Ngoenha
qualifica como “legalismo e juridismo” o posicionamento dos dois órgãos;
demonstra uma certa promiscuidade entre o partido no poder, Frelimo, e as
instituições do Estado. Defende que instituições como CC não têm apenas a
missão de aplicar leis para punir, mas também para ensinar. Manifestando
preocupação com os conflitos que se têm verificado nos períodos eleitorais no
país, Severino Ngoenha considera que as forças vivas da sociedade devem dar o
seu contributo em prol da democracia, pois “todos estamos a meter petróleo no
fogo”.
Na
entrevista ao SAVANA,
Severino Ngoenha lançou um olhar sobre o processo eleitoral em curso,
enfatizando que é preciso que as leis se subordinem ao espírito e não apenas à
letra. Prevaleceu o legalismo na decisão da CNE e do CC e não se teve em conta
o espírito da lei, da CRM, das reformas, da segunda república e do espírito do
diálogo que o PR e o malogrado líder da Renamo levaram a cabo, entende Ngoenha.
“É
preciso ter em conta que nós nascemos na segunda república, a nossa democracia
nasceu em busca da paz e esta paz não pode ser negociada e não pode haver
nenhuma lei ou procedimento jurídico que possa nos trazer a guerra, sendo que,
caso haja espaço para que isso aconteça, que seja sacrificada a própria lei”,
destacou. Severino Ngoenha lamenta o que considera falta de clareza nos debates
internos para a indicação dos cabeças-de-lista dos partidos e a exclusão de
candidaturas ou listas.Sublinhou que colaboraram também os meios de comunicação
social e intelectuais, porque os debates levados a cabo não foram sãos.
“Estamos
todos a meter petróleo no fogo e sabemos que o nosso país muito rapidamente pode
cair em situação de conflito. Participação democrática sim, debate de ideias
sim, manifestação de consensos e dissensos sim, mas temos de nos recorder que a
democracia é antes de mais um dissenso consentido. Dissenso quer dizer que
temos ideias diferentes, mas temos um sentimento de podermos manifestar as
nossas ideias”, disse.
Severino
Ngoenha criticou o legalismo e “juridismo” na rejeição de candidaturas às
eleições autárquicas, considerando que as instituições de justiça devem assumir
uma função pedagógica e não necessariamente de punição. Acrescenta que é dever
das instituições ajudar os partidos no processo de aprendizagem de modo a
actuarem dentro das normas. “Se é necessário que a gente crie instituições para
ajudar os partidos a concorrer e apresentar a documentação de uma maneira clara
e legítimaentão que façamos. Mas não pode acontecer que a gente entre novamente
em encrencas em nomede aplicação de uma lei. São coisas que se olhar para o
direito são importantes,mas se olhar o espírito da lei são pequenas”, frisa.
Insistiu que, em processos do género, o mais importante não é a eliminação de
pessoas por não terem apresentado todos os documentos ou por terem renunciado a
um mandato anterior. Estabeleceu uma comparação com o Campeonato de futebol que
ao eliminar, por exemplo, equipas como Maxaquene, Ferroviário
ou Costa do Sol por não apresentarem documentos não haveria campeonato e todo o
país ficaria a perder. Numa democracia, sublinha o filósofo, é interesse da
nação, que participem todos aqueles que são considerados pelos respectivos partidos
como os melhores. “Eliminar partidos é como eliminar equipas de futebol,
eliminar cabeças- de-lista é como eliminar bons jogadores e quem fica a perder
no futebol é o espectáculo e no país é a democracia que falha”, enfatiza.
Com
a campanha eleitoral já em curso, Severino Ngoenha é de opinião que a democracia
moçambicana sai fragilizada, porque não discute temas de fundo no país, mas centra-se
em pessoas, histórias de partidos, passado glorioso e outros assuntos
irrelevantes. Refere que o país enfrenta problemas que precisam de ser
resolvidos e que nas campanhas anteriores não foram
objecto de análise. Anota que do pouco que tem ouvido das pessoas que vão a
campanha pouco tem evidenciado questões profundas do povo. “Os partidos, quando
concorrem para o poder, o que fazem é tentar, com muita demagogia, dizer que vão
mudar o mundo interior e que o amanhã vai ser melhor e que depois de amanhã os
problemas que temos vão se modificar radicalmente”, assinala.
Os candidatados
recorrem a muita demagogia para esconder a falta de interesse ou incapacidade
de fazer frente aos problemas concretos com que as pessoas estão confrontadas, disse.
Apelou aos intelectuais e aos meios de comunicação social para tomarem a
dianteira no debate público, questionando as soluções ou projectos dos
candidatos em relação aos principais problemas dos moçambicanos, como emprego,
qualidade de ensino, crise económica, criminalidade entre outros.
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