O processo conducente à assinatura do Acordo de Nkomati em Março de 1984 é um dos temas tratados na biografia do antigo ministro sul-africano dos negócios estrangeiros, Roelof Botha, lançada na África do Sul nos finais do ano passado. Da autoria da jornalista sul-africana, Theresa Papenfus, a volumosa biografia(*) refere que o primeiro encontro entre Botha e Samora Machel na residência oficial do presidente moçambicano em Maputo caracterizou-se pela harmonia. Botha é citado no livro a dizer que “a ‘química’ entre nós dois começou por ser boa logo de início. Machel falou sobre a história de Moçambique e do sofrimento do seu povo sob a administração portuguesa”. Prossegue Botha: “Disse-lhe depois que o meu povo também havia sido maltratado – na guerra Anglo-Boer – por uma potência colonial”. De acordo com a biografia, os contactos que resultaram na assinatura do Acordo de Nkomati coincidiram com notícias de que Samora Machel sentia-se desiludido com o sistema marxista introduzido no país por altura da independência e que o presidente moçambicano apostara no melhoramento de relações económicas com o Ocidente. A autora cita um embaixador africano, não identificado, em Paris como tendo dito que “o comunismo não está a dar resultado em Moçambique e o Sr. Machel levou 7 anos a concluir isso mesmo, o que é o ciclo normal dos Estados clientes do Bloco de Leste”. A seguir ao encontro de Maputo, Machel designou Jacinto Veloso, Óscar Monteiro, e Sérgio Vieira (descrito no livro como “o grande comunista no governo” da Frelimo) para integrar a delegação que iria negociar com o regime do apartheid. A autora da biografia, «Pik Botha and His Times», diz que os encontros com a delegação moçambicana foram inicialmente marcados por acusações mútuas e por um estado bastante emocional, mas salienta ter sido o tipo de relações entre o ministro dos negócios estrangeiros sul-africano e Samora Machel e o bom sentido de humor de ambos que tornou possível a assinatura do Acordo de Nkomati. A propósito de um desses encontros, que teve lugar na Swazilândia a 20 de Dezembro de 1983, a autora cita o ministro da defesa sul-africano, Magnus Malan, a referir-se a um dos membros da delegação moçambicana, Sérgio Vieira, como “manhoso, safado que chegou a ser ministro da segurança, e que não olhava a meios para extrair informações de pessoas suspeitas”. Nesse encontro, Veloso pediu a Óscar Monteiro para que apresentasse os pontos de vista da delegação moçambicana. Voltando a citar Malan, a autora escreve: E a seguir Monteiro entrou em cena. Nunca julguei que pudesse ser tão abrasivo. Falou durante aproximadamente três quartos de hora, cuspindo veneno. O cavalo de batalha escolhido foi a discriminação racial e questões políticas. As primeiras negociações com Moçambique foram mesmo más. Foi nesta altura que Pik passou-me uma nota a dizer: ‘Vou responder e depois abandonamos a sala’.” Ao tomar da palavra, Pik Botha fez um resumo da história da África Austral, incluindo a da África do Sul, desde 1652 a 1980, salientando que “o meu país é o único que fala uma língua com o nome de África”, passando depois a responder em pormenor às alegações proferidas por Óscar Monteiro. A autora diz que Pik Botha informou a delegação moçambicana de que “a África do Sul não precisava de quaisquer favores de Moçambique, e que ele, Botha, estava com a impressão de que o objectivo do encontro eram as negociações e não a troca de acusações e de insultos.” Foi nesta altura que Pik Botha se levantou, tendo abandonado a sala. Segundo a autora, pouco depois “a delegação moçambicana arrefeceu os nervos, tendo apresentado desculpas pela forma como se havia comportado, e a seguir pediu com gentileza se era possível prosseguir com as negociações”.
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