O economista, docente universitário e director do IESE, Carlos Nuno Castel-Branco numa entrevista ao SAVANA desmascara as teias de uma economia tornada definitivamente extractiva, anotando que, por mais forte que seja a sua retórica nacionalista de auto-estima, a diminuta oligarquia financeira nacional em gestação está profundamente dependente do capital estrangeiro. Castel-Branco aborda a “Economia Extractiva e Desafios da Industrialização em Moçambique”, uma nova publicação do Instituto. Extractos desta longa entrevista conduzida por Francisco Carmona e Emídio Beúla.
Quais são os desafios que propõe para a mudança da estrutura económica do país?
Há dois grandes desafios. O primeiro é como mudar o processo de acumulação económica em Moçambique para que a economia não só passe a reter mais a riqueza que produz neste momento, mas que use esta riqueza para diversificar, alargar e articular a sua base produtiva. Isto requer a renegociação e o realinhamento do relacionamento com o capital estrangeiro e a utilização dos recursos adicionais para diversificar e articular a base produtiva. O outro desafio, ligado ao primeiro, é o problema da compreensão política da economia. Isto não é uma receita técnica, isto é um debate político. O desafio aqui é como organizar e mobilizar, tornar activas as forças especiais que estão a favor da mudança do padrão de acumulação. Que estão a favor de tornar a economia mais capaz de reter a sua riqueza e mais capaz de usar essa riqueza de uma forma alargada para o desenvolvimento do país.
Acha que há vontade política para mudar os padrões de acumulação primitiva do capital?
O problema não é se há ou não vontade política. Vontade política constrói-se, às vezes força-se. Há dias, não havia vontade política de agir sobre os preços dos produtos básicos, mas depois das manifestações a vontade política surgiu. A vontade política não é uma coisa que existe, por isso o debate social não pode depender de quem está no poder para saber se tem ou não a vontade política de mudar. Se não tem vontade política para mudar, muda-se o poder para se criar a vontade política necessária. O livro não está a dizer que vamos fazer uma revolução, mas a dizer que a economia, como funciona neste momento, não serve para o desenvolvimento do país e para o combate à pobreza. Ela só serve para acumulação primitiva de um pequeno grupo de capitalistas nacionais aliados com capitalistas estrangeiros. Isto tem de mudar para que o crescimento económico sirva as necessidades de pessoas.
Há muito que o Professor insiste na tese de renegociação dos contratos com os megaprojectos. Por que é que o governo não avança? Não avança porque voltamos a um ponto da base de compreensão política do processo de acumulação. O Governo não avança porque, em primeiro lugar, os governantes, eles próprios, estão envolvidos como accionista nestas empresas. Em segundo lugar, porque no nosso Governo, infelizmente, e ao nível mais alto, há enorme incompetência. E essa incompetência gera medo de tomar decisões. Alguns deles mesmo honestamente pensam que não é possível fazer estas coisas. E aqueles que sabem que é possível não querem. Há cláusulas que prevêem a renegociação dos contratos, que levantam encargos para o Estado se os contratos forem modificados em prejuízo da empresa. O que nós estamos a propor é que se crie uma base técnica e política para modificar isto. Moçambique não será o primeiro caso. Está a ser feito na Libéria e na Zâmbia, foi feito no Gana e Costa de Marfim. Não só países africanos, há outros latinos – americanos. Há um reconhecimento de que os contratos são altamente negativos para as economias nacionais. E essas empresas têm de entender que se elas não contribuírem para a estabilidade política necessária para o seu negócio funcionar, vão sofrer. Será que a Mozal, a Sasol , a Kenmare, o Vale, vão prosperar num ambiente de instabilidade, de descontentamento, de greves, de manifestações, etc.? Obviamente que não. Então, elas devem contribuir para a estabilidade política e económica do país onde elas se localizam. E para fazer isso elas têm de, em primeiro, assumir a responsabilidade fiscal.
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