A imagem que aqui se reproduz foi publicada na primeira
página do diário «Notícias» de Maputo. A edição é de 6 de Novembro de 1986. O antigo Presidente Joaquim Chissano está sentado ao lado de
Vladimir Novoselov, Mecânico de Bordo do Tupolev 134-A, que se despenhara em
Mbuzini cerca de duas semanas antes, com o Presidente Samora Machel(foto 3) a bordo.
Segundo a reportagem do «Notícias», Chissano havia-se deslocado à
Missão Comercial soviética em Moçambique para apresentar cumprimentos de
despedida a Novoselov no mesmo dia em que este partiu para Moscovo.Para a maioria dos leitores, a partida de
Novoselov, a 5 de Novembro, não tinha significado especial. À primeira vista,
tratava-se do regresso de um cooperante ao país de origem, se bem que em
circunstâncias diferentes dos demais. Cerca de 10 anos mais tarde, porém, a
saída de Novoselov adquiria outros contornos.
Em 2007, Jacinto Veloso (à direita de G.Bush/pai) de, ex-ministro da segurança e
membro do Bureau Político do Partido Frelimo, publicou em Maputo «Memórias em
Voo Rasante». No livro, Veloso revela que ʺquando elementos
da comissão moçambicana de inquérito quiseram interrogar Novoselov, o pessoal
da segurança da embaixada da URSS impediu-os. Foram alegadas razões médicas óbvias
e até houve a promessa de que, quando o tripulante estivesse recuperado e fora
do estado de choque, a parte moçambicana poderia entrevistá-lo.”Veloso, que era membro da Comissão de Inquérito
nomeada pelo governo moçambicano para investigar as causas do acidente de
Mbuzini, acrescenta que “dois ou três dias depois, um dos membros da comissão
de inquérito foi ao hospital para saber como estava o tripulante. Com enorme
espanto, constatou que o pessoal da embaixada já o havia evacuado para Moscovo.
A Comissão de Inquérito de Moçambique protestou e pediu para ir a Moscovo falar
com o tripulante, mas a embaixada informou que isso não era aconselhável e que
as autoridades soviéticas iriam fazer o inquérito e transmitir as respostas às
questões colocadas pela parte moçambicana. ”A concluir, Jacinto Veloso afirma que "até
hoje, pelo que sei, a parte ex-soviética não transmitiu qualquer informação
sobre o assunto. Haveria algo a esconder ou tratou-se de simples negligência?”
Nos finais de Novembro e princípios de Dezembro de
1986, encontravam-se em Moscovo, como parte das investigações do acidente de
Mbuzini, peritos moçambicanos e sul-africanos. Apresentaram à parte soviética
um pedido formal em nome das delegações do Estado de Registo da aeronave
sinistrada (Moçambique/foto 5) e do Estado de Ocorrência do acidente (África do Sul)
para que fosse organizada uma entrevista com Vladimir Novoselov. Os soviéticos
impediram uma vez mais que Novoselov prestasse declarações, alegando não haver
meios para levar os investigadores a Leninegrado, a cerca de 400 km de Moscovo. Não era a primeira vez que Moscovo escondia provas
no âmbito de investigações de acidentes aéreos. Três anos antes do acidente de
Mbuzini, um Boeing 747 das Linhas Aéreas Coreanas (KAL), que seguia de Nova
Iorque para Seul, era abatido por um Su-15 soviético por ter penetrado uma zona
proibida do espaço aéreo da União Soviética. De início, as autoridades de
Moscovo negaram ter conhecimento do caso, mas mais tarde admitiram ter abatido
o avião por alegadamente encontrar-se em missão de espionagem. Não foi possível aos investigadores da ICAO
determinar com exactidão as circunstâncias do desastre pois não haviam
conseguido encontrar as caixas negras do Boeing 747 sul-coreano. Estas já
haviam sido recolhidas pela marinha de guerra soviética no fundo do Mar da
Japão, mas disso as autoridades da URSS não informaram a ICAO, nem o país de
registo do avião abatido.
