O médico Philipe Gagnaux é uma voz dissonante
a quase tudo o que já ouvimos sobre a Covid-19. Quando o conselho é ficar em
casa, o médico sugere o contrário e invoca os números de Afungi para mostrar o
que pode acontecer se nos mantivermos fechados. Paradoxalmente, defende um
maior número de infectados (ligeiros) para que se chegue a imunidade
comunitária, uma alternativa de combate ao vírus. Esta é uma conversa contra o
politicamente correcto que afasta o fantasma da morte que associamos ao
coronavírus.
Magazine
Indpendente - Olha
para estas medidas do estado de emergência, sobretudo o distanciamento social,
como suficientes para parar a propagação do novo coronavírus?
Philipe Gagnaux - Sim, por
enquanto, manter distanciamento de 1,5 metros entre as pessoas, uso de máscaras
e não se juntar mais do que 20 pessoas é suficiente. Mas acho desnecessário
fechar escolas primárias e deixar de ir ao trabalho.Não concordo com ficar
emcasa. Basta o tal distanciamento social.
Disse
que não concorda com o fechar as escolas. Mas defende o distanciamento social.
Como isto se ia operar?
- Primeiro, não defendi
obrigatoriamente o distanciamento ou afastamento social. E este não é absoluto.
Por exemplo, nos transportes e nos funerais há um número limitado de pessoas.
Estas medidas estão no contexto de que não queremos bloquear a epidemia
totalmente, apenas atrasar o seu desenvolvimento rápido, com o objectivo de
evitar sobrecarregar os serviços de saúde com os raros casos que se podem
complicar. Neste mesmo contexto, as crianças, em particular as de menos de 10
anos, são as que não desenvolvem infecção severa. E os jovens e adultos jovens
são o segundo grupo menos vulnerável. Daí que, sendo o objectivo principal
chegar a imunidade comunitária, as crianças que serão portadoras do vírus por
períodos curtos (mais ou menos 3 dias), serão o grupo melhor preparado para
assumir esse papel de imunes. As crianças recebem e “aspiram” o vírus da
sociedade e ele não é mais transmitido. Levando a “extinção” e interrupção da
transmissão do vírus. Portanto, reabrir as escolas poderia ser a melhor forma
de lidar com a epidemia.
Mas
nós temos relatos de crianças que morreram pela Covid-19.
- Até ao momento não existem
crianças de menos de 10 anos que tenham falecido da Covid-19. E quase todos os
raros casos de crianças mais velhas e adolescentes falecidos tinham outras
co--morbidades.Mas uma coisa certa é que outras viroses (vulgo gripe ou
resfriados) apresentam uma mortalidade maior nas crianças.O distanciamento
social que não perturbe as escolas e o trabalho (economia em geral) não é
grave, mesmo que seja inefectivo. Existem várias teorias que consideram que não
se consegue travar o vírus. No entanto, não se sabe ao certo e é um debate que
irá continuar por muito tempo. Mesmo os países que fizeram o lockdown total
continuam na sua maioria a mostrar perfis de epidemia típicos das infecções
respiratórias igual aos que não tomaram medidas tão drásticas. E mesmo se o
lockdown fosse eventualmente efectivo em atrasar ou aplanar o pico, ele iria
prolongar a epidemia. Ou seja, estaríamos mais tempo sob o estresse de ter que
proteger os mais vulneráveis (idosos com co-morbidades).
Entende
que nos falta estratégia na gestão do coronavírus?
- Não há indicadores nem marcos para
decidir a continuidade das medidas. Apenas se imitou aos outros. São tomadas
decisões sem que se tenha raciocinado até ao fim. Não analisamos os cenários
todos.Não está definido, nem nos informam, se queremos que a epidemia chegue a
imunidade comunitária ou não. Neste caso, não devemos travar a epidemia
intensamente, se o fizermos ficamos na casa zero por tempo muito longo.Outra
alternativa seria tentarmos bloquear a epidemia para não termos mais casos e
ficar totalmente livre do vírus.
Neste
caso, teríamos que ficar fechados até que a pandemia termine no mundo inteiro.
Será que é fazível?
O
comportamento e a forma como informam parece que é esse o objectivo. Dependendo
destas reflexões, as medidas têm que ser dirigidas de forma diferente.
