Dizem, os que creêm em
tal, que a reencarnação é como passar de uma vida, a primeira, após a morte
nesta, para uma segunda vida, “funcionando” a sua alma dentro de uma outra
pessoa, que vai agir como se da primeira pessoa se tratasse. Sendo isto
“possível” nas pessoas, não há por que não possa ocorrer entre os imóveis.
Aliás, acho-os até bem mais propensos: restaura-se um velho edifício e lá surge
um novo edifício, de raízes bem fundas no velho, como que lhe possuindo
igualmente a “alma”.
Conversados, já, sobre
a reencarnação, situemos o Supermercado Mont´Giro.
Para quem conhece a cidade
de Quelimane, é o edifício que fica mesmo por baixo da direcção provincial da
terra, ambiente e desenvolvimento rural, voltado de fronte para o balcão do
reanimado banco que parece nos aglutinar, quando não confundir, pelas suas
sugestivas quatro letras; na única lateral visível tem o balcão do “Aqui
consigo”.Voltando aos tempos em que florescia, deste mesmo lado tinha pela
frente o restaurante “Meireles Filho”, com os seus incontornáveis e sempre mais
e mais apetecíveis pregos no pão – há quem jure pelos defuntos todos da
família, afirmando que o segredo estava na frigideira que não conhecia água; vá
lá saber-se... ele há cada uma! Visto frontalmente, tinha à sua esquerda, bem
coladinho e, talvez, para não deixar dúvidas sobre a paridade de ambos, o
Snack-Bar Coco; na mesma linha, geminado, debaixo-acima, o imponente e
emblemático Hotel Chuabo. Do hotel só posso adiantar-vos especulações quanto à
luxúria do seu...luxo. '
Do Snack-Bar Coco, sim, vos posso dizer com propriedade
dos acepipes que por ali eram servidos – boa parte do que sei de cardápios
aprendi por ali, à socapa. Frontalmente, ficava a Pastelaria e Salão de Chá
Riviera; exactamente onde se procura dar vida a um banco que esteve dormente,
se revivificavam corpos jovens e adultos, também das crianças aos fins-de-semana,
com matabichos e lanches e ceias de encher o olho. Havia tudo o que uma
pastelaria de primeira deve ter – sei-o melhor hoje, depois de conhecer um sem
fim delas, dentro e... fora do país. Portanto, esta é a localização do então
reluzente Supermercado Mont’Giro, com as suas mais variadas secções, como sejam
confecções, calçado, brindes e brinquedos, peixaria, talho, etc. e mais.
O nosso Supermercado, à
semelhança de todos os estabelecimentos comerciais “normais” do país, enfrentou
a dura carência de quase tudo dos primórdios dos anos oitenta, desde produtos
alimentares básicos à roupa, ao calçado. Nas prateleiras, apenas uns pacotes de
chá e muito papel higiénico – que irónico! A vida regressava àquele
estabelecimento comercial pela esperança, verdadeiramente última a morrer, das
pessoas, muitas pessoas, ali rondando e até marcando bichas, de mulheres e
homens, com pedras e quanto achassem conveniente, a ver se coincidiam com
alguma coisa: fosse de comer! Vestir ou calçar, que o que interessava era poder
comprar algo para a família, a modos de, em caso de vestir ou calçar, “desta
vez te calhou a ti, vamos ver a quem calha para a próxima”, pois já não era
tempo para todos de uma única vez em função unicamente do dinheiro possuído.
Depois, foi o descalabro.
Enquanto os outros se reerguiam, o Supermercado, único então em Quelimane,
fechava portas e iniciava um ciclo pernicioso, quase irreversível, de pura e
quase anunciada degradação. Situado nos baixos de um prédio com graves
problemas de infiltração de águas, das chuvas, e carente de água, potável,não é
muito difícil imaginar os contadores de água no rés-do-chão transformados em
fontanários...do prédio! Água derramada pelos degraus acima e verdadeiros
charcos nas fontes, naturalmente coroados de imundície. Só e abandonado, o
Supermercado, mesmo inundado e imundo, e, talvez, até por isso,virou antro de
marginais e indigentes, com tudo o que demais isso implica. Era até bizarro,
dizer-se que, então, acima dele estava a direcção da coordenação da acção ambiental!
Passaram-se anos e anos
e, de repente, ouvem-se rumores sobre disputas de “costas quentes” sobre quem
seria, finalmente, míster das muitas obras a fazer e novo dono da casa. A cor
das chapas trocadas antes do início das obras serviram perfeitamente para
compreender isso mesmo. Tal como o surgimento do fumo branco no Vaticano é o
anúncio da indicação do novo Papa.
Mais importante é que
as obras arrancaram: se retiraram as não sei quantas toneladas de lixo e
esterco, sugaram-se as águas barrentas, e se colocaram novos vidros onde os
coloniais haviam sido estilhaçados e também se gradearam portas. Quer dízer, há
ali sinais de algum renascimento, prenúncio de uma “reencarnação”. Oxalá, que,
também neste caso, das cinzas renasça a Fénix!"(Por Tavares Braz in facebook)
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