As organizações
da sociedade civil ambientalistas, nomeadamente, Amigos da Terra e Justiça
Ambiental, acabam de lançar uma campanha de apoio e solidariedade a favor de
Cabo Delgado. Karin Nanser, Presidente da Associação Amigos da Terra e Anabela,
Directora da Associação Justiça Ambiental, afirmam que a indústria do gás está
a devastar a região mais a norte de Moçambique, à medida que as elites e as
empresas transnacionais pilham os seus recursos e devastam as comunidades.
“Como todas as indústrias extractivas, a extracção de gás em Moçambique está a
alimentar abusos dos direitos humanos, a pobreza, a corrupção, a violência e a
injustiça social. Isso terá consequências graves para um país já vulnerável aos
impactos das alterações climáticas, como os dois ciclones catastróficos de
2019”, argumentam no documento a ser enviado ao Governo moçambicano e à ONU no
dia 25 de Junho, que coincide com a data dos 45 anos da Independência Nacional.
Actualmente, de
acordo com aquelas duas organizações ambientalistas, a soberania de Moçambique
depende, não do povo de Moçambique, mas dos investidores e de outros Estados.
“Com a solidariedade internacionalista podemos lutar para corrigir este erro:
impedir as empresas de assinar contratos de exploração e concessão; impedir os
financiadores de investir; impedir as empresas transnacionais e os países do
Hemisfério Norte de ditarem a dependência de Moçambique dos combustíveis
fósseis; impedir as comunidades locais de perderem as suas casas, territórios,
terras e meios de subsistência. A actual via de desenvolvimento da exploração
dos combustíveis fósseis em Moçambique está a resultar na perda dos meios de
subsistência das comunidades, em violações dos direitos humanos, na destruição do
meio ambiente e no agravamento da crise climática”, lamentam as organizações.
No seu apelo de apoio e solidariedade, as organizações Amigos da Terra e
Justiça Ambiental referem que até agora foram descobertos 150 triliões de pés
cúbicos de gás ao largo da costa de Cabo Delgado.
Os participantes do sector
incluem os gigantes dos combustíveis fósseis Eni, Total, Anadarko, Shell,
ExxonMobil, Galp, Chinese National Petroleum Corporation, Bharat Petroleum,
Korea Gas Corporation e Mitsui, entre outros. A construção de instalações
onshore para apoiar a prevista extracção de gás offshore está a empobrecer a
agricultura rural e as comunidades pesqueiras. Agora a indústria do gás fez de
Cabo Delgado o hotspot do Covid-19 em Moçambique. Explicam que as empresas transnacionais
já forçaram mais de 550 famílias a abandonar as suas casas, usurparam as suas
terras e cortaram-lhes o acesso ao mar
“Arrasaram
aldeias inteiras, deixando comunidades sem meios de subsistência, criando uma
crise alimentar. Em compensação, as empresas ofereceram às comunidades locais
terras com apenas um décimo da dimensão das parcelas originais, longe das suas
casas de realocação – uma clara violação dos direitos dessas comunidades de
permanecerem nos seus territórios”, denunciam. Outra situação que reforça o
documento daquelas organizações ambientalistas prende-se com os ataques
terroristas que estão a dar lugar à militarização e ao medo. Com o efeito,
relatam que durante quase três anos, as comunidades de Cabo Delgado têm sido
alvo de ataques brutais cada vez mais frequentes por parte de insurgentes e
extremistas. Mais de 100.000 pessoas foram desalojadas, as suas aldeias
queimadas e jovens mulheres foram raptadas, algumas delas estão desaparecidas
há meses.
