sábado, junho 20, 2020

Melhor forma de lidar é abrir as escolas


O médico Philipe Gagnaux é uma voz dissonante a quase tudo o que já ouvimos sobre a Covid-19. Quando o conselho é ficar em casa, o médico sugere o contrário e invoca os números de Afungi para mostrar o que pode acontecer se nos mantivermos fechados. Paradoxalmente, defende um maior número de infectados (ligeiros) para que se chegue a imunidade comunitária, uma alternativa de combate ao vírus. Esta é uma conversa contra o politicamente correcto que afasta o fantasma da morte que associamos ao coronavírus.

Magazine Indpendente - Olha para estas medidas do estado de emergência, sobretudo o distanciamento social, como suficientes para parar a propagação do novo coronavírus?
Philipe Gagnaux - Sim, por enquanto, manter distanciamento de 1,5 metros entre as pessoas, uso de máscaras e não se juntar mais do que 20 pessoas é suficiente. Mas acho desnecessário fechar escolas primárias e deixar de ir ao trabalho.Não concordo com ficar emcasa. Basta o tal distanciamento social.

Disse que não concorda com o fechar as escolas. Mas defende o distanciamento social. Como isto se ia operar?
Filipe Gagnaux 06 - YouTube
- Primeiro, não defendi obrigatoriamente o distanciamento ou afastamento social. E este não é absoluto. Por exemplo, nos transportes e nos funerais há um número limitado de pessoas. Estas medidas estão no contexto de que não queremos bloquear a epidemia totalmente, apenas atrasar o seu desenvolvimento rápido, com o objectivo de evitar sobrecarregar os serviços de saúde com os raros casos que se podem complicar. Neste mesmo contexto, as crianças, em particular as de menos de 10 anos, são as que não desenvolvem infecção severa. E os jovens e adultos jovens são o segundo grupo menos vulnerável. Daí que, sendo o objectivo principal chegar a imunidade comunitária, as crianças que serão portadoras do vírus por períodos curtos (mais ou menos 3 dias), serão o grupo melhor preparado para assumir esse papel de imunes. As crianças recebem e “aspiram” o vírus da sociedade e ele não é mais transmitido. Levando a “extinção” e interrupção da transmissão do vírus. Portanto, reabrir as escolas poderia ser a melhor forma de lidar com a epidemia.

Mas nós temos relatos de crianças que morreram pela Covid-19.
- Até ao momento não existem crianças de menos de 10 anos que tenham falecido da Covid-19. E quase todos os raros casos de crianças mais velhas e adolescentes falecidos tinham outras co--morbidades.Mas uma coisa certa é que outras viroses (vulgo gripe ou resfriados) apresentam uma mortalidade maior nas crianças.O distanciamento social que não perturbe as escolas e o trabalho (economia em geral) não é grave, mesmo que seja inefectivo. Existem várias teorias que consideram que não se consegue travar o vírus. No entanto, não se sabe ao certo e é um debate que irá continuar por muito tempo. Mesmo os países que fizeram o lockdown total continuam na sua maioria a mostrar perfis de epidemia típicos das infecções respiratórias igual aos que não tomaram medidas tão drásticas. E mesmo se o lockdown fosse eventualmente efectivo em atrasar ou aplanar o pico, ele iria prolongar a epidemia. Ou seja, estaríamos mais tempo sob o estresse de ter que proteger os mais vulneráveis (idosos com co-morbidades).

Entende que nos falta estratégia na gestão do coronavírus?
- Não há indicadores nem marcos para decidir a continuidade das medidas. Apenas se imitou aos outros. São tomadas decisões sem que se tenha raciocinado até ao fim. Não analisamos os cenários todos.Não está definido, nem nos informam, se queremos que a epidemia chegue a imunidade comunitária ou não. Neste caso, não devemos travar a epidemia intensamente, se o fizermos ficamos na casa zero por tempo muito longo.Outra alternativa seria tentarmos bloquear a epidemia para não termos mais casos e ficar totalmente livre do vírus.

Neste caso, teríamos que ficar fechados até que a pandemia termine no mundo inteiro. Será que é fazível?
O comportamento e a forma como informam parece que é esse o objectivo. Dependendo destas reflexões, as medidas têm que ser dirigidas de forma diferente.

