminentes académicos do país, colocou na prateleira o seu mais recente livro. Um livro que transcende o politicamente correcto. “A Frelimo, o Marxismo e a Construção do Estado Nacional 1962-1983” não é apenas uma análise histórica necessária para compreender o processo moçambicano.
“Lutas de poder” é também uma das passagens significativas do livro. Nele, o autor começa por lembrar que, desde a criação da Frelimo até Abril de 1970, a liderança do movimento foi abalada por uma sucessão de conflitos internos, durante os quais os intelectuais de inspiração marxista, na sua maioria do sul, afastaram os membros da liderança e vários outros quadros que se lhes opunham.

“Como isso foi possível, em que condições as divergências se resolveram a favor dos intelectuais do sul, sendo que o campo de acção da Frelimo se limitava quase, exclusivamente, às regiões do norte e uma parte do centro do país e que os quadros afastados eram oriundos, precisamente, destas regiões?”, eis o ponto de partida do autor.

Moçambique Terra Queimada: Lázaro Kavandame e o nacionalismo macondePara Luís de Brito, uma análise simples em termos de “crise” e de “linha justa”, isto é, a argumentação sobre duas linhas ideológicas que se confrontavam dentro da liderança suprema da Frelimo, uma revolucionária e popular e outra oportunista, baseada no tribalismo, racismo e ambição, portanto, contra-revolucionária, não permite compreender o resultado do conflito em favor dos intelectuais de inspiração marxista. Pelo contrário, está no centro do esforço de legitimação da hegemonia do grupo dirigente da Frelimo e do seu projecto de “construção do socialismo”.
Moçambique para todos: URIAS SIMANGO, HERÓI NACIONAL Da mesma forma que a explicação em termos de conflito entre grupos com trajectórias sociais e culturais opostas - assimilados, mestiços e brancos (funcionários e estudantes) das cidades e especialmente do sul, contra pequenos comerciantes e elites rurais, especialmente do norte - não reflecte, totalmente, as divisões, realmente, existentes dentro da Frelimo, ainda que o autor reconheça que os defensores da orientação marxista se opuseram aos representantes de uma camada de pequenos comerciantes organizados em torno de Lázaro Nkavandame,- na foto da esquerda – na altura um influente Makonde em Cabo Delgado - e entraram em contradição com os grandes chefes tradicionais e outros notáveis, nomeadamente, no Niassa, mas também se opuseram aos intelectuais e urbanos originários da região central do país, dos quais o mais prestigiado era o próprio vice-presidente da Frelimo, Uria Simango - foto direita - . De acordo com De Brito, a linha de ruptura entre o grupo “sulista” e os demais, quer se trate do grupo de Nkavandame, dos urbanos do centro, ou dos chefes tradicionais, situa-se na sua relação com o aparelho military que se foi constituindo como uma força a partir de 1964. 
“É através do exército que os intelectuais do sul conseguem impor a sua orientação a todo o movimento”, precisa, sublinhando que o exército estava no centro das estratégias de poder dentro da Frelimo e o control do aparelho militar e a definição do papel do exército dentro da organização eram as questões mais importantes no confronto entre as diferentes facções da liderança política.

