Elementos
sobre a dívida pública e as prioridades económicas e sociais Ponte Chinesa
Extensão: 42Km Custo Total: 2.4 Biliões de USD Custo por Km: 57 milhões de USD
Ponte Catembe Extensão: 3Km Custo Total:725 milhões de USD Custo por Km:
242milhões de USD Se a ponte Chinesa fosse construída em Moçambique custaria
10.122 Biliões de USD. Se a ponte moçambicana fosse construída na China
custaria 171 milhões de USD. Outros dados comparativos: o custo da ponte
chinesa foi equivalente a 0,02% do PIB e 0,05% das receitas fiscais na China. A
ponte da Catembe terá um custo equivalente a 5% do PIB e 25% das receitas
fiscais de Moçambique. Juntando a dívida pública associada com a ponte da
Catembe, a EMATUM, as acções da HCB e o estádio nacional do Zimpeto (apenas 4
projectos, qualquer um deles muito difícil de ser considerado prioritário para
o país, dado o actual ambiente económico e social moçambicano), atinge-se o
valor aproximado de US$ 2,7 biliões, isto é 90% das receitas fiscais e 18% do
PIB de Moçambique. Tomando em conta a informação pública sobre as condições dos
empréstimos para estes projectos, só os juros do serviço desta dívida
ascenderão a US$ 190 milhões por ano (excluindo a amortização do capital), o
que é equivalente a aproximadamente 6% das receitas do Estado. Se a amortização
do capital for também tomada em conta, o serviço de dívida destes 4 projectos
não prioritários ascenderá a, aproximadamente, 13% das receitas do Estado. Este
valor já equivale ao orçamento anual da educação ou saúde, ou é igual a 80
vezes o valor total do pacote de subsídios às pequenas e médias empresas
aprovado para todo o mandato de 2010-2014. Se juntarmos a esta a restante
dívida acumulada e decorrente de outros projectos deste tipo, poderemos chegar
à triste situação de cerca de 40% das receitas anuais do Estado serem para
pagar a dívida de investimento público em projectos que nem são prioritários
para o desenvolvimento alargado do país e para o combate à pobreza. A estes
valores podemos adicionar outros custos para a economia decorrentes da actual
política fiscal do governo, que preconiza o financiamento directo da formação
da grande burguesia financeira nacional em aliança com o grande capital
multinacional. Primeiro, para manter a dívida dentro dos parâmetros acordados
com o FMI, apenas na sequência do projecto EMATUM o governo já anunciou que vai
cortar alguns projectos de investimentos: uma estrada, a grande barragem da
Moamba e uma zona económica especial. Este é um arranjo de ultima hora, e sem
mais informação é difícil decidir se o arranjo é melhor ou pior que o problema
original. Que projectos foram ou serão cortados para dar lugar às outras
dívidas? Segundo, doadores já anunciaram que estão a pensar cortar ajuda geral
ao orçamento do Estado por causa da falta de transparência na contracção de
dívida e planeamento da despesa pública.
Alguns doadores interrogam-se sobre a
necessidade e os riscos de o governo de Moçambique continuar a receber ajuda,
que lhe permite entrar em arranjos financeiros duvidosos. Terceiro, parte
considerável da dívida resulta dos subsídios fiscais a mega projectos,
obrigando o governo a recorrer continuamente à venda de dívida pública na
economia doméstica e no mundo. A venda de dívida na economia doméstica
incentiva o instinto especulativo do sistema financeiro comercial e afasta-o da
pequena e média empresa; contribui para manter as taxas de juro comerciais
elevadas apesar de as taxas de referência baixarem, gerando uma inconsistência
estrutural entre a política fiscal e a política monetária; torna o capital para
a pequena e média empresa mais caro e mais escasso e desincentiva o
investimento, a criação de emprego e a diversificação e alargamento da base
produtiva e fiscal; e obriga as instituições públicas a pressionar o resto da
economia e do rendimento nacional (excluindo multinacionais, claro) para
aumentar a receita fiscal, o que pode ter impactos sérios nos níveis de
poupança e investimento. É letal, esta combinação de subsídios fiscais para o
grande capital multinacional – associado ao capital financeiro emergente em
Moçambique – com prioridades de despesa pública que servem esse capital
financeiro mas não permitem alargar a base de desenvolvimento. Daqui resultam
custos monumentais para o estado, benefícios mínimos para a sociedade, e lucros
monumentais para o grande capital multinacional e o capital financeiro
oligárquico nacional em emergência. Este é um resumo da natureza de classe da
política económica vigente. Não admira, pois, que a economia cresça tão
depressa, com tanto investimento, com a aceleração das exportações, mas com
muito pouca eficácia na redução da pobreza, altos níveis de afunilamento, pouco
emprego, bens e serviços básicos de má qualidade e caros (em especial os
alimentares) e altos níveis de porosidade. São precisamente estes governantes,
que esbanjam o presente e o futuro do Estado e do País em projectos de
auto-estima ou de enriquecimento de oligarquias financeiras nacionais, que depois
nos vêm dizer que os mega projectos ainda não produzem riqueza (apesar de já
estarem a transferir o equivalente a 6%-9% do PIB anual de Moçambique para o
exterior, em lucros e despesas de serviços), que não há rendimento para
distribuir, que primeiro é preciso criar riqueza antes de a distribuir. Mas
porque é que este moralismo financeiro não se aplica às multinacionais e às
grandes obras de formação de oligarquias financeiras nacionais? Porque é que
apenas as expectativas das classes de rendimento médio e baixo e das pequenas e
médias empresas têm de ser geridas e controladas, enquanto as expectativas dos
bancos, do capital multinacional e do capitalismo financeiro nacional são
satisfeitas imediatamente? A agravar tudo isto, nenhum destes projectos de luxo
foi debatido a sério no Parlamento e outros fóruns democráticos. Estes
projectos seguiram processos de aprovação que violam a Constituição e as regras
orçamentais. O da EMATUM, então, foi de extremo secretismo – nem o Banco de
Moçambique nem o FMI sabiam. Penso que o governo pode ter errado (todos erram,
pelo menos de vez em quando) ou sido enganado em alguns casos, mas em outros
casos os números foram bem calculados para servirem os interesses capitalistas
a que se associam. O problema é que eles têm interesse na dívida - uns são
sócios dos proprietários e dos gestores da dívida ou das empresas construtoras,
ou das empresas multinacionais que recebem subsídios fiscais que são parte da
causa da dívida, do negócio dos bancos, e do acesso a acções nas empresas sem
realizar o capital dessas acções. Mesmo que não fossem pessoalmente
interessados, a ideologia que o actual governo segue, de nacionalismo
económico, é focada na formação de classes capitalistas financeiras nacionais
que possam ombrear com o capital multinacional.