Podemos
nos permitir testar até onde este vírus nos consegue infectar?
- No sentido individual ou de
grupo?
De grupo, de país...
- Os argumentos, ainda não
comprovados, por se tratar de uma epidemia nova, são muito convincentes e se
baseiam numa lógica e opinião pessoal compartilhada por outros médicos ou
epidemiologistas.Os idosos padecendo de co-morbidades na Itália, Espanha e
Europa em geral são os responsáveis da alta taxa de fatalidade. As excepções
nos mais jovens não se aproximam da fatalidade da gripe, doença que convive
connosco desde séculos sem que se pare o mundo por causa dela. Portanto, não
tendo Moçambique esses vulneráveis, a nossa taxa de fatalidade não deverá nunca
ser preocupante e entrará nas estatísticas normais de fatalidade por doenças
respiratórias virais. Daí que dificilmente se justifica as medidas drásticas
tomadas. A partir do momento que se tomam medidas que vêem impactar a vida
normal dos moçambicanos, pode criar mortes silenciosas, falência de pequenas e médias
empresas. Tudo torna-se complicado. O correcto na avaliação de risco seria
também avaliar o impacto nas perdas de vidas usando um indicador de “anos vida”
perdidos e não “vidas humanas perdidas”. Pois obrigar toda uma sociedade
inteira a sacrificar-se por idosos doentes que irão viver mais um ou dois
invernos em troca do aumento das mortes silenciosas de jovens é descabido.
Há
pesquisas que vaticinam um futuro sombrio da pandemia. Dizem que o pico para
África apenas se está a demorar, mas que, quando chegar, os estragos serão tão
grandes como os da Europa. Como olha para esta perspectiva?
- Parece-me uma avaliação
errónea, baseada apenas em especulações alarmistas. Comparam países com dados
sócio-económicos muitíssimo diferentes. Ora, as epidemias são muito diferentes,
dependendo das características populacionais e climáticas. Se não temos os
vulneráveis (idosos com co-morbidades que morrem no Hemisfério Norte) quem irá
morrer para chegarmos a esses números elevados que parecem justificar medidas
de paragem da economia? Poderemos, sim, demorar a chegar ao pico. Mas o
problema não é a epidemia. Mas sim a taxa de mortalidade. Se a taxa de mortalidade
e o absenteísmo forem baixos, a epidemia é benigna.
E
estaria a demorar por estarmos a sair do Verão e eles do Inverno?
- Seria uma possibilidade.
Por isso, mais uma razão para rapidamente chegarmos a imunidade comunitária
antes que chegue o Inverno. No entanto, acredito que os nossos invernos são
mesmo assim mais quentes. No entanto, estamos a falar de taxa de infecção por
coronavírus alta. Sabemos que mesmo onde a fatalidade é elevada temos mais de
97% de casos ligeiros e na sua maioria assintomáticos. Não faz mal sermos
milhões de infectados. Já somos milhões de infectados com herpes, por exemplo,
mas não temos taxas elevadas de mortalidade. O infectar em si não é o problema,
o que muita gente pensa. As medidas preconizadas fazem pensar que os riscos de
morrermos são enormes, o que não é verdade. As nossas crianças têm mais
probabilidades de morrer num acidente de chapa ou autocarro do que pelo
coronavírus. Mandarmos as crianças para ficar em casa é uma atitude totalmente
desnecessária. A agravar, sabe-se que as crianças ficam com o vírus 3 dias e
ficam imunes rapidamente. Servindo de aspirador ou tampão para o vírus. O nosso
país é maioritariamente de crianças, o que nos permitiria atingir a imunidade
comunitária muito rapidamente sem ter mortes.
Algumas
vozes defendem que o índice de HIV positivo possa ser uma desvantagem?
- Também considero ser mais uma
especulação sobre esse assunto, pois o HIV também existe nos países
desenvolvidos e não há registos de que eles estejam mais vulneráveis. Por
várias razões, primeiro a seropositividade não é imunodeficiência; segundo, a
maioria dos que desenvolvem SIDA apresentam-se doentes e são rapidamente postos
sob tratamentos anti-retrovirais. Isto leva a duas coisas:
a)
aumento das suas células de defesa para valores normais, o que lhes recupera a
imunidade;
b)
os tratamentos anti-retrovirais poderiam lhes dar uma protecção contra outros
vírus, incluindo a Covid-19.