No entanto, para Karin Nanser e Anabela Lemos, a resposta do Governo
de enviar os militares apenas incutiu mais medo nas próprias comunidades que
eles supostamente devem proteger. “Os soldados estão a abusar do seu poder,
impondo um recolher obrigatório ao acaso e agredindo fisicamente a população
vulnerável. As pessoas receiam abandonar a aldeia para irem às suas machambas,
podendo ser atacadas por extremistas, ou confundidas com extremistas pelos
militares. O verdadeiro papel dos militares na região é claramente o de
proteger as empresas transnacionais e não as pessoas. A Exxon Mobil e a Total
apelaram ao Governo, em Fevereiro, para que enviasse mais tropas para a sua
protecção”, consideram.
Noutro diapasão,
afirmam que os projectos de gás estão a perigar a saúde da população e o meio
ambiente. “Estas mesmas empresas transnacionais de combustíveis fósseis
gabam-se da sua alegada preocupação com o meio ambiente, promovendo
“estratégias de descarbonização” e o apoio à conservação da natureza. Enquanto
isso, assinam novas concessões de exploração de gás com o governo moçambicano e
trabalham neste projecto de gás que irá destruir irreversivelmente espécies de
corais e peixes ameaçadas do Arquipélago das Quirimbas, uma biosfera da UNESCO
ao largo da costa de Cabo Delgado”.
Paralelamente,
assiste-se a situações de jornalistas moçambicanos que são presos ou detidos
com base em acusações falsas, por reportarem sobre a indústria do gás e os
ataques. “O jornalista Ibrahimo Abu Mbaruco está desaparecido desde 7 de Abril.
A sua última mensagem foi a informar a sua mãe que os militares o estavam a
prender. Muitos acreditam que ele entretanto tenha sido morto. Um membro muito
eloquente da comunidade, o Sr. Selemane, de Palma, desapareceu no dia 20 de
Maio, 24 horas depois de se ter pronunciado contra os maus tratos e a natureza
pesada dos militares na área. Continua desaparecido no momento da redacção
deste documento”. Escrevem ainda que Cabo Delgado é agora o epicentro da
pandemia do Covid-19 em Moçambique. “.
Foi a indústria de gás que trouxe
Covid-19 em Moçambique. O primeiro caso confirmado foi um funcionário
estrangeiro no estaleiro de construção da Total, e no prazo de duas semanas os
funcionários da Total constituíram dois terços dos casos do Covid-19 em
Moçambique. Embora os funcionários infectados da Total estejam isolados no
local, cozinheiros, funcionários da limpeza, seguranças e outro pessoal são
trazidos diariamente das aldeias vizinhas para os atender. Embora a Total tenha
começado a testar os seus próprios funcionários, foram feitos esforços inadequados
para testar e proteger as comunidades locais”, referem. No seu apelo à acção em
prol de Cabo Delgado, as Organizações Amigos da Terra e Justiça Ambiental fazem
exigências aos investidores e corporações transnacionais e ao governo. Aos
investidores e às corporações transnacionais “exigimos que todas as empresas
transnacionais, todos os compradores e todos os investidores envolvidos na
extracção de gás em Moçambique cessem desde já todas as actividades”.
Ao Governo
moçambicano exigem que “acabe com a exploração de gás e de combustíveis fósseis
em Moçambique e não fazer mais concessões, optando antes por uma via de energia
renovável baseada nos povos, uma vez que a actual via energética está a
destruir os meios de subsistência do povo, o meio ambiente e a agravar a crise
climática. Exigimos que o Governo moçambicano deixe de colocar as empresas
transnacionais à frente do bem-estar do seu povo. Exigimos que o Governo de
moçambique liberte o jornalista Ibrahimo Abu Mbaruco e o membro da comunidade
Sr. Selemane, e que abra uma investigação transparente sobre as razões dos seus
desaparecimentos. Exigimos que o Governo de Moçambique cesse todas as detenções
e prisões aleatórias de jornalistas, activistas e civis inocentes, ponha fim à
censura dos meios de comunicação social e acabe com a atmosfera de medo”, lê-se
no documento na posse da reportagem do PÚBLICO
Por ANSELMO SENGO.
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