A
chuva intermitente que caía era afinal o prenúncio. Também houve graniso do
qual ninguém se apercebeu, a não ser o próprio Mariano Nhongo, hospedado na
suíte presidencial do Hotel Polana, a partir de onde ele observa a exuberância do
Índico, sem que o luxo, mesmo assim, lhe retire o foco da sua luta. Chegou na
noite de terça-feira, transportado num hélio das Forças Armadas Zimbabweanas,
que aterrou na base aérea instalada do outro lado do Aeroporto de Mavalane. Foi
tudo feito num secretismo absoluto que até a segurança destacada para o
receber, não sabia de quem se tratava.
Chovia
uma chuva leve, e o silêncio na pista e em todo o perímetro das instalações,
era por demais sepulcural que entre os anfitriões que incluiam oficiais de alta
patente moçambicana, perguntavam-se entre eles afinal quem é esse fulano.
Nhongo saíu do pássaro metálico vestindo uma gabardina preta e um gorro que lhe
cobria completamente a cabeça e uma boa parte do rosto, tornando-o
irreconhecível. Um dos capangas que o aguardavam quis protegê-lo com o
guarda-chuvas, mas o general recusou. Caminhou resoluto para o Range Rover
cinzento luzidio que o esperava e sentou-se no banco da trás. O motorista
tremeu quando viu um homem encapuzado a entrar apressadamente para a vitura.
Parecia um algoz.
Eu
já estava em Maputo há uma semana, discretamente, sem o conhecimento do editor,
alojado no quarto contíguo ao que acolheria um homem cujas acções, façanhas
para outros, podem ter já superado a sua
condição de pessoa vulgar. Nunca o vi pessoalmente, mas ele é que me escolhe
para a materialização da entrevista, e não poderia questionar sobre esta
preferência. Lembrei-me de um dia que Deus disse a Moisés, vai ao Egipto
libertar os filhos de Isarael! E Moisés perguntou, porquê que tenho que ser eu?
E Deus trovejou como o Leão dos Céus, porquê que não tens que ser tu?
Estou
deitado com o televisor desligado num quarto sumptuoso que nunca antes
imaginara. Mas também já superei há muito os materiais da vida. Desactivei os
dados do meu celular para que o silêncio tome livremente conta do meu espaço.
Aliás, do espaço onde me colocaram. Quero ouvir os movimentos da chegada do
General de Gorongosa, já que ele me avisara, através do telefone ligado
directamente ao satélite, que a entrevista aconteceria ainda naquela noite.
Alguém
bateu à porta dos meus aposentos, sem que antes tivesse havido qualquer sinal
indicando a chegada de uma figura temida. Era estranho porque devia receber
antecipadamente uma informação da recepção. Mas, nada! Perguntei quem era, e do
outro lado respondeu-me o mutismo. Saltei da cama apressadamente, já estava
vestido, calçado e tudo, como se
estivesse no teatro das operações, sob comando de Nhongo. Peguei no gravador e
no bloco de notas e disse, Deus, seja feita a Tua vontade.
Abri
a porta e dei-me com dois homens dessimuladamente armados, do tipo furtivos.
Balancei de medo na espinha, mas logo recompus-me. Olharam para mim de cima a
baixo sem falarem, e logo a seguir indicaram-me a entrada ao lado onde supus
estar o general, o próprio Nhongo. Entrei de mansinho e vi um personagem
sentado tranquilamente na plotrona, de pernas cruzadas e as duas mãos por sobre
o joelho direito. À mesinha de centro uma garrafa indisfarçada, dois copos que
foram abastecidos na minha presença, ao mesmo tempo que o meu anfitrião
indicava-me o lugar que me colocaria frente a frente com ele.
A
suite, sob luz ténue, ficou impregnada com o aroma agradável de algo que
reconheci ser aguardente de massala. Mariano Nhongo já não se cobria com o
sinistro gorro, porém continuava com a gabardina. Bebeu num trago o conteúdo do
copo sem cerimónias, e o que me disse logo a seguir foi de tal maneira
inesperado que o seu sentido ganhou a
dimensão da espada. Falava como se tudo estivesse sintetizado naquelas
palavras. Ele disse assim, enquanto a preocupação forem os ganhos individuais
ou de grupos, então jamais vai amanhecer em Moçambique.
E
eu não sei se isso não é hipocrisia!
·
* Texto
imaginário de autoria de
Alexandre
Chauque
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