Julian Assange e os seus aliados tentaram conseguir dois objetivos importantes ao divulgarem no sítio do WikiLeaks a correspondência diplomática dos EUA. A primeira foi punir Washington e mostrar que a sua política externa e diplomacia são sinistras. A segunda foi inventar um novo tipo de jornalismo. Num artigo publicado no "The Australian" na quarta-feira, Assange escreveu que o WikiLeaks estava a criar o "jornalismo científico", um jornalismo que permite às pessoas ler notícias, ter acesso aos documentos originais e verificar se o jornalista trabalhou de uma forma profissional. O número de documentos diplomáticos norte-americanos divulgados até agora é relativamente pequeno. Tendo presente esta ressalva, acho que Julian Assange falhou. Por um lado, o "jornalismo científico" é uma ilusão. Por outro, ao ler muitos dos documentos divulgados pelo WikiLeaks e publicados nos jornais internacionais, o que eu vi foram sobretudo diplomatas norte-americanos competentes. Acho mesmo que a diplomacia dos EUA está de parabéns. Imagino que muita gente discorde. Os diplomatas profissionais estão entre a apoplexia e a agonia. Na última semana, Wolfgang Ischinger, antigo embaixador da Alemanha em Washington, Rodric Braithwaite, embaixador da Inglaterra em Moscovo, e José Cutileiro, um distinto e experiente diplomata nacional lamentaram no "International Herald Tribune", no "Financial Times" e neste jornal a divulgação do trabalho dos diplomatas dos EUA. Ischinger, Braithwaite e Cutileiro sabem melhor do que ninguém que a diplomacia é o muro que separa a paz da guerra, um muro que só sobreviverá se existir confiança entre as partes para falarem francamente sobre os seus interesses. Assange e o WikiLeaks minaram esta confiança. A opinião pública nacional parece estar estupefacta. Todavia, uma série de conversas nos últimos dias sobre o assunto mostrou-me uma coisa curiosa - toda a gente falava do WikiLeaks mas praticamente ninguém tinha lido os documentos originais. O que o WikiLeaks gerou até agora foram títulos hiperbólicos, embaraço e ruído. Este espetáculo esconde três coisas importantes. A primeira é que, ao contrário do que Assange tem dito e escrito, não há nada nos documentos até agora publicados que se pareça com o famoso telegrama Zimmerman ou com os documentos do arquivo diplomático russo aberto pelos bolcheviques em 1917. E também não há nenhum Watergate sinistro levado a cabo pelos diplomatas norte-americanos e pelos seus chefes políticos. Os americanos estão furiosos, é verdade. Mas estão furiosos com Julian Assange e com o WikiLeaks e não com Hillary Clinton ou o Departamento de Estado. A segunda coisa a ter em conta é o profissionalismo dos diplomatas de Washington num mundo complicado e exigente. O que eu vejo na correspondência americana é o dia a dia de um diplomata competente: tentar compreender os interesses e as personalidades dos decisores políticos nos países onde estão colocados, avaliar que tipo de pressão aplicar sobre adversários e aliados para conseguir o que a Administração dos EUA pretende, procurar interesses comuns, gerir problemas muito complicados como o Irão, o Afeganistão/Paquistão, a Coreia do Norte, o terrorismo internacional e as ambições regionais de Moscovo, Pequim e Ancara. O que aqui chama a atenção é o número de capitais que esperam que Washington as ajude a resolver os seus problemas. Finalmente, tal como Ulisses na "Odisseia" - "Muitos foram os povos cujas cidades observou,/ cujos espíritos conheceu" - o WikiLeaks mostra o poder de observação e o talento literário de alguns diplomatas norte-americanos. O telegrama 06MOSCOW953 com o título 'A Caucasus Wedding' é uma obra-prima diplomática que merece ser lida em todos os cursos universitários de Relações Internacionais. Evelyn Waugh ou Graham Greene não fariam certamente melhor.
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