O Estado não representa os
interesses do País, mas os destas classes em formação; e são estas classes que
hoje se dizem representativas dos interesses nacionais. Eles não têm postura de
Estado, mas de capitalistas financeiros; e o seu nacionalismo resume-se à sua
nacionalidade, pois não se importam de vender as riquezas do País, mesmo que
isso custe pobreza para muitos, ao capital multinacional e a baixo custo – a
terra, as florestas, a água, os recursos minerais, o gás e o petróleo e, acima de
tudo, os trabalhadores e as suas esperanças. Nós todos vamos pagar esta dívida
pública com sacrifícios assumidos pelas classes trabalhadoras (de rendimento
médio e baixo) e pela pequena e média empresa: com más estradas, péssimos
sistemas de transporte público (de pessoas e mercadorias), educação de baixa
qualidade, centros de saúde sem medicamentos, funcionários públicos (incluindo
pessoal da saúde e educação) desmotivados, falta de segurança pública, cortes
de energia e água, deficientes sistemas sanitários, ausência de sistemas de
serviços de apoio à produção mais alargada e diversificada, etc. Tudo isto será
justificado por o país "ser pobre" para fornecer esses serviços e
motivar os seus funcionários, mas no entanto já é rico para subsidiar multinacionais
e o capital financeiro nacional, e para desperdiçar dinheiro em obras de
auto-estima ou de promoção de acumulação capitalista primitiva improdutiva, que
não resolvem (pelo contrário, agravam) os problemas da maioria pobre do nosso
povo, embora enriqueçam os donos e gestores dessa dívida (imaginem o lucros a
serem feitos pelos bancos que fazem a gestão desta dívida e do endividamento
que se seguirá para pagar esta dívida). Os que pensam que o nosso único
problema é a guerra, e que finda a guerra podemos ter mais do mesmo tipo de
governação económica, então tentem pensar nestes dados, oficiais, e nas
implicações negativas que isto tem para a maioria da população e para o futuro
do país. Tentem pensar nas muitas “guerras” e “revoltas” que podem surgir como
consequência da injustiça social, económica e política, mesmo depois de a
Frelimo e a Renamo consagrarem os seus acordos de não-agressão. Pode ser que
deixemos de sofrer a ameaça de balas de chumbo da Renamo, mas vamos ficar ainda
com a realidade da desesperança económica e social para a maioria dos
moçambicanos, enquanto nos dizem que estamos a seguir o caminho da prosperidade
para todos. E se estes moçambicanos se começarem a revoltar, as balas de chumbo
vão voltar, desta vez da FIR e das Forças Armadas contra trabalhadores e
pequenos e médios proprietários em crise.
Temos de reverter isto rapidamente
para que os cidadãos possam tomar conta das suas finanças, das suas contas, das
suas opções e dos seus destinos. Os deputados e os cidadãos têm de aprender o
que devem discutir e como sobre as finanças públicas e, na sequência disso,
aprender a ler os números e a fazer exigências concretas e fundamentadas
relacionadas com a política económica e as prioridades nacionais. Temos que
aprender a fazer isto, tanto sobre as receitas (como é que o Estado é
financiado e porquê), como sobre as despesas (o que é que o Estado financia),
bem como sobre a relação dinâmica e económica (não só contabilística) entre
despesa e receita e entre o financiamento do Estado, as prioridades de despesa
e a economia mais em geral. As finanças públicas são PÚBLICAS, quer dizer, do
povo. Quem não entende isso, não está em condições de governar com os cidadãos
para os cidadãos. O país não vai aguentar muito mais este tipo de governação económica
e social. Mas as opções de Guebuza e dos seus discípulos são inquestionáveis,
não são? Ou já não são mais? O que queremos que seja o nosso futuro? Portanto,
os que querem apresentar-se como alternativas, dentro ou fora da Frelimo, só o
serão se responderem a estas questões e procurarem soluções para estes
problemas. Ninguém é alternativa apenas por ter outro nome ou outras alianças
políticas. Alternativas têm que ser para as grandes questões de governação económica,
social e política. Vamos lá discutir estas questões. (professor e economista Carlos
Nuno Castel-Branco)
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