Podemos nos permitir testar até onde este vírus nos consegue infectar?
- No sentido individual ou de grupo?

De grupo, de país...
- Os argumentos, ainda não comprovados, por se tratar de uma epidemia nova, são muito convincentes e se baseiam numa lógica e opinião pessoal compartilhada por outros médicos ou epidemiologistas.Os idosos padecendo de co-morbidades na Itália, Espanha e Europa em geral são os responsáveis da alta taxa de fatalidade. As excepções nos mais jovens não se aproximam da fatalidade da gripe, doença que convive connosco desde séculos sem que se pare o mundo por causa dela. Portanto, não tendo Moçambique esses vulneráveis, a nossa taxa de fatalidade não deverá nunca ser preocupante e entrará nas estatísticas normais de fatalidade por doenças respiratórias virais. Daí que dificilmente se justifica as medidas drásticas tomadas. A partir do momento que se tomam medidas que vêem impactar a vida normal dos moçambicanos, pode criar mortes silenciosas, falência de pequenas e médias empresas. Tudo torna-se complicado. O correcto na avaliação de risco seria também avaliar o impacto nas perdas de vidas usando um indicador de “anos vida” perdidos e não “vidas humanas perdidas”. Pois obrigar toda uma sociedade inteira a sacrificar-se por idosos doentes que irão viver mais um ou dois invernos em troca do aumento das mortes silenciosas de jovens é descabido.

Há pesquisas que vaticinam um futuro sombrio da pandemia. Dizem que o pico para África apenas se está a demorar, mas que, quando chegar, os estragos serão tão grandes como os da Europa. Como olha para esta perspectiva?
- Parece-me uma avaliação errónea, baseada apenas em especulações alarmistas. Comparam países com dados sócio-económicos muitíssimo diferentes. Ora, as epidemias são muito diferentes, dependendo das características populacionais e climáticas. Se não temos os vulneráveis (idosos com co-morbidades que morrem no Hemisfério Norte) quem irá morrer para chegarmos a esses números elevados que parecem justificar medidas de paragem da economia? Poderemos, sim, demorar a chegar ao pico. Mas o problema não é a epidemia. Mas sim a taxa de mortalidade. Se a taxa de mortalidade e o absenteísmo forem baixos, a epidemia é benigna.

E estaria a demorar por estarmos a sair do Verão e eles do Inverno?
- Seria uma possibilidade. Por isso, mais uma razão para rapidamente chegarmos a imunidade comunitária antes que chegue o Inverno. No entanto, acredito que os nossos invernos são mesmo assim mais quentes. No entanto, estamos a falar de taxa de infecção por coronavírus alta. Sabemos que mesmo onde a fatalidade é elevada temos mais de 97% de casos ligeiros e na sua maioria assintomáticos. Não faz mal sermos milhões de infectados. Já somos milhões de infectados com herpes, por exemplo, mas não temos taxas elevadas de mortalidade. O infectar em si não é o problema, o que muita gente pensa. As medidas preconizadas fazem pensar que os riscos de morrermos são enormes, o que não é verdade. As nossas crianças têm mais probabilidades de morrer num acidente de chapa ou autocarro do que pelo coronavírus. Mandarmos as crianças para ficar em casa é uma atitude totalmente desnecessária. A agravar, sabe-se que as crianças ficam com o vírus 3 dias e ficam imunes rapidamente. Servindo de aspirador ou tampão para o vírus. O nosso país é maioritariamente de crianças, o que nos permitiria atingir a imunidade comunitária muito rapidamente sem ter mortes.

Algumas vozes defendem que o índice de HIV positivo possa ser uma desvantagem?
- Também considero ser mais uma especulação sobre esse assunto, pois o HIV também existe nos países desenvolvidos e não há registos de que eles estejam mais vulneráveis. Por várias razões, primeiro a seropositividade não é imunodeficiência; segundo, a maioria dos que desenvolvem SIDA apresentam-se doentes e são rapidamente postos sob tratamentos anti-retrovirais. Isto leva a duas coisas:
a) aumento das suas células de defesa para valores normais, o que lhes recupera a imunidade;
b) os tratamentos anti-retrovirais poderiam lhes dar uma protecção contra outros vírus, incluindo a Covid-19.

