sábado, maio 21, 2011

Perigo deixar ao legislador ordinário matérias "sensíveis"

Jornalistas e académicos moçambicanos consideram que a revisão da actual Constituição da República, proposta pelo partido no poder, a Frelimo, constitui uma oportunidades para o alargamento e salvaguarda dos direitos fundamentais e da liberdade de imprensa no país.Eles entendem que a questão do direito de acesso à informação, que muito preocupa os profissionais da comunicação social, poderá ser resolvida com a revisão da actual Constituição, uma vez que a proposta de lei submetida em 2005 não foi agendada e nem sequer se sabe quando a mesma terá o respectivo tratamento naquele órgão legislativo.Estes pronunciamentos foram feitos em Maputo, durante a conferência nacional de sobre o “Direito à informação e revisão constitucional: oportunidades de desafios”, organizada pelo capitulo moçambicano do Instituto de Comunicação Social da Africa Austral (MISA-Moçambique), por ocasião do dia da liberdade de imprensa celebrado recentemente.Em Moçambique, as leis são muito genéricas e vagas, o que abre espaço para interpretações de acordo com a perspectiva e pretensão de cada um.Por outro lado, a Constituição da República, remete os vários direitos fundamentais a lei especifica, criando um vazio, sobretudo quando tais leis não existem.Alguns desses casos são o direito de acesso à informação, que é uma garantia que assegura o direito dos cidadãos à informação, a questão do direito à réplica política, entre outros assuntos, que estão estatuídos na constituição, mas remetida a sua aplicabilidade à lei específica.Segundo o docente e investigador da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, Paulo Comuane, no que refere ao acesso à informação, a revisão da Constituição abre espaço para a clarificação das circunstancia em que há obrigatoriedade das entidades públicas e privadas de darem informação aos jornalistas e ao público.Outro aspecto determinante para o exercício do direito à informação, sobretudo quando se trata dos profissionais desta área, é o sigilo profissional ou protecção das fontes de informação. Para Comoane, “é necessário que a lei defina qual a natureza deste direito. Poderá haver alguma circunstância em que o Jornalista pode ser obrigado a divulgar a sua fonte? Em que circunstancias e quem pode determinar essa obrigatoriedade? Isto porque, apesar de estar previsto na constituição o direito de protecção das fontes, muitas vezes os jornalistas são obrigados a revelar as fontes das suas informações e há que clarificar em que situações isso pode ocorrer”.Por seu turno, Salomão Moyane, director do semanário privado Magazine Independente, defendeu que a Constituição deve ser clara quanto a aplicabilidade dos direitos fundamentais e mandar aplicar tais direitos e não remeter ao legislador ordinário.Segundo Moyana, o perigo que existe em deixar para o legislador ordinário matérias fundamentais é de o que está estatuído na constituição não ser cumprido ou ser aplicado de forma contrária ao pretendido pelo legislador constituinte.Por exemplo, enquanto a Constituição estatui no numero 5 do artigo 48, que o Estado garante a isenção dos meios de comunicação social do sector público, bem como a independência dos jornalistas perante o Governo, a administração e os demais poderes políticos, o legislador ordinário, através da lei 17/91, Lei das Empresas Públicas, manda o Governo nomear os PCAs das empresas públicas de comunicação social e os ministros de pelouro a nomear os demais membros do conselho de administração, inviabilizando, desse modo, a aspiração do legislador constituinte.“Por outro lado, o legislador constituinte advoga a independência dos jornalistas do sector público perante o governo, a administração e os demais poderes políticos, mas, por seu turno, o legislador ordinário deixa os mesmos jornalistas à mercê das interferências diárias, precisamente, por parte das entidades que o legislador constituinte quis proibir”, explicou.No que refere à revisão da constituição, Moyana defendeu que “pensamos que, havendo pressão suficiente sobre os órgãos de revisão constitucional e existindo vontade democrática suficiente por parte desses órgãos, é possível incorporar no texto fundamental da Constituição o conteúdo básico da almejada lei de acesso à informação, encurtando, deste modo, a margem de manobra para o legislador ordinário sobre matéria tão decisiva, a construção democrática da nação moçambicana”.Para Ericíno de Salema, jornalista e pesquisador, neste momento a exercer as funções de director do programa de acesso à informação no Íbis, organização não governamental dinamarquesa, a revisão da constituição pode ser uma oportunidade “excelente” de o país ver os direitos fundamentais transformados em direitos fundamentalíssimos, o que sucede quando a lei fundamental se basta a si mesma.“A revisão em si pode, se os deputados da bancada maioritária agirem como reais defensores do interesse público, constituir uma oportunidade para a efectivação imediata dos direitos fundamentais, incluindo aqui a liberdade de expressão e direito à informação. Com um arranjo visando a sua efectivação imediata, a Constituição da República bastaria a ela própria, o que significa que deixaria de ser relevante a existência de uma lei específica sobre o direito à informação”, defendeu.Por sua vez, Tomas Vieira Maria, coordenador do Instituto Planos da Africa Austral, defendeu que a revisão da constituição constitui uma oportunidade para que se clarifiquem os aspectos relativos ao segredo de Estado.É que, muitas vezes, o acesso à informação é vedado aos jornalistas em nome do segredo de Estado. Entretanto, não se sabe exactamente que informação constitui ou deve constituir segredo de Estado.A lei sobre o segredo de Estado, de 1979, está desactualizada, mas, apesar disso, ela é utilizada como escudo para a não disponibilização da informação.“Não há clareza sobre o que é informação classificada (segredo de Estado) e sequer quem classifica tal informação. A questão cultural, de reter a informação deve ser mudada. Há que limitar o segredo de Estado e quem tem competências para classificar a informação. Sabemos que o segredo máximo tem a duração de 30 anos e depois se abre ao público, o segredo médio tem 20 anos e o baixo tem 10 anos. Mas aqui, o segredo de Estado parece ser eterno e temos que discutir este assunto com muita seriedade”, defendeu.O académico, Eduardo Sitoe, explicou, na ocasião, que a liberdade de imprensa tem limite quando se trata de assuntos de defesa e segurança da integridade territorial do Estado para garantir a ordem política estatuída.Por outro lado, o acesso à informação é limitado por imperativos de segredo de justiça que encontra sustentação na protecção dos magistrados, funcionários de justiça e dos visados, bem como na necessidade de limitação da influência ou pressão externa na solução de assuntos entregues à justiça.“ Em Moçambique, os limites estabelecidos para o exercício do direito dos cidadãos à informação contribuem, decisivamente, para o alcance e preservação do conteúdo desse direito, sobretudo, estes limites actuam no sentido de prevenir que, em virtude e em nome do seu exercício, outros direitos fundamentais dos cidadãos sejam sonegados e, por essa via, sejam descaracterizadas a natureza e finalidade da consagração quer do direito à informação, quer da liberdade de imprensa”, explicou.

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