Militante
ferrenho e antigo membro do Comité Central da Frelimo, Carlos Machile .Guebuzista
assumido (foi pela mão do antigo Presidente da República Armando Guebuza,
enquanto secretário geral da Frelimo, que foi membro do Comité Central de 2002
a 2006), Machile não duvida que a Frelimo está infiltrada e que o grande
opositor do partido não é Afonso Dhlakama, mas sim os próprios camaradas.
Produto da escola eclesiástica europeia, o antigo reitor da Universidade Pedagógica,
diz que há pessoas que não querem ouvir falar-se sobre a descentralização, mas,
mesmo sem citar nomes, avisa que, enquanto houver um grupo tão conservador que
pensa que o poder em Moçambique funciona nos actuais moldes, só porque lhes
beneficia. A qualidade do ensino superior em Moçambique foi o mote para a
entrevista com o antigo colega de carteira de figuras como o padre Filipe Couto
e o falecido bispo emérito Dom Jaime Gonçalves. Professor de carreira e um dos
precursores do Sistema Nacional de Educação, Machile, 77 anos, natural do
Niassa, é defensor acérrimo de um ensino virado para a quantidade porque, diz
ele, é na quantidade onde se encontra a qualidade.
Professor, como
é que olha para o actual estágio do ensino superior em Moçambique?
Esta é uma
das conquistas reais dos moçambicanos. O grande problema que tivemos, desde
1975, é o acesso. Infelizmente, em 1993 comete-se uma grande asneira:
introduz-se o exame de admissão porque não havia capacidade de atender o fluxo
no ensino superior. Mas não é por causa da qualidade. Eu sou marxista nisso: a
qualidade só se obtém na quantidade. Onde não há quantidade, não há qualidade,
segundo Karl Marx. Portanto, em 1993, em vez de estudar como manter o acesso,
fizemos a limitação pelo exame de admissão e em 2004 faz-se a Lei do Ensino
Superior que integra o exame de admissão. Em 1995 cria-se a Lei para a criação
de universidades privadas e começámos a trazer muitas universidades parceiras
que fazem o business do ensino superior. Crescemos rapidamente e é muito
positivo, mas o projecto inicial da Frelimo, que é levar a Universidade ao
distrito, foi lento. Começamos a fazer dificuldades de expansão, mas se
expandirmos a Universidade e eliminarmos o exame de admissão e dissermos que
cada pai que quiser pague um pouco mais, as universidades terão recursos e
podem expandir-se. Mesmo uma mãe que vende numa esquina qualquer, pode pagar a
universidade para seu filho.
O facto de o
ensino superior se ter transformado em business não atenta contra a qualidade
de ensino?
Não
atenta, não. O ensino, a educação, é um business que tem de meter dinheiro para
manter o nível e a qualidade de vida do pesquisador e do professor.
Mas essa
perspectiva comercial não põe em causa a qualidade mesmo?
Não,
senhores. E volto a Marx: a qualidade está na quantidade. Eu chamo muitos
daqueles que defendem a qualidade em todas as esquinas, de ruminantes da
qualidade. Você não vai discutir qualidade, neste país, sem quantidade. Onde
não há expansão territorial e quantidade, não há um bom indicador de qualidade.
Meta todos, altere a mente. Vamos aplicar o conceito de Max Weber, o sociólogo
que diz que “ai de nós se na educação, pensarmos mais no professor do que no
aluno”. A expansão da educação e do ensino superior em Moçambique está atrasada
com o ritmo das necessidades.
Mas Professor…
Deixem-me
falar. Nós temos escolas secundárias em todos os distritos deste país. Com o
exame de admissão, quantos ficam de fora cada ano? É justo isso? Ou é para
fazer uma rasteira à Frelimo. A nova geração que quer entrar na universidade
não entra. A UP tem 60 mil candidatos, a UEM 30 mil candidatos e só têm
capacidade para 5 mil em cada ano. Então, para si vale a pena ter muitos
incompetentes ao invés de poucos competentes? Não são incompetentes. É como os
forma. Formas para vida ou para o quê? Mas será que estamos a formar para a
vida? Essa é outra coisa. Vamos discutir isso, que é a relevância da qualidade
e do programa de ensino, mas não vamos fugir do problema do direito fundamental
do moçambicano à educação. Não se pode fugir deste problema falando da
qualidade.
Questione-se o conteúdo programático. E na sua opinião o conteúdo
que se dá nas nossas universidades prepara o Homem para os desafios que se lhe
colocam no nosso contexto? Não o suficiente que queremos porque o mundo está
rápido. A questão é: quantos filhos de Chicualacuala entram na UEM? Poucos ou
nenhum. De Massangena? De Mabote? Não quero ir para o Niassa, lá no mato. Não
têm direitos eles de entrar como os filhos que estão na cidade? Não é uma
rasteira política perigosíssima esta?
A propósito da
rasteira que tanto repisa, dizia-nos, há dias, em conversa, que se a Frelimo
quiser se manter no poder por mais tempo, deve abolir os exames de admissão
para o ensino superior. Quer se explicar melhor?
O exame
de admissão, para mim, tem de ser repensado. Temos de correr urgentemente. Não
se pode criar rancor no cidadão. Não digo população porque esse é um termo
científico estúpido que já entrou na linguagem do meu partido. Digo no cidadão
ou no povo moçambicano. Em nenhuma parte do mundo, hoje, o acesso ao
conhecimento acaba da Escola Secundária. Hoje, a maior parte dos ingressos na
UEM e na UP são jovens de 17 anos. O que tu fazes com um jovem de 17 anos (se
não consegue admitir no exame de admissão)? Nem é maduro para ir à Defesa.
