O
JORNALISMO moçambicano está capaz de agir como uma arte de produzir
conhecimento, mas precisa ter a prudência necessária para assumi-lo apenas como
opinião, deixando que o público, ele próprio, construa a sua verdade. Segundo
tese defendida em Maputo pelo académico Carlos Machili, o jornalismo é uma
profissão de reflexão imediata, de formulação de opiniões que, disseminadas,
motivam o receptor a profundá-las. “Não se pode confundir verdade com opinião.
Que o jornalista ocupe o seu lugar, porque ele produz o conhecimento usando
métodos próprios, diferentes dos usados pelos outros”, diz Machili. Falando ao
SAVANA não se escusou em abordar o momento
do país.
Professor, no geral, como é que vê o país que este mês faz 42 anos?
Vejo um
Moçambique grande e de jovens. Precisamos de ser optimistas e confiar nesta
geração que vem e que precisa de ir ao ensino superior. E é esta geração que
tem de ser dada noções mais profundas do debate participativo político e de
diversidade de ideias e de culturas. Moçambique tem um futuro grande. E porque
estive na Agência de Energia Atómica, sei o que significa a riqueza que tem
este país, mais do que África do Sul.
No seminário sobre Ética e Boa Governação, há duas semanas, dizia que
vivemos num mundo de depressão de instituições, partidos e onde o que conta é o
lobby. Pode decifrar essa tese?
É o
lobby, sim senhores. No mundo contemporâneo, a política faz-se pelas
instituições, pelos partidos e por um grupo potentíssimo de lobbies, de
negociadores, que entra em todo o lado. Na América, os lobbies são feitos no
Capitólio, na Assembleia. Nós os lobbies fazemos nos partidos. Então, somos infiltrados,
há instabilidade institucional e rouba-nos o tempo de sabermos ouvir o outro, a
sua inquietação. Mas a instituição não pode ser abalada. Instituição é uma
organização política, económica, cultural, religiosa, que funciona com normas
precisas para alcançar um objectivo. O partido é igualmente uma organização
onde se entra e se obedece a regras. Se não quer obedecer, funda o seu partido.
Acha que o Estado moçambicano está infiltrado? Quem não é infiltrado hoje! Está. Não se discute
questões fundamentais para a juventude. Porquê vamos discutir qualidade em vez
do acesso? Não é infiltração isso? Chama-se depressão noética, défice
gnosiológico. Estamos muito infiltrados, então, pegamos modelos, que não sei
donde…
Acha que a instituição Frelimo está infiltrada? Porquê não! E a Frelimo tem de ser vigilante para
impedir a infiltração. Na entrevista que fizeram ao Couto, ele disse que
“Dhlakama diz coisas que eu não tenho coragem de dizer”. Quer dizer valorização
do Dhlakama não porque manda matar, mas alguma coisa ele traz de positivo neste
país. Mazula veio dizer “senhores, como estamos neste país, cada um no seu
quintal, temos de pensar num Estado federal”. Eu fui o primeiro acusado, quando
estava na UP, de ser um federalista.
Que manifestações na Frelimo o levam a concluir que o partido está
infiltrado? A incapacidade de entender
que, na fase actual, a Frelimo não pode fazer rasteiras a si mesma. Que a
Frelimo tem de ir ao povo. Que a Frelimo tem de democratizar-se internamente. Que
a Frelimo não é produto das elites, é um partido do povo. Até o próprio
discurso, que é um défice gnosiológico, chama o povo moçambicano de população.
Esse é um discurso economicista. Os moçambicanos já são tratados como números,
como população. É perigoso isso, num país onde 50 a 60% são jovens.
E o que acha que está a falhar no partido? Falta entender o papel actual da Frelimo. Donde vêm
as grandes críticas para escangalhar Guebuza? Não é dentro da Frelimo? Claro
que não é. Os grandes opositores da Frelimo são donde? É Dhlakama? Não. É Daviz
Simango? Não. Nem tão pouco.
Então, o grande inimigo da Frelimo é interno? É interno, sim. Estamos infiltrados. Dizia Samora
Machel, vamos cerrar fileiras para sermos filhos, líderes do povo e o futuro
deste Moçambique. E formar gerações autónomas. Que venham muitos partidos, não
é problema. Que ganhem eles, mas que sejam moçambicanos. A tarefa da Frelimo é
garantir a cidadania do moçambicano. Moçambicano acima de tudo.
E como se revela o elitismo na Frelimo? Através
da fuga do projecto social da Frelimo. Onde é que pára o projecto social da
Frelimo? Onde é que pára o projecto económico da Frelimo? Onde é que pára o
projecto de cidadania da Frelimo? O projecto de construir a nova sociedade?
Naquele tempo chamava-se homem novo, mas foi abandonado e quem hoje defende
esse projecto é considerado comunista. Eu penso que o nosso partido tem de
voltar a resgatar a sua vocação. Não dizer que vai ficar eternamente no poder,
mas o cidadão moçambicano não se negoceia.
E se a Frelimo não resgatar a sua vocação, que preço poderá pagar por
isso? Paga sem dúvidas porque
hão-de vir outros que vão fazer o discurso que a Frelimo não faz para terem
votos. Os municípios, por exemplo. Beira foi, Quelimane foi, Gurúè foi, Nampula
foi. Acham que a juventude de Maputo não pode votar para ficar com o município
de Maputo? Eu gosto porque é democracia. Amigos, o jovem moçambicano vai mesmo
votar na Frelimo ou fica em casa, no município? Atenção, eu como militante digo
cuidado.
Que eleições serão para a Frelimo as de 2018 e 2019? Grande desafio de coerência interna. Resgatar os
princípios fundamentais de servir o cidadão.
