quinta-feira, julho 13, 2017

Elite tem medo da emergência da classe média!

O JORNALISMO moçambicano está capaz de agir como uma arte de produzir conhecimento, mas precisa ter a prudência necessária para assumi-lo apenas como opinião, deixando que o público, ele próprio, construa a sua verdade. Segundo tese defendida em Maputo pelo académico Carlos Machili, o jornalismo é uma profissão de reflexão imediata, de formulação de opiniões que, disseminadas, motivam o receptor a profundá-las. “Não se pode confundir verdade com opinião. Que o jornalista ocupe o seu lugar, porque ele produz o conhecimento usando métodos próprios, diferentes dos usados pelos outros”, diz Machili. Falando ao SAVANA não se escusou em  abordar o momento do país.
Professor, no geral, como é que vê o país que este mês faz 42 anos?
Resultado de imagem para Moçambique felizVejo um Moçambique grande e de jovens. Precisamos de ser optimistas e confiar nesta geração que vem e que precisa de ir ao ensino superior. E é esta geração que tem de ser dada noções mais profundas do debate participativo político e de diversidade de ideias e de culturas. Moçambique tem um futuro grande. E porque estive na Agência de Energia Atómica, sei o que significa a riqueza que tem este país, mais do que África do Sul.
No seminário sobre Ética e Boa Governação, há duas semanas, dizia que vivemos num mundo de depressão de instituições, partidos e onde o que conta é o lobby. Pode decifrar essa tese?
É o lobby, sim senhores. No mundo contemporâneo, a política faz-se pelas instituições, pelos partidos e por um grupo potentíssimo de lobbies, de negociadores, que entra em todo o lado. Na América, os lobbies são feitos no Capitólio, na Assembleia. Nós os lobbies fazemos nos partidos. Então, somos infiltrados, há instabilidade institucional e rouba-nos o tempo de sabermos ouvir o outro, a sua inquietação. Mas a instituição não pode ser abalada. Instituição é uma organização política, económica, cultural, religiosa, que funciona com normas precisas para alcançar um objectivo. O partido é igualmente uma organização onde se entra e se obedece a regras. Se não quer obedecer, funda o seu partido.
Acha que o Estado moçambicano está infiltrado? Quem não é infiltrado hoje! Está. Não se discute questões fundamentais para a juventude. Porquê vamos discutir qualidade em vez do acesso? Não é infiltração isso? Chama-se depressão noética, défice gnosiológico. Estamos muito infiltrados, então, pegamos modelos, que não sei donde…
Acha que a instituição Frelimo está infiltrada? Porquê não! E a Frelimo tem de ser vigilante para impedir a infiltração. Na entrevista que fizeram ao Couto, ele disse que “Dhlakama diz coisas que eu não tenho coragem de dizer”. Quer dizer valorização do Dhlakama não porque manda matar, mas alguma coisa ele traz de positivo neste país. Mazula veio dizer “senhores, como estamos neste país, cada um no seu quintal, temos de pensar num Estado federal”. Eu fui o primeiro acusado, quando estava na UP, de ser um federalista.
Imagem relacionadaQue manifestações na Frelimo o levam a concluir que o partido está infiltrado? A incapacidade de entender que, na fase actual, a Frelimo não pode fazer rasteiras a si mesma. Que a Frelimo tem de ir ao povo. Que a Frelimo tem de democratizar-se internamente. Que a Frelimo não é produto das elites, é um partido do povo. Até o próprio discurso, que é um défice gnosiológico, chama o povo moçambicano de população. Esse é um discurso economicista. Os moçambicanos já são tratados como números, como população. É perigoso isso, num país onde 50 a 60% são jovens.
E o que acha que está a falhar no partido? Falta entender o papel actual da Frelimo. Donde vêm as grandes críticas para escangalhar Guebuza? Não é dentro da Frelimo? Claro que não é. Os grandes opositores da Frelimo são donde? É Dhlakama? Não. É Daviz Simango? Não. Nem tão pouco.
Então, o grande inimigo da Frelimo é interno? É interno, sim. Estamos infiltrados. Dizia Samora Machel, vamos cerrar fileiras para sermos filhos, líderes do povo e o futuro deste Moçambique. E formar gerações autónomas. Que venham muitos partidos, não é problema. Que ganhem eles, mas que sejam moçambicanos. A tarefa da Frelimo é garantir a cidadania do moçambicano. Moçambicano acima de tudo.
Imagem relacionadaE como se revela o elitismo na Frelimo? Através da fuga do projecto social da Frelimo. Onde é que pára o projecto social da Frelimo? Onde é que pára o projecto económico da Frelimo? Onde é que pára o projecto de cidadania da Frelimo? O projecto de construir a nova sociedade? Naquele tempo chamava-se homem novo, mas foi abandonado e quem hoje defende esse projecto é considerado comunista. Eu penso que o nosso partido tem de voltar a resgatar a sua vocação. Não dizer que vai ficar eternamente no poder, mas o cidadão moçambicano não se negoceia.
E se a Frelimo não resgatar a sua vocação, que preço poderá pagar por isso? Paga sem dúvidas porque hão-de vir outros que vão fazer o discurso que a Frelimo não faz para terem votos. Os municípios, por exemplo. Beira foi, Quelimane foi, Gurúè foi, Nampula foi. Acham que a juventude de Maputo não pode votar para ficar com o município de Maputo? Eu gosto porque é democracia. Amigos, o jovem moçambicano vai mesmo votar na Frelimo ou fica em casa, no município? Atenção, eu como militante digo cuidado.
Que eleições serão para a Frelimo as de 2018 e 2019? Grande desafio de coerência interna. Resgatar os princípios fundamentais de servir o cidadão.