Nove anos mais tarde, já depois do colapso da União
Soviética, o presidente russo, Boris Yeltsin(na foto), entregou ao governo da Coreia do
Sul as caixas negras do avião. Na altura, Yeltsin divulgou cinco memorandos,
com a classificação de «Muito Secretos», contendo comunicações do chefe da KGB,
Viktor Chebrikov, e do Ministro da Defesa, Dmitriy Ustinov, para o
secretário-geral do PCUS, Yury Andropov. Os memorandos recomendavam que a
descoberta das caixas negras fosse mantida secreta uma vez que os dados delas
extraídos não corroboravam a alegação soviética de que o Boeing 747 da KAL
encontrava-se em missão de espionagem no momento em que havia sido abatido.
A decisão do governo soviético de não permitir que
Vladimir Novoselov prestasse declarações a membros das comissões de inquérito
moçambicana e sul-africana, tem uma explicação: Novoselov era a testemunha
inconveniente, a testemunha idónea dos erros flagrantes cometidos por ele e
pelos colegas que tripulavam o avião e que viriam a causar o desastre de
Mbuzini; uma testemunha que não podia corroborar a existência do VOR falso,
desde o início inventada pela União Soviética como forma de lavar as mãos de um
acidente da exclusiva responsabilidade de uma tripulação que Moscovo havia
fornecido ao Estado moçambicano.
Uma tese que nem sequer conjugava com as
constatações dos investigadores da comissão de inquérito moçambicana, mas que
seria avalizada pelo poder político em Moçambique: esse mesmo poder que foi
cúmplice na ocultação de provas, permitindo que uma testemunha chave do
acidente – o Mecânico de Bordo – partisse de Maputo para Moscovo quando sabia
de antemão que ela era solicitada a prestar declarações à Comissão de Inquérito
que ele próprio havia nomeado. Está-se, pois, perante uma cabala envolvendo, ao
mais alto nível, o poder político em Maputo, incluindo o actual Presidente da
República, Armando Guebuza, indigitado em Outubro de 1986 para encabeçar a
Comissão de Inquérito moçambicana.
Para melhor entender os contornos da cabala
é imprescindível a leitura de um outro livro de memórias, este da autoria de
Sérgio Vieira, igualmente membro dessa Comissão de Inquérito e que à altura do
acidente de Mbuzini era ministro da segurança. A páginas 49 do livro, «Participei, por isso
testemunho», fazendo tábua rasa da prova documental da saída de Novoselov de
Maputo para Moscovo, tal como vem estampada na primeira página do «Notícias»,
diz o autor ao referir-se ao Mecânico de Bordo que havia sobrevivido ao
acidente:"Na saída do tripulante soviético para a URSS
directamente da África do Sul, onde esteve hospitalizado, em nada houve
envolvimento moçambicano, acordou-se entre as autoridades médicas soviéticas e
sul-africanas." E a rematar, num exercício claro de desinformação,
pergunta Sérgio Vieira: "Estariam os dirigentes de Pretória em conivência
com Moscovo?"
Segundo o jornal «The Star» de Joanesburgo, edição
da tarde de 29 de Outubro de 1986, Vladimir Novoselov, acompanhado da esposa,
Nadejna Novoselov, e de um médico, seguiu para Maputo num voo regular da LAM
que partiu do Aeroporto Internacional de Jan Smuts pelas 10h15 da manhã do
mesmo dia. A chegada de Novoselov a Maputo foi confirmada pelo «Notícias» na
edição do dia seguinte.
A esposa de Novoselov (foto ao lado) havia chegado a Pretória no
dia 22 de Outubro, tendo aparecido em público acompanhada de Nikolai Karpenko,
segundo secretário da Embaixada da União Soviética em Maputo. Funcionários
desta embaixada, enviados a Pretória, impediram que membros da Comissão de
Inquérito sul-africana entrevistassem, livremente, o tripulante soviético.
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