sábado, setembro 10, 2011

Quando o "lucro" supera o desporto

De alguns anos a esta parte, sobretudo agora que estamos a acolher os X Jogos Africanos cuja boa organização está catapultar o país a fama ainda que no meio de tanta má fama que, infelizmente afecta o grosso dos outros países africanos, tenho estado a meditar profundamente para entender porque é que agora já não temos jovens desportistas tão bons como foram os astros do passado, como foi o Matateu, Eusébio, Coluna e muitos outros de ambos os sexos que nos alegraram nos estádios e outros recintos desportivos e que colocavam ou projectavam o nome do País além fronteiras. Como jornalista, mas não perito em futebol como em todo o tipo de desportos, optei mais por perguntar aos que são mais dados à actividade desportiva, principalmente o chamado desporto-rei que, para mim, é o que mais galvaniza as massas e projecta um país do anonimato ao estrelato. Confesso que todas as respostas que obtive quase nenhuma delas me satisfazia, não tanto por não entender de futebol ou desporto, mas porque há respostas que mesmo que sejamos leigos em algo, nos caem logo ao ouvido como manteiga em pedra. Simplesmente não cola. Entre os entendidos, uns disseram-me, por exemplo, que o nosso futebol é mau porque não temos bons treinadores ou porque os que contratamos não dariam sequer para ser apanha-bolas, outros disseram que os nossos atletas comem muito mal e que por isso são frágeis. Os outros afirmaram que tudo se devia ao facto de não haver boas bolas e muito menos suficientes.... em fim, apontaram várias razões, mas não davam para eu fazer uma notícia que fosse de facto notícia. Não colavam porque Eusébio quando foi descoberto a jogar não estava a jogar uma bola de ouro mas sim de trapos, e comia tão mal quanto come a maioria dos jovens da presente geração. Moçambique continua a produzir, ou melhor, a ter potenciais talentos tanto para brilhar nos campos de futebol caso tivessem oportunidade de lá jogarem e serem descobertos e trabalhados, como aconteceria com nas outras modalidades desportivas, como é o basquetebol feminino, onde tivemos no passado grandes estrelas e que ainda hoje nos soam ao ouvido os seus nomes, entre elas Esperança Sambo, Aurélia Manave, Marta Manjate e Telma Manjate. No meu entender, o maior e quase único problema nosso reside no facto de não criamos condições e, acima de tudo, oportunidades para que esses potenciais talentos se revelem ainda pequenos à luz do Sol e da Noite, e sejam identificados pelos peritos, como aconteceu com Eusébio que foi visto a brilhar no campo pelado do seu bairro, na Mafala, na então cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi daqui que viria a ser integrado em grandes equipas e mais tarde levado ao Benfica de Portugal, onde além de se tornar no “Pantera Negra” e legendário está a ser imortalizado agora em todo o mundo, como se fez há uma semana com a inauguração de mais uma estátua sua homenagem no México. Na verdade, há por este país tantas crianças e jovens que nascem predestinadas a serem craques de eleição no futebol, mas que não têm tido oportunidade de se revelarem nos campos, porque não têm o campo em que pessoas como Eusébio tiveram no seu tempo. Aquele campo foi assaltado pelos praticantes do comércio informal o que faz com que os jovens de hoje fiquem mais tempo empoleirados em murros em conversas sem valor construtivo e nalguns casos degenerando para o mundo da droga. Enquanto esta realidade não mudar, eles nunca terão a oportunidade de mostrar que os seus pés nasceram para marcar muitos e grandes golos. De facto, sempre acreditei que esta é e continuará a ser a principal causa da situação em se encontra o nosso viveiro de produção de bons desportistas, como se tivesse secado em definitivo e, por consequência, já não está a produzir mais estrelas de futebol. Enquanto cogitava para escrever este artigo, dei conta um dia desses que a grande e credível rádio britânica, BBC, estava a fazer uma reportagem sobre a cultura de futebol no Brasil, na tentativa de desvendar a razão que faz com que aquele país esteja a produzir sempre grandes futebolistas, cuja lista é encabeçada pelo Rei Pelé.A mesma lista de astros