MHN: Josina MachelAmina Tabane diz ser preciso imortalizar Eduardo MondlaneAssim, os intelectuais do sul formam um grupo cujos dois principais representantes, Eduardo Mondlane e Marcelino dos Santos - foto esquerda -  têm um prestígio considerável, tanto no meio nacionalista de Maputo, como a nível internacional, ocupando desde a criação da Frelimo os postos de presidente e secretário para as Relações Exteriores, respectivamente. 
À volta destes dois homens foi-se formando, gradualmente, um grupo composto, principalmente, por jovens estudantes ( Joaquim Chissano - foto na esquerda na frente de combate - , Mariano Matsinha, Pascoal Mocumbi, Filipe Samuel Magaia, Armando Guebuza, Josina Muthemba - foto direita - , Jorge Rebelo - foto esquerda colorida - , Óscar Monteiro, Sérgio Vieira, que aderiram à Frelimo entre 1962 e 1965). 
Centro de Pesquisa da História da Luta de Libertação Nacional ...Public debt scandal could split Frelimo – Jorge Rebelo | Club of ...“Tendo uma formação académica superior à média, estes jovens foram, rapidamente, levados, através de um processo de cooptação, a ocupar cargos de responsabilidade no aparelho da Frelimo, como secretários ou secretários adjuntos dos diferentes departamentos. Assim, eles não só controlam o nível executivo, mas formam, igualmente, o núcleo do comité central (…)”, afirma.
A cooptação dos jovens intelectuais do sul para as posições «burocráticas» colocava-os, automaticamente, no topo da direcção política do movimento. “A sua posição no Comité Central (CC), a coesão do grupo e a sua formação de inspiração marxista explicam que as resoluções deste órgão tenham sempre confirmado a orientação «político-militar» que propunham”, avança. Mas tal não significa que as decisões tomadas pelo CC fossem, facilmente, implementadas no terreno.
Filipe Magaia: Pillar of Frelimo | The HeraldMariano Matsinha, um dos negociadores moçambicanos do acordo de ...“De facto, não tinham grande capacidade para assegurar a implementação das decisões no interior do país, pois não controlavam a rede política interna”, revela. Teoricamente, esta rede estava sob a autoridade do secretário do Departamento de Organização do Interior (DOI), cargo para que foi nomeado em 1966, Mariano Matsinh - foto esquerda ~ a (ex-NESAM- Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique). Mas, na realidade, a organização no interior estava nas mãos de notáveis locais. “Em contrapartida, os sulistas controlavam o aparelho militar, cuja formação tinham dirigido desde o início”, narra.
Após a morte de Filipe Magaia,~foto direita -  secretário do Departamento de Defesa, isto é, chefe do exército, em 1966, este posto foi atribuído a Samora Machel. Alguns viram nisso uma conspiração dos sulistas, pois o sucessor lógico de Magaia teria sido o seu adjunto, Casal Ribeiro, mas a este último – que não era do sul – foi atribuída apenas a posição de comissário Político do exército, 
Artesãos da Nossa Pátria: Makonde Blackwood Sculptors ...ficando assim, hierarquicamente, sujeito à autoridade de Samora Machel - foto esquerda -  que, no ano seguinte, empreendeu reorganização do exército, processo que permitiu que toda a cadeia de comando ficasse submetida, até à base, ao controlo daqueles que tinham grande dificuldade em fazer com que os líderes da rede política partilhassem o seu projecto. Segundo o estudioso, o exército, reorganizado, se tornou a principal força do movimento nas vésperas do 2º Congresso (1968) e constituiu o verdadeiro fundamento do poder do grupo sulista. A orientação que os «político-militares » queriam dar ao movimento provocou reacções. Inicialmente, a ofensiva foi liderada por Nkavandame que, segundo De Brito, tinha um poder real dentro da Frelimo, já que na sua qualidade de secretário da província de Cabo Delgado (precisamente o teatro de guerra mais importante), dirigia o aparelho politico interior e dispunha mesmo de uma força de milícia.

A imagem pode conter: 3 pessoas, texto“Um bom número de chairmen estavam do seu lado e defendiam a sua posição sobre o papel do exército, que, segundo ele, não se devia envolver nas questões de ordem política”, faz notar o autor.
Paulo Samuel kankhomba / Heróis Moçambicanos / Galeria / Início ...Ao mesmo tempo, Nkavandame, juntamente, com outros membros do CC, fazia pressão para a realização urgente do 2º Congresso, em território da Tanzânia e sem a participação dos militares. Mas o Congresso de Julho de 1968 acabou por se realizar em Madjedje, “zona libertada” do Niassa, com a participação de representantes militares e civis de cada província. 
Segundo a fonte, a violência que caracterizou este período, como a morte de Mateus Muthemba e o assassinato de Paulo Kankhomba - foto direita - , vice-chefe de operações, mostra bem a importância do conflito: não só o CC tinha, finalmente, decidido que o Congresso seria realizado nas “zonas libertadas”, mas também tinha decidido que a delegação de cada província seria composta por nove representantes militares e oito civis, o que deixava pouco campo para ilusões quanto a um resultado favorável ao grupo sulista.
Marechal Samora Machel - Posts | FacebookLázaro Nkavandame e alguns dos seus chairmen decidiram boicotar o Congresso e recusaram-se a participar. A situação ia de mal a pior. Nkavandame viria, então, a ser implicado no assassinato de Kankhomba, com a Frelimo a pedir aos responsáveis do governo da Tanzânia que os culpados lhe fossem entregues para serem levados para o interior de Cabo Delgado, onde “o povo faria justiça”.
Com o afastamento de opositores, estava, então, aberto o caminho para a radicalização em curso no movimento até que os “político-militares” asseguraram a sua supremacia. Com o assassinato do presidente Eduardo Mondlane, a 3 de Fevereiro de 1969, Uria Simango, que, enquanto vice estava na linha de sucessão, ficava em minoria numa troika dominada por Marcelino dos Santos e Samora Machel  ~Primeiro Presidente da Republica Popular de Moçambique 19175 ~ ..

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