A história a que se refere a primeira parte da entrevista que aqui publicamos, é resultado de um pedaço de vida que poderia fazer parte do trajecto da existência de cada um de nós. Fazendo abstracção da verdadeira identidade das pessoas a que ela se refere, não é mais do que um caso nascido dum encontro juvenil aparentemente desencontrado, que se quer reencontrar nos dias de hoje, 46 anos mais tarde, depois de o tempo ter desfilado entre a nascença de um amor a que se seguiu a de uma criança, e a busca, muito tardia, do reconhecimento por parte dessa ex-criança de uma paternidade esquecida.
Folha 8 – Qual é o seu nome?
Josefina Matias - O nome que está registado no meu documento de identidade é Josefina Matias. Matias é o nome do meu padrasto. Mas o nome próprio, como me chamavam a minha mãe, avó e tias é; Ngutuika Josefa dos Santos.
F8 – E a sua mãe como é que se chamava?
JF – A minha mãe chamava-se Elisabeth Kaenje ou Konambanfe, que significa; “a filha do Banfe, que era o nome do pai da minha mãe”.
F8 – Sabe como a sua mãe conheceu, aquele que diz ser seu pai?
JM – O que me contaram é que, a minha mãe, lá no Congo, era amiga de uma prima do pai (Edu) e como los angolanos precisavam de ajuda na sua luta de libertação, então fez amizade com a mamã, que naquela altura já era comerciante que viajava muito. E nesse conhecimento, como ela se chegou a zangar com o meu padrasto, então como estava sozinha ele começou a comer lá em casa e assim se conheceram melhor e a mamã engravidou.
F8 – Então ele não soube?
JM – Soube, mas depois de uns meses, partiu para a URSS, onde foi estudar e se comunicava com a mamã através dos padres.
F8 – E o seu nome quem lhe deu.
JM – A mamã diz que ele antes de partir disse que tinha de me chamar Nguituka Josefa dos Santos, mas como ele depois parou de se ligar com a mamã, então me registaram Josefa Matias (Matias que é apelido do padrasto) e o outro ficou nome verdadeiro mas só de casa.
F8 - O que lhe disseram que fazia o seu pai no Congo?
JM – Me disseram estava a lutar para a independência do país dele e que naquela altura andava sempre por perto do Agostinho Neto naquelas coisa de diplomata (política).
F8 – E mais tarde, o que é que a sua mãe lhe contou sobre o seu pai?
JM – Mais tarde a minha mãe disse que ele um dia vai vir para te reconhecer, porque sabe que te deixou na barriga, mas os anos foram passando e nada, até que um dia ela disse ouviu na rádio o teu pai está no poder, em Angola.
F8 – E nunca tentaram contactar-lhe?
JM – Tentamos, muitas vezes, mas sempre tínhamos barreira, em 1999, a mãe e o meu pai adoptivo, Matias, vieram à Lunda Norte fazer negócio, e tentaram chegar a Luanda mas na Lunda lhes disseram ser perigosos porque o país estava em guerra, podiam lhe matar e que era muito perigoso. Esse foi o grande impedimento nessa altura.
F8 – Diga-nos quando foi a primeira vez que fez investigações para encontrar o seu pai (Edu)?
JM – Depois mesmo disso, então disse, como filha vou lhe procurar, apenas para lhe ver e me registar, para ter pai verdadeiro e desde 2001, que vim para Luanda e a partir de 2007 é que encontrei no bairro Popular, uma sobrinha do pai, dona Eva Gaspar, que me recebeu bem e foi falando da minha situação.
F8 – Porque é que esperou tanto tempo para procurá-lo?
JM – Aconteceu que o meu marido adoeceu desde 2000 e foi muito penoso. Tínhamos muitos problemas, até à sua morte, em 2003. Nós estávamos ainda na Lunda, foi então que depois vim para Luanda…
F8 – Quando foram feitos os primeiros contactos com a família do pai e qual foi a primeira pessoa que encontraram.
JM – A primeira pessoa foi o Kelson, neto da Eva Gaspar, amigio do meu filho Arsénio, depois o Solito, o ti Luís e o avó Gaspar dos Santos, tio do papa (Edu).
F8 – Quem é o Solito?
JM – É o primeiro filho do tio Avelino dos Santos, irmão mais velho do pai (Edu)...
F8 – Onde se encontraram pela primeira vez?
JM – A primeira vez foi ali perto do armazém do Solito, na rua da Brigada, junto ao hospital Américo Boavida e quando falamos o Solito ligou para a tia Marta dos Santos. E depois ela pediu ao Solito para nos levar em Talatona, na casa da falecida avó Isabel dos Santos, outra irmã mais velha do papá.
F8 - E quem é que vos levou ao Solito?.
JM - A família do tio Gaspar dos Santos.
F8 – E depois desses encontros visitaram a casa de mais alguém da família de Dos Santos?
JM – Sim, depois fomos almoçar com a tia Marta dos Santos, na casa dela em Talatona, comemos bom funji, fomos muito bem tratados, sem problemas, eu estava mesmo à vontade.
F8 – E depois deram-lhe alguma ajuda? Você pediu dinheiro?
JM – Não! Eu não estou atrás do dinheiro, mas do reconhecimento de paternidade, principalmente depois da campanha que o MPLA realizou sobre a MORAL e a UNIDADE DA FAMÍLIA.
F8 – Só isso mesmo?
JM – Sim, nunca pedi dinheiro, nunca pedi casa, nem colégio para os meus filhos e eles também nunca me perguntaram se os netos andam na escola, em que classe, se estudam bem ou não… Mas já sabem que eu sou viúva e que vivo com os meus filhos.
F8 – Para além disso nunca lhe convidaram para nenhum outro evento da família?
JM – Já sim, fomos ao óbito da falecida avó Isabel, aí nos Bombeiros, por exemplo..
F8 – Então a família lhe reconhece
JM – Sim! Dos tios não tenho razões de queixa, mas isso não basta preciso de encostar no ombro do pai, sentir orgulho de ser filha e depois se não me quiser aqui, pode me mandar regressar para o Congo…
F8 – Acha que lhe estão a impedir de chegar a quem diz ser seu pai?
JM – Acho que sim. Não acredito que lhe tenham informado bem, pois ele é uma pessoa boa, carinhosa e tem bons princípios. Pelo menos ele sabendo, se calhar me deve escutar, pois não acredito que se tenha esquecido da mamã e da relação que tiveram. Também não vim tirar nada de nenhum meu irmão, quero que eles sejam muito felizes, porque o que busco ao longo destes anos é paternidade. É reconhecimento.
F8 – Porque contactou um advogado. Tem medo de poder ser morta?
JM – Tudo pode acontecer na vida, porque ela depende de Deus, mas existem na terra muitas pessoas más, por isso contactei o Dr. David Mendes e os seus escritórios para me ajudarem nesse caminho, que nunca mais termina…
Este é o lamento de Nguituka Josefa dos Santos, que em língua Kimbundu, à materna de José Eduardo dos Santos, significa SALTAR. E é um salto para o reconhecimento que ela busca agora. Por esta razão, esqueçamos os nomes. O que aqui reproduzimos é uma pequena parte do que nos foi relatado. Voltaremos nas próximas edições. Sem a mais pequena intenção de melindrar seja quem for. Mas com a firme determinação de assumir as últimas consequências em defesa da verdade, que neste caso preciso até tem um nome próprio: chama-se ADN.
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