aumenta, a cada ano que passa, mais um ou alguns para serem incluídos como se fosse mais um elemento na Tabela Periódica de Mendelev. De tudo que se disse ou foi dito à BBC como razão de fundo para que aquele país irmão tenha sempre grandes talentos nas suas equipas e, por inerência, na sua selecção nacional, é que a prática de futebol é feita em todo o sítio onde há gente a viver – isto é, cada bairro tem a sua equipa de futebol para defrontar a de outro(s) bairro(s), incluindo de crianças e de sub 20´s dos seniores. Tais equipas fazem os respectivos campeonatos locais, em paralelo com as das outras divisões administrativas do país, até chegar ao nível do país que é campeonato nacional que é disputado pelas equipas regionais que comprazem o tipo do nosso Moçambola. Quando a BBC fazia esta explicação, fui me recordando do que vi lá das vezes que estive de visita ao Brasil. De facto, o futebol no Brasil há um verdadeiro movimento futebolístico, porque é praticado em todo o sítio onde vivem ou há pessoas, como na praia, onde geralmente fica prenhe de gente de todas as idades quase peladas. Para além deste movimento, digamos assim, desusado de futebolismo, o que ajuda o Brasil a moldar, ainda pequenos, os seus talentos de palmo e meio que vão sendo descobertos nos campos dos bairros e outras zonas habitacionais são as incontáveis escolas de futebol, que criam quase na mesma proporção numérica que as formais, onde também a prática de desporto é uma outra religião.A realidade brasileira levou-me de volta recordativa, por assim dizer, ao que costumava ver também na Grã-Bretanha, onde vivi por um bom par de anos. Aqui também há campeonatos de todas as dimensões, desde os de bairro até ao nacional que envolve as grandes equipas de que aqui em Moçambique muitos de nós somos muitos fãs. Na verdade, o maior viveiro das grandes equipas britânicas como o Machester e o Arsenal são os jogadores descobertos a jogar nas equipas pequenas dos numerosos bairros do país. Na Grã-Bretanha cada bairro tem uma equipa sua com o nome desse bairro como o de Leyton onde eu vivia, para jogar em todos os fins-de-semana com a de um outro bairro, tal como acontece com as grandes equipas. Isto quer dizer que os fãs de futebol britânico têm quase sempre, pelo menos duas equipas pelas quais torcer em cada fim-de-semana – sendo uma do seu bairro, e outra a de nível nacional e finalmente a equipa de todos eles, que é a selecção nacional. Regra geral, a segunda equipa dos britânicos é normalmente aquela que tem um ou mais jogadores que saíram da sua equipa local ou da zona em que vive.Uma vez chegado aqui, creio que no dia em que tivermos equipas de futebol e de outras modalidades em todos os nossos bairros, então estaremos em condições de descobrirmos vários outros Matateus, Colunas e Eusebios que agora não se podem revelar porque a maioria das nossas crianças e jovens não tem uma oportunidade de mostrarem que nasceram para serem grandes desportitas. Para mim o BEBEC foi uma boa experiência que devia ser reactiva e replicada pelo país todo. Quem negar a minha acepção em relação a abundância de talentos que não os podemos ver porque só podemos vê-los se jogarem, estará a negar o inegável, porque está provado que quando não se tem uma oportunidade de se fazer algo, não há como provar que alguém em bom nisto ou naquilo. Aliás, se a Lurdes Mutola não tivesse estado a jogar à bola e fosse vista pelo nosso poeta-mor, José Craveirinha, o seu talento não teria sido visto e nunca teria sido várias vezes campeã mundial. Se Samora Machel não tivesse tido a oportunidade de ir se integrar na Frelimo, e lutar pela independência moçambicana, nunca se teria revelado um grande líder que foi e ainda hoje nos lidera com os seus sábios ideiais. Se quisermos ter mais Eusebios, temos de criar condições e oportunidades para que todos os nossas crianças e jovens que têm vocação para chutar a bola o façam num local apropriado, e não na rua como acontece agora, porque todos os espaços que servira para se jogar, foram transformados em mercados informais, bombas de combustível ou na pior das hipóteses foram construídas barracas.(Gustavo Mavie)

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