A palavra crise tem sido amiúde utilizada nas últimas semanas. Crise económica (desvalorização do metical,subida de preços, taxas de juro, etc.). Crise social. O último texto do Economicando referia-se à crise da maioria da elite moçambicana e da política. Este artigo dedica-se à crise de competência.Entende-se por competência de uma pessoa, grupo ou organização, a capacidade existente de alcançar os objectivos pretendidos (eficácia), com o mínimo de recursos (eficiência, definida como a relação entre o output e o input, incluindo o factor tempo), de forma competitiva (capacidade de conquistar mercados e a preferência dos actores do lado da procura) e com a realização de um bem ou serviço de qualidade. Revêem-se um conjunto de factos e realizações recentemente acontecidos ou previstos em Moçambique e verificar sobre a competência dos actores envolvidos. Optou-se entre outros, pelos seguintes casos.
• Previam-se benefícios derivados da realização do mundial de futebol na África do Sul. Moçambique não mereceu a preferência de qualquer selecção nacional para estagiar , ao contrário das expectativas difundidas. O estádio do Zimpeto não foi nem está concluído. Os novos edifícios do aeroporto de Maputo sofrem sucessivas derrapagens financeiras, rupturas de recursos e interrupções nas obras. A fronteira única com a África do Sul entrou em funcionamento após a conclusão do mundial. A entrada de turistas devido à proximidade da África do Sul ficou muito aquém do expectável nos discursos e as entradas e saídas de pessoas de Maputo que se deslocavam à RAS para assistir a alguns jogos distorcem as estatísticas já por si com números baixos.
• A realização dos jogos da CPLP em Maputo parece ter sido um fracasso desportivo (4º lugar para Moçambique). Campos com balneários não apresentáveis. Relvados de campos e pistas de atletismo em estado lastimoso.
• A realização do mundial de hóquei em patins previsto para Maputo foi cancelado e mudado para outro país por atraso na preparação de infra-estruturas e demais condições logísticas. O organismo nacional veio angelicamente a público referir não compreender a decisão do organismo que dirige a modalidade a nível mundial.
• A novela do corpo técnico da selecção nacional somou trapalhadas, confusão de funções e mandatos institucionais mesclados com claras dificuldades relacionais entre pessoas.
Mas não é só no desporto:
• Pelo que se foi conhecendo dos órgãos de informação, a anunciada mudança da FACIM para Marracuene foi adiada. Problemas nas relações de trabalho, de despedimentos reclamados pelos trabalhadores e dúvidas sobre a especulação imobiliária dos terrenos.
• Numa reunião recente, o Magnífico Reitor da UEM anunciou a mudança da faculdade de agronomia para o Sabié. Sem condições para a instalação da faculdade (infra-estruturas pedagógicas, acomodação de docentes, estudantes e funcionário, etc.), a decisão diz-se ser irreversível e para cumprir. Se assim for e da forma como se anuncia, será provavelmente mais um passo contra a qualidade do ensino superior que tão mal tem sido tratada.
• As forças policiais têm dificuldades em reduzir a onda dos crimes, incluindo do violento e muitas vezes de detectar e deter os criminosos.
• Quando existe uma visita de um responsável a um território (distrito ou província), os informes locais revelam sempre elevadas taxas de crescimento da produção agrícola. A soma de todas essas taxas ao longo dos últimos anos, certamente que não resultaria na queda de cerca de 40% da produção de alimentos per capita nos últimos cinquenta anos (em Estratégia de Desenvolvimento Rural, MPD). Também há situações interessantes na política.
• Comerciantes na Zambézia são multados por não estarem presentes no comício do governador aquando da sua visita a um distrito. Parece-se voltar ao tempo em que era quase obrigatório ir aos comícios. Recordei-me de um caso num distrito de Cabo Delgado após a independência, também envolvendo um comerciante, que foi “arrancado” do seu quarto, transportado na sua cama e obrigado a assistir ao comício deitado no meio da multidão.
• A divulgação por um governador provincial do seu número de telemóvel em pleno comício para que qualquer cidadão lhe pudesse telefonar não tem qualificação. Os conceitos de demagogia e populismo são insuficientes para reflectir o acto. Deixa-se ao leitor a atribuição da palavra/conceito que lhe pareça mais ajustado.
• O posicionamento de responsáveis da FRELIMO acerca da propriedade do Museu da Revolução tem pouca consistência. Ninguém nega o papel da FRELIMO no processo Moçambicano após 1962. Mas duvida-se da monopolização dos processos apenas a uma organização, seja qual for e em que realidade acontecer. Admitindo-se que não é incorrecto utilizar o conceito e a palavra revolução (o que é duvidoso), muitas organizações e pessoas que não eram nem são da FRELIMO nela participaram. Em linguagem politica oficial, foi o povo que fez e revolução “unido e organizado pela FRELIMO”. Mas o povo não é a FRELIMO nem esta é o povo. Mais, um museu quem procura ser o espelho de uma época da história, é património de um povo, é um bem público que a todos os cidadãos pertence. É legítimo poder haver um museu da FRELIMO mas a revolução, se houve, não é património monopolista de uma organização. FRELIMO, revolução e povo são coisas distintas. Este conjunto de factos irrefutáveis revelam claramente incompetências, porque: (1) ou objectivos não foram alcançados, ou foram-no fora dos prazos; (2) a eficiência não é representada por derrapagens financeiras e ruptura de recursos; (3) a qualidade dos resultados e dos produtos (bens e serviços) são aquém do previsto. Mas não menos grave que as incompetências medidas pela ineficácia, ineficiência, baixa competitividade e fraca qualidade dos produtos e serviços, são as trapalhadas organizativas, a mescla de inconsistência, incoerência e arrogância de alguns discursos e decisões, a descoordenação institucional, a ausência de programação e de rigor na realização das tarefas. Em resumo, crise de competência. Quando escrevia duvidei acerca do título deste texto. Evitou-se a palavra vergonha. Mas de facto, tudo isto, é também uma vergonha. Para quem a tem! Porque também há crise de vergonha.(Economista João Mosca)
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