Ainda há tempo para o partido se reencontrar com o povo, tendo em conta
o timing que nos separa das eleições? Ainda há
tempo de renegociar porque o voto é renegociado com clareza. Os lobbys é que
estragam o futuro do país.
Moçambique continua a ser colocado na lista negra em matéria de corrupção.
Acha que o país está tomado por corruptos? Não está
tão corrupto como parece. Só que somos muito pobres, temos estô- magos bons e
queremos comer, então, as normas, numa economia de mercado como esta, não
conseguem controlar o dinamismo. Não é porque somos tão corruptos como parece,
somos corruptíveis, muito corruptíveis e perdemos pouco a pouco a segurança
psíquica e intelectual, isto é, somos metidos no lobby e os lobbys é que
estragam o futuro das Nações porque não se vê Nação, vê- -se barriga vazia.
É razoável dizer ao cidadão que não somos tão corruptos, num país em que
há escândalos de dívidas que sugerem corrupção, num país onde ministros estão
metidos em negócios com manifestos conflitos de interesse, num país onde um
Banco Central vende um banco comercial a sim mesmo? Na economia de mercado, o acesso à riqueza exige e
provoca sempre a desconexão. Isso não chamo realmente de corrupção, mas
desconexão, que é a falta de visão ética. E nenhum moçambicano vai aceitar
isso. Quem são os ministros que temos? São filhos de elite ou que estudaram.
Quando se colocam, o que têm em casa antes? O nosso grande problema é este: o
capitalismo e a distribuição da riqueza. E os nossos dirigentes, quando chegam,
mudam de classe e nasce o nosso problema número dois: medo da emergência da
classe média.
E o que acha da actuação da justiça? Perante tamanhas situações de falta
de ética na governação, não seria este um momento para a justiça moçambicana se
impor? A nossa justiça tem um défice
antropológico. As nossas Leis foram concebidas em função de realidades
Europeias. A lei com código português reformulado serve para a nossa cultura?
Não. Mas nós adoptamos as leis, regulamentos, estatutos e tudo. São
regulamentos em função de quê?
Mas há um outro elemento. Ainda há dias, entrevistávamos o juíz João
Trindade que nos dizia que um dos grandes problemas do nosso poder judiciário é
que está a reboque do poder executivo. Está
enganado e equivocado. Nenhuma magistratura está acima do chefe de Estado. Ou é
Estado ou é barraca. O que quer o juiz Trindade? A barraca ou o Estado? Não
está a reboque. O problema é que a identidade cultural e o défice antropológico
dos juízes fazem com que eles peguem aquilo que deve ser a Lei nos Estados
Unidos e em Portugal e tentem aplicar aqui.
Há dias a Dra. Benvinda Levi dizia também que hoje falar de magistrados
é quase a mesma coisa que falar de criminosos. Porque
nós é que pensamos que todo o juiz é criminoso, o que é falso. Mas hoje em dia
há muitos juízes que… Muito bem, é excepção, não há regra sem excepção.
Mas ultimamente temos sido acolhidos quase todos os dias por notícias
sobre juízes envolvidos na comercialização de sentenças. Sem dúvidas, mas não é isso que nos deve fazer
parar de formar juízes. Mas temos de pensar numa Lei de acordo com o nosso
contexto cultural. O défice antropológico é justamente ter princípios que não
se baseiam na sua cultura. Sabe, eu cheguei ao Tribunal (N.R: acusado de desvio
de fundos e abuso de poder na Agência de Energia Atómica) e disse-lhes que
podiam me fuzilar, mas eu não roubei, levei dinheiro porque sei que há muito
equipamento de energia atómica que está nas minas de gás, de carvão e de
petróleo.
Em nenhum país no mundo assuntos de energia atómica são tratado num
Tribunal qualquer porque a energia atómica fica nas mãos do comandante em
chefe. Mas aqui se disse que “Carlos Machile está no banco dos réus, gastou mal
dinheiro, roubou…” não roubei nada. Se quisesse ser rico, sairia rico da
UP…deixei a UP com não menos que um bilião de meticais.
Como tem acompanhado o assunto sobre as dívidas ocultas? Eu como cientista político digo: senhores, este é
um mercado muito apetecível. O grande problema era a liquefacção do gás no mar
ou em terra e vincou a liquefacção no mar. Então, o projecto ligado a isso e
que provoca dívidas ocultas chama-se EMATUM.
Mas também temos Proíndicus e MAM. Mas sem
defesa e Segurança quem vai controlar a tua riqueza? Tu queres fazer de
Moçambique uma barraca?
Mas Professor, o maior problema até pode não ser a operação em si, mas a
forma como ela foi feita? Faz favor, não era para fazer
disto público e despertar o mundo.
O que pensa da auditoria que foi feita e de cujos resultados são
aguardados com bastante expectativa? A
auditoria pode fazer tudo, mas é o início do fim da soberania porque aquele é
um assunto interno. Até quando se esgotou a capacidade dos moçambicanos dizerem
“camarada Guebuza falhou”?
No geral, o que achou dos 10 anos da governação do presidente Guebuza? Eu respeito a ele. Eu era membro do Comité Central.
Ele expandiu-nos o ensino superior para o futuro dos mo- çambicanos, que
ninguém outro na Frelimo tem coragem de o fazer.
E como avalia a governação do presidente Nyusi? É boa. É jovem, colocado para tarefas mais
delicadas porque ele tem de reconciliar a família Frelimo, mas não perder o
norte e saber que o norte da Frelimo é para uma nova geração que não tem muito
défice gnosiológico.
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