Ainda há tempo para o partido se reencontrar com o povo, tendo em conta o timing que nos separa das eleições? Ainda há tempo de renegociar porque o voto é renegociado com clareza. Os lobbys é que estragam o futuro do país.
Moçambique continua a ser colocado na lista negra em matéria de corrupção. Acha que o país está tomado por corruptos? Não está tão corrupto como parece. Só que somos muito pobres, temos estô- magos bons e queremos comer, então, as normas, numa economia de mercado como esta, não conseguem controlar o dinamismo. Não é porque somos tão corruptos como parece, somos corruptíveis, muito corruptíveis e perdemos pouco a pouco a segurança psíquica e intelectual, isto é, somos metidos no lobby e os lobbys é que estragam o futuro das Nações porque não se vê Nação, vê- -se barriga vazia.
Resultado de imagem para Moçambique felizÉ razoável dizer ao cidadão que não somos tão corruptos, num país em que há escândalos de dívidas que sugerem corrupção, num país onde ministros estão metidos em negócios com manifestos conflitos de interesse, num país onde um Banco Central vende um banco comercial a sim mesmo? Na economia de mercado, o acesso à riqueza exige e provoca sempre a desconexão. Isso não chamo realmente de corrupção, mas desconexão, que é a falta de visão ética. E nenhum moçambicano vai aceitar isso. Quem são os ministros que temos? São filhos de elite ou que estudaram. Quando se colocam, o que têm em casa antes? O nosso grande problema é este: o capitalismo e a distribuição da riqueza. E os nossos dirigentes, quando chegam, mudam de classe e nasce o nosso problema número dois: medo da emergência da classe média.
E o que acha da actuação da justiça? Perante tamanhas situações de falta de ética na governação, não seria este um momento para a justiça moçambicana se impor? A nossa justiça tem um défice antropológico. As nossas Leis foram concebidas em função de realidades Europeias. A lei com código português reformulado serve para a nossa cultura? Não. Mas nós adoptamos as leis, regulamentos, estatutos e tudo. São regulamentos em função de quê?
Mas há um outro elemento. Ainda há dias, entrevistávamos o juíz João Trindade que nos dizia que um dos grandes problemas do nosso poder judiciário é que está a reboque do poder executivo. Está enganado e equivocado. Nenhuma magistratura está acima do chefe de Estado. Ou é Estado ou é barraca. O que quer o juiz Trindade? A barraca ou o Estado? Não está a reboque. O problema é que a identidade cultural e o défice antropológico dos juízes fazem com que eles peguem aquilo que deve ser a Lei nos Estados Unidos e em Portugal e tentem aplicar aqui.
Há dias a Dra. Benvinda Levi dizia também que hoje falar de magistrados é quase a mesma coisa que falar de criminosos. Porque nós é que pensamos que todo o juiz é criminoso, o que é falso. Mas hoje em dia há muitos juízes que… Muito bem, é excepção, não há regra sem excepção.
Resultado de imagem para Moçambique felizMas ultimamente temos sido acolhidos quase todos os dias por notícias sobre juízes envolvidos na comercialização de sentenças. Sem dúvidas, mas não é isso que nos deve fazer parar de formar juízes. Mas temos de pensar numa Lei de acordo com o nosso contexto cultural. O défice antropológico é justamente ter princípios que não se baseiam na sua cultura. Sabe, eu cheguei ao Tribunal (N.R: acusado de desvio de fundos e abuso de poder na Agência de Energia Atómica) e disse-lhes que podiam me fuzilar, mas eu não roubei, levei dinheiro porque sei que há muito equipamento de energia atómica que está nas minas de gás, de carvão e de petróleo. 
Em nenhum país no mundo assuntos de energia atómica são tratado num Tribunal qualquer porque a energia atómica fica nas mãos do comandante em chefe. Mas aqui se disse que “Carlos Machile está no banco dos réus, gastou mal dinheiro, roubou…” não roubei nada. Se quisesse ser rico, sairia rico da UP…deixei a UP com não menos que um bilião de meticais.
Como tem acompanhado o assunto sobre as dívidas ocultas? Eu como cientista político digo: senhores, este é um mercado muito apetecível. O grande problema era a liquefacção do gás no mar ou em terra e vincou a liquefacção no mar. Então, o projecto ligado a isso e que provoca dívidas ocultas chama-se EMATUM.
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Mas também temos Proíndicus e MAM. Mas sem defesa e Segurança quem vai controlar a tua riqueza? Tu queres fazer de Moçambique uma barraca?
Mas Professor, o maior problema até pode não ser a operação em si, mas a forma como ela foi feita? Faz favor, não era para fazer disto público e despertar o mundo.
O que pensa da auditoria que foi feita e de cujos resultados são aguardados com bastante expectativa? A auditoria pode fazer tudo, mas é o início do fim da soberania porque aquele é um assunto interno. Até quando se esgotou a capacidade dos moçambicanos dizerem “camarada Guebuza falhou”?
No geral, o que achou dos 10 anos da governação do presidente Guebuza? Eu respeito a ele. Eu era membro do Comité Central. Ele expandiu-nos o ensino superior para o futuro dos mo- çambicanos, que ninguém outro na Frelimo tem coragem de o fazer.

E como avalia a governação do presidente Nyusi? É boa. É jovem, colocado para tarefas mais delicadas porque ele tem de reconciliar a família Frelimo, mas não perder o norte e saber que o norte da Frelimo é para uma nova geração que não tem muito défice gnosiológico.

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