O compromisso do presidente angolano com o combate à
corrupção é o assunto político do dia. Ele fez o que ninguém esperava e atirou
para a prisão o filho do ex-presidente. Há generais em debandada e o cerco se
aperta sobre as pessoas suspeitas de terem roubado dinheiro do País. Na Pérola
do Índico cresce a esperança de que se siga o exemplo de Angola e, surprise,
surprise, se meta na prisão os “bandidos” que contraíram dívidas à revelia do
parlamento. Quem diria que um dia Angola seria o exemplo de probidade e
integridade pública para Moçambique? Podemos aprender de Angola? Talvez no
desporto, mas na política (ainda) não.
Primeiro, não há absolutamente nada de novo na actuação do
presidente angolano. Tem sido característica de regimes autoritários perseguir
as pessoas ligadas ao anterior governo. Nos regimes totalitários era até comum
mandar executar nas famosas purgas. Em Moz toda a mudança de timoneiro foi
acompanhada do afiar de facas contra os outros. Doutro modo como explicar
termos como “Chissanistas”, “Guebuzistas”, etc.? Segundo, a luta contra a
corrupção não tem nada de novo. Na mudança de Chissano para Guebuza ela levou à
prisão um ex-ministro. O discurso todo de Guebuza foi em grande medida, muito
por obra dos seus assessores, uma crítica ao seu predecessor. Os montantes em
Angola são mais altos e as pessoas indiciadas parecem mais intocáveis porque
aquele País viveu nas trevas políticas durante quase quatro décadas. Meter na
cadeia o filho do ex parece grande obra, mas não é. Conforme eu disse numa
entrevista aquando da tomada de posse do actual presidente angolano, naquele
tipo de sistema assim que você fica presidente, todo o poder vai para si.
Terceiro, até aqui a actuação do presidente angolano é voluntarista e,
portanto, por enquanto insustentável a longo prazo. Mais uma vez: tivemos a
mesma coisa com Guebuza. Lembram-se do ministro da saúde que andava aí em rusgas?
Deixou a saúde melhor? Pois.
João Lourenço faz parte dum fenómeno curioso no nosso
continente. Vemo-lo na Tanzânia, na Etiópia, no Uganda e, sobretudo, no Ruanda
onde atingiu altos níveis de paroxismo. Consiste na ideia de que o único que
faz falta para que os países se desenvolvam é um presidente com pulso firme que
não tolera a indisciplina e o desrespeito ao povo. E como estamos em África
batemos palmas a esse tipo de líder quando aparece. É compreensível. Os messias
são fenómenos de tempos de crise. A crise faz de muitos de nós crédulos e,
portanto, pouco abertos à razão. A fé dá mais conforto do que a razão. Nós
queremos acreditar que as coisas podem melhorar se tivermos a pessoa certa
naquele lugar. Não há, da parte desses timoneiros, nenhuma intenção maldosa ou
obscura. Eles também querem o bem do povo, acreditam piamente na ideia de que
coisas como corrupção e impunidade é que inviabilizam os seus países. Na
verdade, o facto de acreditarem nisso faz deles pessoas normalíssimas de quem,
por uma questão de prudência, não devíamos esperar muito.
A África não precisa de timoneiros com pulso firme, mas sim
com a cabeça no lugar. Ter cabeça no lugar é saber resistir ao senso-comum, ter
noção dos seus próprios limites e acima de tudo ter consciência de que a
política só é sustentável quando não depende apenas da boa vontade de quem
manda. Este é o grande desafio para a África. É claro que estaríamos a exigir
demais dum político, ainda mais um político que se formou dentro de sistemas
politicos autoritários, que tivesse um maior compromisso com a ideia
republicana do que os seus conterrâneos. Mas o problema está aí mesmo. Só
promovendo a ideia republicana é que chegaremos lá. Isso significa que
precisaríamos de definir a república em relação a algum valor supremo. Os
europeus fizeram-no ao longo do tempo em relação à liberdade. É um valor útil
para nós também se partirmos do princípio de que somos produtos de lutas de
libertação.
Tenho em mim, porém, que anterior à liberdade foi a dignidade
humana, valor constantemente espezinhado por um entendimento problemático de
política nos nossos países. Precisamos da república para defendermos a
dignidade humana – de angolanos e de moçambicanos. Dito doutro modo, a luta
contra a corrupção não é prioritária no sentido em que se fala por aí. É
importante na medida em que nos permite recuperar a dignidade humana. Só que
essa luta não se faz (apenas) encarcerrando os corruptos. Faz-se respondendo à
seguinte pergunta: o que é necessário para garantir a dignidade humana? É claro
que não é um País sem corrupção. É, sim, um País onde se criam e fortalecem
instituições com a vocação de proteger e promover a dignidade humana. Mais
concretamente, precisa-se dum País onde as pessoas são cidadãs, portanto, veem
os seus direitos protegidos por instituições (e não pelo Presidente) e
promovidos por uma cultura política que não depende do voluntarismo
presidencial, mas sim do funcionamento de instituições sobre as quais as
pessoas podem exercer a sua influência fiscalizadora.
Não é, infelizmente, isto que está a acontecer em Angola, na
Tanzânia, no Ruanda e na Etiópia. É o mesmo de sempre, o que levanta o espectro
da “reacção” no sentido marxista-revolucionário do termo em que os maus hábitos
do passado vão se clonar usando a linguagem da probidade para continuarem a
fazer o mesmo de sempre. Foi o que aconteceu com Guebuza. Estava cheio de boas
intenções, mas deixou-se que muito dependesse dele, o que, consequentemente,
criou condições de reprodução de estruturas “corruptas” com capacidade para
inviabilizarem a mudança.
Não há salvação no voluntarismo por muito bem intencionado
que ele seja.(Por Elisio Macamo in facebbook)
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