Uma semana da
tão aguardada reunião do Comité Central da Frelimo que irá eleger o candidato deste
partido à sucessão de Armando Guebuza na Presidência da República, está em
ritmo acelerado o processo de lubrificação das armas para mais uma “noite das
facas longas”, no caso vertente traduzido em vários dias, num partido em que o
unanimismo era – no pós-independência - uma imagem de marca. Não é para menos.
É que para além dos pré-candidatos chancelados pela Comissão Política (CP), o
chamado órgão pensador, que de facto dirige o partido e comanda as operações do
governo, vários nomes sonantes do partido estão dispostos a avançar para a
luta, e um deles pode servir de fiel da balança na esperada guerra entre
facções do partido. Outros factos recentes mostram que há desnorte, nervosismo
por parte da CP e o Secretário-Geral do partido, Filipe Paúnde, está cada vez mais
isolado. Aliás, em alguns círculos há indicações de que na III Sessão ordinária
da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN), que arranca
esta sexta-feira, na Matola, será pedida a cabeça de Paúnde. Há que tentar escalpelizar alguns pontos fortes e fracos dos três pré-candidatos
e avança alguns nomes que podem ser lançados no decorrer da reunião do CC. A CP
da Frelimo seleccionou três pré-candidatos para a sucessão de Guebuza,
nomeadamente, o Primeiro-Ministro Alberto Vaquina, e os Ministros da
Agricultura, José Pacheco, e da Defesa, Filipe Nyussi. Estas três
individualidades são as preferências da Comissão Política que deverão ser
submetidas à votação pelo Comité Central. O vencedor deverá ser, em princípio, o
candidato da Frelimo às eleições presidenciais do dia 15 de Outubro. Mas logo
depois da tomada da decisão da Comissão Política, surgiram protestos internos
motivados pelos pronunciamentos de Filipe Paúnde, que praticamente defendia que
não havia espaço para mais concorrentes ao tão almejado cargo. Os protestos
centraram-se no facto de que de acordo com os estatutos da Frelimo, compete ao
Comité Central decidir sobre o candidato presidencial desta formação política, embora
seja prerrogativa da Comissão Política propor a candidatura. Nesta perspectiva,
os pronunciamentos de Paúnde foram interpretados como se tratando de um golpe
contra o Comité Central, órgão decisório sobre a matéria em última instância. Os
pré-candidatos fazem parte de uma geração mais nova, com idades que variam
entre os 52 e 55 anos, e pela primeira vez nenhum dos membros do grupo é um
histórico da luta armada de libertação nacional. Os três são originários do
centro e norte do país, contrastandocom o passado
em que os presidentes da Frelimo, tanto antes como após a independência, foram sempre
do sul, situação que criou sempre algum mal-estar.
Os três
pré-candidatos são todos afectos a Armando Guebuza e gozam da sua confiança
política. José Pacheco é o mais próximo, mas Filipe Nyussi, tido no início como
dos mais fracos, foi o que mais impressionou nas campanhas que os três fizeram
pelas províncias, segundo vários comentários dos membros do Comité Central que participaram
nas referidas reuniões. A excessiva colagem ao actual Presidente e o “desgaste
governamental” a que têm sido sujeitos os candidatos e a possibilidade real de se
“perder para a oposição”, levou a um movimento de revolta e à ausência de
consenso entre os camaradas. É neste quadro que outras candidaturas foram
surgindo, não se sabendo, contudo, se o Comité Central irá anuir a sua entrada
na corrida. Logo após o anúncio das pré-candidaturas, o Presidente da
Frelimo recebeu uma delegação de antigos combatentes que lhe tentaram fazer
entender que era importante haver mais “candidatos ganhadores” na lista de
opções. Nessa altura, terão sido postos “em cima da mesa” os nomes de dois
antigos Primeiros-Ministros,
nomeadamente Aires Ali e Luísa Diogo, e ainda de Eduardo Mulémbwè, antigo
Presidente da Assembleia da República. Estes dois últimos nomes terão sido
recebidos com alguma hostilidade, ficando apenas por considerar a inclusão de
Aires Ali, que foi considerado como “aberto, dialogante e que deixa os outros
fazer coisas”. Nesse diálogo de bastidores foi particularmente vergastada a
figura do SG Paúnde, para além de Margarida Talapa e Edson Macuácua, este
último visto como o líder sombra dos ataques na imprensa contra todos os sectores da Frelimo (e não só) que discordam da linha dominante afecta a Guebuza. De facto, é este “trio de ataque” que terá de certo modo ensombrado os
dois mandatos de Guebuza nestes últimos dez
anos, devido à sua arrogância, intolerância e ausência de um espírito de
diálogo inclusivo. Nos bastidores, acredita-se que foi devido à actuação deste
grupo que Guebuza se viu obrigado a sacrificar alguns dos melhores quadros do
partido durante o congresso de Pemba, em 2012, alguns dos quais só conseguiram
manter-se no Comité Central como resultado do respeito que nutrem entre o
grosso dos membros do partido. Já com a carta de impugnação aos pré-seleccionados
em marcha, ao que apurámos, animada por Pascoal Mocumbi, Graça Machel e Hama Thai,
surge um segundo nome “consensual”, outra das cabeças tombadas em Pemba.
