Para além
das vítimas mortais do desastre aéreo ocorrido em Mbuzini, (19/10/86) houve as vítimas da
desinformação. Vítimas, cujo número se vai multiplicando em cada ano que passa.
São vítimas permanentes, eternas da desinformação na continuidade. Vítimas de
uma história que começou por ser deliberadamente mal contada para que na mente
das pessoas, e das gerações vindouras, ficasse gravada uma versão adulterada de
um acidente aéreo.O acidente de aviação em Mbuzini foi talvez o mais fácil de
explicar. Ocorreu nos derradeiros momentos do voo, quando as comunicações entre
a aeronave e o aeroporto de destino decorriam com normalidade. Mecanicamente, a
aeronave funcionou sem quaisquer anomalias. Foi possível recolher os dados
técnicos do voo, inspeccionar os destroços, obter depoimentos dos sobreviventes
o que permitiu reconstituir com precisão o que realmente havia sucedido antes
do desastre e as razões do despenhamento do avião. Sem margem para quaisquer
dúvidas.
Mas houve
quem pretendesse transformar o desastre num mistério, antes sequer do início
das investigações. Recorreu-se à desinformação, orquestrada a partir de Maputo
e de Moscovo. São conhecidos os que consciente ou inconscientemente agiram como
agentes da desinformação. A estes sucedem-se novos agentes, como que a manter
viva uma versão meticulosamente construída, divorciada da realidade e da lógica
– e do bom senso. Os novos agentes não diferem dos antigos: desconhecem as
circunstâncias do desastre, não se esforçam por estudá-las ou aconselharem-se
junto de quem de direito. Mas são tidos como pessoas de renome, as tendências
políticas de cada um – todas inseridas num mesmo espectro – um valor
acrescentado. Com a mesma arrogância e desplante, decidem à sua maneira o que
terá acontecido há mais de três décadas, omitindo factos e passando sobre
regras e princípios de aeronáutica, contribuindo assim para escandalosa e
flagrante adulteração de um episódio recente da história de Moçambique.
Pedro de
Pezarat Correia integra a nova geração de agentes da desinformação. Faz parte
dos que desinformam por insinuação. Não são, portanto, directos, tornando-se
óbvia a intenção de dar consistência a teses de conspiração. Pezarat Correia é
militar de carreira. Especializou-se em Ciências Militares. Em afamada
universidade portuguesa, instalou e leccionou a cadeira de Geopolítica e
Geoestratégia. É autor e co-autor de muitas dezenas de livros e trabalhos sobre
geopolítica e geoestratégia, estratégia e conflitos, guerra colonial e
descolonização. A seu favor, o facto de ter integrado o movimento que em Abril
de 1974 derrubou o regime vigente em Portugal. É, pois, um «Capitão de Abril»,
de “esquerda”, naturalmente credível, o que diz ou escreve aceite como válido –
depois repetido por quem o lê e dele aprende. Nada no perfil de Pezarat Correia
que indique ter conhecimentos de aeronáutica, ou que tenha dedicado tempo a
estudar questões de aviação para que pudesse assentar em bases sólidas o que
defendeu sobre Mbuzini em livro recentemente publicado. (1) Numa simples frase
revelando a ignorância do autor sobre as circunstâncias do acidente que vitimou
Samora Machel, lê-se que “as causas do acidente e o eventual envolvimento da
África do Sul continuam envoltas (sic) em mistério e nem o fim do apartheid
permitiu que o processo fosse reaberto e definitivamente esclarecido”.
George
Bizos é advogado. Notabilizou-se em casos de direitos humanos, envolvendo
presos políticos do regime do apartheid, incluindo Nelson Mandela. É próximo do
ANC e da família Mandela. Conheceu Graça Machel em casa de Nelson Mandela. Em
livro de memórias, (2) Bizos afirma ter ficado “impressionado com a
determinação de Graça Machel em provar que os militares sul-africanos eram
responsáveis pela morte de Samora Machel”. Bizos é apologista da teoria da
conspiração. Tal como Pezarat Correia e outros autores, (2) deixa transparecer
uma profunda ignorância sobre questões de aviação e das circunstâncias do
acidente, afirmando – melhor, repetindo – que “o piloto pensava que estava
prestes a aterrar, confundidos que estavam por faróis falsos, que os
moçambicanos afirmam terem sido instalados pelos militares sul-africanos”.
Daniel L.
Douek é um académico canadiano. Em 2017 publicou um estudo, cujo título é
esclarecedor: “New light on the Samora Machel assassination: ‘I realized that
it was no accident’”. O autor baseou-se em depoimentos feitos perante a
Comissão da Verdade e Reconciliação (TRC) da África do Sul.A TRC não estava
habilitada a investigar desastres de aviação. Nenhum dos membros do painel da
TRC, incluindo o seu presidente e a jornalista que desempenhou as funções de
consultora, possuía formação em aeronáutica.
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1. «… da
descolonização. Do protonacionalismo ao pós-colonialismo», Porto. 2017, p. 332.
2. George
Bizos, “65 Years of Friendship”. Umuzi, Cape Town, 2017, p. 36.
3. Joseph
Hanlon e Marcelo Mosse, “Mozambique’s Elite – Finding its Way in a Globalized
World and Returning to Old Development Models”, UNU-WIDER, Helsínquia, 2010.
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