O que significa, numa espécie de dicionário para leigos, imunidade comunitária?
- Na prática, é quando uma determinada infecção numa epidemia atinge uma percentagem de pessoas infectadas e curadas que bloqueiam a epidemia. Ou seja, ela pára por si só quando o número de curados bloqueia a transmissão do vírus e os casos desaparecem. Ou seja, eu tenho o vírus activo e quando tusso salta para outras pessoas. Mas como apanha a maioria delas já curadas o vírus morre e não se consegue mais espalhar. No caso de doenças respiratórias, isso acontece por volta dos 40 a 60%.

Esperar que o vírus acabe com as pessoas trancadas é humanamente possível?
- Quase impossível nos países em vias de desenvolvimento, como Moçambique. Podemos nunca ser atingidos pela pandemia ou só ter quando surgirem as condições favoráveis, climáticas ou culturais. Mas ficar fechados à espera disso é impossível e/ou as consequências podem ser mais pesadas que a própria epidemia.

Há quem defende o isolamento de Cabo Delgado. Seria válido?
- Depende, se quisermos irradiar o vírus poderia fazer sentido, mesmo se eu não concordasse. No entanto, parece que o objectivo seria atingir uma imunidade comunitária. Aí não faz sentido, pois temos que deixar a infecção espalhar-se de forma
controlada. Por isso, fechar apenas as aldeias seria suficiente.

Com aldeias refere-se a Afungi?
- Sim, por exemplo.

Este aumento exponencial dos casos de coronavírus em Moçambique por conta de Afungi podia ter sido evitado?
- Não sei se chega a ser exponencial, mas o próprio confinamento num acampamento aumenta a “transmissibilidade”, daí que este surto não reflecte o comportamento da epidemia na natureza ou sociedade. É um dos factores que põem em causa o ficar em casa. A partir do momento que o vírus está na comunidade entre 15 e 20% de infectados, incluindo ou sobretudo os assintomáticos. Ficar em casa pode fazer disparar a epidemia (número de infectados). Sair para fora diminui o tempo de exposição ao vírus, o que acontece em locais fechados como o lar de cada família. Também permite apanhar sol (mata o vírus e aumenta a vitamina D).

Poderia [sair de casa] ser um factor protector também contra as complicações eventuais da Covid-19.
- Daí que o afastamento social, mas saindo de casa parece-me ser o mais adequado.

Isto vai contra todas as campanhas mundiais que se têm feito.
- Sim. Mas nota-se já um arrependimento por parte dos países que fizeram lockdown. Estão abrindo aos poucos.A Suécia é um exemplo de não fechar e não está muito pior que os demais. E pode ser que a epidemia termine mais cedo nesses países.A Holanda também. Esta última comparada com a Bélgica vizinha e muito similar no que diz respeito ao clima está aparentemente a safar-se melhor. Note que é a primeira vez que se afasta os saudáveis. Neste caso, deveria afastar-se e isolar-se os vulneráveis e eventualmente os infectados. Mas nunca fechar tudo. Porque de facto este vírus é relativamente benigno nas pessoas saudáveis.


Na perspectiva de imunidade comunitária, os 20 milhões de infectados que o Governo moçambicano perspectiva, no pio no pior dos cenários, não seria um problema assim tão grave.
- Sim. Pode parecer exagerado, mas não é descabido de todo, pois corresponde a cerca de 70% da população. Se a epidemia de facto florir, esse número é possível. As pessoas ainda não perceberam que não faz mal que sejamos todos infectados. O problema é haver muitos severos ao mesmo tempo que precisem de tratamento intra-hospitalar ou que haja muitas mortes. Também há ideia de que vamos todos morrer com este vírus, o que não é verdade. Neste momento, apenas se conhece a taxa de fatalidade, que é o número de identificados positivos que acabam morrendo. É diferente da taxa de mortalidade, que consiste no número de todos os infectados e a percentagem deles que morrem. Mesmo sem dados concretos, acredito que seja inferior a da gripe e viroses comuns. Pelo menos, em certas circunstâncias.

Por: Elton Pila /05.05.20

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