Trata-se de Manuel Tomé ( na foto de gravata azul), que se acredita que poderá servir como o fiel da balança
das facções mais proeminentes, nomeadamente, a ala Guebuza e Chissano. A figura de Tomé é vista com bons olhos
pela ala guebuziana para afastar o risco de uma desintegração do partido, com
50 anos de tradição de unidade iniciada quando a força política no poder se
constituiu primeiro como frente. Tomé, antigo Secretário Geral do partido, é
visto com capacidades para captar os eleitorados do Centro e Norte, onde se
situam grandes círculos eleitorais perdidos para o Movimento Democrático de
Moçambique (MDM), nomeadamente, Beira, Quelimane, Gurué e Nampula. Os
significativos avanços da oposição nas últimas eleições autárquicas são
interpretados, no seio do partido, como a consequência directa da actuação do
“trio de ataque”, para além das opções de Guebuza de substituir os anteriores
chefes de brigada do partido nomeadamente para as províncias de Nampula e da
Zambézia, dirigidas anteriormente por Manuel Tomé e Luísa Diogo, que antes
conseguiram melhores resultados para a Frelimo. Em Nampula, tradicionalmente o
maior círculo eleitoral do país, Manuel Tomé foi substituído por Aires Ali,
enquanto que a Zambézia passou a ser dirigida por Verónica Macamo, que acumula
as funções com as de Presidente da Assembleia da República. Tomé junta-se a
Aires Ali, antigo Primeiro-Ministro, e também uma das vítimas de Muxara (Pemba)
e Eduardo Mulémbwè, antigo presidente da Assembleia da República. Entretanto,
não se sabe ainda se irão avançar com as suas candidaturas. Entre as razões
principais de tais reservas considera-se, em alguns sectores, que temem
consequências pessoais de quebra de lealdade partidária, actos de ousadia que
geralmente acarretam custos extraordinários na cultura frelimista de
“centralismo democrático”. Mas em ambientes recatados, Mulémbwè e Ali têm feito
discretas manifestações de que irão avançar em sede da reunião do CC na esta semana.
Apesar de uma
enorme simpatia popular, e com capacidade para produzir os melhores resultados eleitorais
para a Frelimo, a antiga Primeira Ministra, Luísa Diogo, é uma figura bastante hostilizada
entre os círculos mais próximos do Presidente Guebuza, incluindo ele próprio. Dona
do seu nariz sobre as questões económicas do país, foi a negociadora chefe para
o perdão da dívida externa de Moçambique, e acredita-se que com a sua liderança
daria um cunho mais prudente na gestão da economia nacional, contendo a actual
tendência de endividamento desregrado do país. Contudo, e apesar de todos estes
atributos, Luísa Diogo não foi poupada no congresso de Pemba, onde os seus
opositores tudo fizeram para que ela até fosse expurgada do Comité Central. A agenda de consenso
sobre “o candidato” incluiu a secundarização do conflito com a Renamo que tem
afectado negativamente Guebuza. No topo das prioridades está colocada a
necessidade de garantir que o candidato escolhido não seja abertamente hostil
ao actual presidente, a “garantia” de que não haverá perseguições futuras aos bens
da família Guebuza (síndrome Zâmbia/Malawi), a escolha de um Primeiro-Ministro “sulista” que poderia ser
Tomaz Salomão e uma abertura aos doadores, agastados com o “dossier Ematum”, o
“deixa-andar” no “dossier corrupção” e a “mão leve” sobre a circulação e negócios
de drogas em Moçambique. Uma das hipóteses avançadas é a constituição de um
governo pós-eleições de Outubro em que, sem que seja mencionada a palavra “unidade
nacional”, existam várias tendências políticas decorrentes dos indivíduos
escolhidos, dando corpo, indirectamente, ao ponto cinco da agenda de
conversações com a Renamo.
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