segunda-feira, julho 24, 2017

A sociedade civil funciona como meteorologista

O XIº Congresso da FRELIMO realiza-se em Setembro.Tomando em consideração que o Presidente Filipe Nyuse vai procurar garantir coesão do partido rumo às próximas eleições, mas também há um fogo cruzado depois do discurso do SG da ACLLIN (Antigos Conbatentes) que acusou alguns militantes de aderirem ao partido para acomodarem seus negócios.O que pensa o politólogo (professor na Universidade Eduardo Mondlane) João Pereira?
Não tenho esperança em relação à Frelimo. A Frelimo que nos orgulhou não mais voltará. Porque o tipo de pessoas que existiam naquela altura já não existem no seio partidário. Falo de um Jorge Rebelo, Samora Machel, entre outros. Quem tem humildade hoje no seio da Frelimo para dizer que tem seguidores, se a função número um é ter acesso a negócios e a rede clientelista. Hoje a Frelimo não é projecto de uma agenda nacional. A Frelimo é um projecto de acomodação das elites em benefício daquilo que são as riquezas deste país. Falar da ética, pureza dos valores no seio da Frelimo é como se fosses pastor sem seguidores.
Então, o Congresso vai fortalecer uma rede?
O meu problema é como os membros do partido vendem a sua consciência. A Frelimo preocupa-se com quantidade e não qualidade dos membros. Hoje não há filtragem dos membros para desempenharem cargos, muito menos o estabelecimento de um perfil. A única mudança que Nyusi pode deixar aos moçambicanos é a paz. Ele pode aliar-se à sociedade civil, porque esta funciona como meteorologista. Há cinco anos avisamos que Moçambique caminhava rumo ao caos financeiro, chamaram-nos de apóstolos de desgraça, hoje estamos em crise. A nossa política como sociedade civil é despertar a consciência crítica e propostas de soluções.
Quais os expoentes máximos de falta de ética na Frelimo?
A ganância, o enriquecimento rápido, o facto de chegar a casa e te perguntar: Eu trabalhei 40 anos para ter uma cabanazita como é que você arranjou isto e aquilo em tempo record. A queda de valores se instalou neste país com a liberalização económica. Toda a gente quer ser burguês, empresário, negociante... quando perguntas qual é a sua empresa a resposta que te dá é que chama-se lobby.
Comunga da opinião de Carlos Machile de que a Frelimo de hoje perdeu a sua vocação?
Isso não é de hoje, é de há 20 anos. Hoje está mais visível, porque a ganância aumentou. Porquê a sociedade seria diferente da Frelimo, o polícia cobra motoristas nas estradas, na escola paga-se dinheiro para se transitar de classe... É triste ver um partido que tinha princípios para agora estar de rastos e, 40 anos depois de ter nacionalizado tudo, volta a controlar tudo.
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Quem foram os mentores dessa quebra dos valores?
O contexto interno e externo permitiu. Os erros de cálculo de 1975 ao fazerem as nacionalizações e não permitindo a criação de uma burguesia nacional ou terem transformado a burguesia para o desenvolvimento local. Há muitos antigos combatentes que não se beneficiam de nada, e mesmo assim continuam leais à Frelimo, em contrapartida, há um grupo restrito que come em nome de mais 10 famílias de antigos combatentes.
Em entrevista ao SAVANA ano passado dizia que, se o Presidente Nyusi não conseguisse fazer uma ruptura no partido, seria uma grande desilusão para o povo. Um ano depois como olha para suas declarações?
Acho que ainda não conseguiu fazer a ruptura. Não sei se tem hipóteses para fazer grandes rupturas, porque ele não tinha condições suficientes. Para fazer uma ruptura na Frelimo é preciso que tenhas algumas condições: Tinha de ter passado pelo partido como secretário-geral, para montar a sua própria máquina e não teve esse percurso. O partido foi montado para servir a outra direcção, daí que a saída de Guebuza não foi pacífica. Mas também tiraram o indivíduo e não a estrutura por ele montada, por isso que agora está gradualmente a ser mudada. Se calhar, no congresso, [Filipe Nyusi] consiga fazer alguma coisa, mas não vai fazer na totalidade, a sobrevivência de qualquer presidente de partidos como a Frelimo e MPLA obriga alianças com diferentes grupos como dos antigos combatentes, ala de Chissano, de Guebuza e da juventude. Nisto Nyusi está sendo muito habilidoso, o problema é que ele não tem muito tempo para fazer grandes coisas. O seu mandato praticamente já acabou e mesmo que renove, tem apenas mais dois anos de governação. Depois do segundo ano, no próximo mandato, caso renove, o partido vai preocupar-se com o processo de indicação do seu sucessor.
Qual é a sua conclusão, é ou não uma desilusão?

Não é uma grande desilusão, porque hoje entendi a complexidade que ele tinha. Via-o como uma pessoa “outsider”, que poderia fazer uma grande ruptura, mas hoje compreendo melhor a complexidade. Neste momento só poço dizer que o mandato já acabou, se calhar, daqui a dois anos vai descobrir que é o presidente mais abandonado na história do partido. Não teve dinheiro suficiente para desenvolver uma rede clientelista, todos os grandes negócios já tinham sido acomodados na era Guebuza. Todas as grandes infra-estruturas foram feitas na era Guebuza e, para deixar um grande presente aos moçambicanos, as maiores dívidas também foram feitas no mandato anterior.

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