O
que significa, numa espécie de dicionário para leigos, imunidade comunitária?
-
Na prática, é quando uma determinada infecção numa epidemia atinge uma
percentagem de pessoas infectadas e curadas que bloqueiam a epidemia. Ou seja,
ela pára por si só quando o número de curados bloqueia a transmissão do vírus e
os casos desaparecem. Ou seja, eu tenho o vírus activo e quando tusso salta
para outras pessoas. Mas como apanha a maioria delas já curadas o vírus morre e
não se consegue mais espalhar. No caso de doenças respiratórias, isso acontece
por volta dos 40 a 60%.
Esperar
que o vírus acabe com as pessoas trancadas é humanamente possível?
- Quase impossível nos países em
vias de desenvolvimento, como Moçambique. Podemos nunca ser atingidos pela
pandemia ou só ter quando surgirem as condições favoráveis, climáticas ou
culturais. Mas ficar fechados à espera disso é impossível e/ou as consequências
podem ser mais pesadas que a própria epidemia.
Há
quem defende o isolamento de Cabo Delgado. Seria válido?
- Depende, se quisermos
irradiar o vírus poderia fazer sentido, mesmo se eu não concordasse. No
entanto, parece que o objectivo seria atingir uma imunidade comunitária. Aí não
faz sentido, pois temos que deixar a infecção espalhar-se de forma
controlada.
Por isso, fechar apenas as aldeias seria suficiente.
Com
aldeias refere-se a Afungi?
- Sim, por exemplo.
Este
aumento exponencial dos casos de coronavírus em Moçambique por conta de Afungi
podia ter sido evitado?
- Não sei se chega a ser
exponencial, mas o próprio confinamento num acampamento aumenta a
“transmissibilidade”, daí que este surto não reflecte o comportamento da
epidemia na natureza ou sociedade. É um dos factores que põem em causa o ficar
em casa. A partir do momento que o vírus está na comunidade entre 15 e 20% de
infectados, incluindo ou sobretudo os assintomáticos. Ficar em casa pode fazer
disparar a epidemia (número de infectados). Sair para fora diminui o tempo de
exposição ao vírus, o que acontece em locais fechados como o lar de cada
família. Também permite apanhar sol (mata o vírus e aumenta a vitamina D).
Poderia
[sair de casa] ser um factor protector também contra as complicações eventuais
da Covid-19.
- Daí que o afastamento
social, mas saindo de casa parece-me ser o mais adequado.
Isto
vai contra todas as campanhas mundiais que se têm feito.
- Sim. Mas nota-se já um arrependimento por
parte dos países que fizeram lockdown. Estão abrindo aos poucos.A Suécia é um
exemplo de não fechar e não está muito pior que os demais. E pode ser que a
epidemia termine mais cedo nesses países.A Holanda também. Esta última
comparada com a Bélgica vizinha e muito similar no que diz respeito ao clima
está aparentemente a safar-se melhor. Note que é a primeira vez que se afasta
os saudáveis. Neste caso, deveria afastar-se e isolar-se os vulneráveis e
eventualmente os infectados. Mas nunca fechar tudo. Porque de facto este vírus
é relativamente benigno nas pessoas saudáveis.
Na
perspectiva de imunidade comunitária, os 20 milhões de infectados que o Governo
moçambicano perspectiva, no pio no
pior dos cenários, não seria um problema assim tão grave.
- Sim. Pode parecer exagerado, mas não é
descabido de todo, pois corresponde a cerca de 70% da população. Se a epidemia
de facto florir, esse número é possível. As pessoas ainda não perceberam que
não faz mal que sejamos todos infectados. O problema é haver muitos severos ao
mesmo tempo que precisem de tratamento intra-hospitalar ou que haja muitas
mortes. Também há ideia de que vamos todos morrer com este vírus, o que não é
verdade. Neste momento, apenas se conhece a taxa de fatalidade, que é o número
de identificados positivos que acabam morrendo. É diferente da taxa de
mortalidade, que consiste no número de todos os infectados e a percentagem
deles que morrem. Mesmo sem dados concretos, acredito que seja inferior a da
gripe e viroses comuns. Pelo menos, em certas circunstâncias.
Por: Elton Pila /05.05.20
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