Comecei a pensar que querem sacar a Frelimo do poder porque há uma gera- ção
nova que vem aí, descontente. Tu tens uma geração enorme de descontentes que,
com 17 anos, não tem acesso ao ensino. O que fazem? Meta-os no ensino e muda o
ensino programático. Lutaram muito para eliminar o bacharelato. Porquê? O
estudante entra com 17 anos e acaba por ficar 5 a 6 anos para tirar a
licenciatura. Para quê?
Um exército de
licenciados, isto é, de pessoas formadas, mas no desemprego, não pode também
ser perigoso para o partido?
Eu sou
contra os que produzem este pensamento a dizer que nós temos um exército de
licenciados parasitas. Mentira.
Mesmo pululando
pelas ruas por falta de um emprego?
Ensina-lhes
para terem emprego e fazer auto-emprego. Vamos discutir o conteúdo programático
e não a estrutura.
Portanto, não
preocupa o Professor o facto deste país estar a formar cada vez mais pessoas,
mas em contrapartida, a crescer o número de desempregados formados?
Não. O
desemprego é um problema que temos de discuti-lo política e tecnicamente. O
ensino é só para ser só empregado? Então, vamos discutir o conteúdo
programático, mas não o acesso ao ensino. Porquê temos medo de pegar no ensino
e agitá-lo, não no acesso, mas no seu conteúdo?
Uma das medidas
bastante criticadas do Professor Machile enquanto reitor da UP foi a introdução
do chamado PAGE Planificação e Administração Escolar que, em alguns sectores,
foi visto como uma vulgarização do ensino superior. Acha que foi mal entendido
neste assunto?
Não
entenderam nada e são medíocres. Desculpa ser severo com eles, mas são
medíocres. Aquele Plano, virado também para o público, começou a ser preparado
com 7 pessoas que nós formamos no Instituto Internacional de Planificação de
Educação. Trabalhamos com a UNESCO, fomos para os Estados Unidos da América e
para todo o lado, procurando saber o que é a formação de gestor e abrimos o
curso PAGE. Quero dizer hoje que quase 90% dos administradores distritais
saíram do PAGE ou IPOGEPE da UP. Quase 80% dos técnicos da Autoridade
Tributária vêm do PAGE da UP. E foi o curso melhor organizado e serviu como
matriz de todos os cursos de administração e gestão que hoje estão na UEM, na
Politécnica, etc.
Com a chegada de
Rogério Uthui, como reitor da UP, a PAGE, emprestando um vocábulo da economia
agora em voga, foi “intervencionada”. Acha que ele também é medíocre?
Não
gostaria de responder o exercício do meu sucessor. Ele respondeu a uma
necessidade também, mas ele não era da área da educação, ele veio da UEM para a
UP e não sei o que veio da cabeça do presidente Guebuza para coloca-lo lá
porque não era candidato e nós tínhamos pessoas. Agora, ele tem qualidades
enormes. Eu é que mandei o Uthui para ir se formar na Bielorrússia. Tem
qualidades enormes, agora, não é o que nós queríamos na educação, mas ele
continuou com o projecto de expansão territorial da UP. Meteu outros cursos no
meio ali. Mas aí eu digo que Uthui podia ter sido mais cuidadoso. Neste país
somos ainda 40% ou mais analfabetos. Não acha que a educação ainda é
extremamente prioritária? Em vez de dedicar 90% de atenção na resposta à
exigência prioritária de formar professores, discutir o conteúdo programático
da alfabetização, do primário, do ensino técnico, da universidade e dizer ao
Governo que o caminho é este, começou a meter muitas coisas, que é a vocação
dele: ele é um cientista natural, é um físico. Pode não ter errado, mas tirou a
vocação da UP e compete aos que chegaram agora ir recuperar a vocação da UP
porque é uma necessidade prioritária deste país.
A UP nasceu como
uma instituição vocacionada, exclusivamente, à formação de professores, mas
hoje questiona-se o P, alegadamente, porque de pedagógico a universidade já tem
muito pouco por ter virado as atenções ao bussiness, ou seja, na oferta de
cursos virados ao mercado. Como alguém que se bateu por uma UP verdadeiramente
pedagógica, qual é o seu comentário?
Até
porque podem formar em todas as áreas, mas a prioridade deve ser a sala de
aulas. Isto é que Moçambique precisa.
Neste momento
está na mesa uma proposta para a divisão da UP pelas três regiões do país. Isso
é bom olhando para os desafios actuais e do futuro?
Claro.
Essa proposta nem é nova. É de Chissano, em 1998. O projecto é que a
universidade deve ir ao distrito e não se pode fazer uma universidade para os
distritos de Manica e de Tete, estando em Maputo. Até porque a meta é cada
província com o seu reitor para ser responsável da expansão do ensino superior
no distrito, que é o pólo de desenvolvimento. Em cada distrito há 12ª classe,
então, a Universidade deve ir ter com os jovens e também é um contributo para a
democracia. O ensino superior deve ir ao distrito e se a Frelimo demorar, há-de
fazer o MDM.
Como assim?
Sim, no
dia em que o MDM entrar no poder, há-de fazer isso porque não se vai contentar
de ficar com o que fazemos. Sabe que um dos candidatos a último reitor da UP
foi (Silvério) Ronguane do MDM que chegou a ficar em quarto lugar. Ou a
Universidade vai ao distrito ou a Frelimo morre.(SAVANA)
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