O constitucionalista e administrativista Gilles
Cistac, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da UEM, emitiu, a pedido
do Canal de Moçambique, a sua opinião sobre a deliberação do Conselho de Estado
de que resultou o levantamento da imunidade do conselheiro António Muchanga e a
imediata privação de liberdade daquele por suposta ordem do Procurador Geral da
República.
Leia-a a seguir:
1. De acordo com o CAPÍTULO IV da Lei n.° 5/2005, de 1
de Dezembro, os membros do Conselho de Estado gozam de imunidades. Em
particular, os membros do Conselho de Estado não respondem civil, criminal ou
disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas
funções (n.° 1 do Artigo 14). Os membros do Conselho de Estado não podem ser
processados judicialmente, detidos ou julgados pelas opiniões ou votos emitidos
no exercício das suas funções (n.° 2 do Artigo 14). Apenas podem ser
responsabilizados civil e criminalmente por injúria, difamação ou calúnia (n.°
3 do Artigo 14). Assim, um dos pressupostos da responsabilidade criminal é
justamente a demonstração de um acto de membros do Conselho de Estado que foi
injurioso, difamatório ou calunioso no caso específico para o Chefe do Estado.
2. Mas mesmo assim, o regime das “Imunidades” (Artigo
15) garante uma protecção especial ao membro do Conselho de Estado. Como refere
o n.° 1 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro “Nenhum membro do
Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho de
Estado, salvo por crime punível com pena de prisão maior e em flagrante
delito”. Isto significa que duas situações são possíveis: ou houve um crime
cometido pelo Sr. António Muchanga “punível com pena de prisão maior e em
flagrante delito” isto é durante a sessão do Conselho de Estado e neste caso,
não é preciso da autorização do Conselho de Estado ou não houve este tipo de
crime cometido e neste caso é preciso da autorização do Conselho de Estado.
3. A autorização do Conselho de Estado é uma decisão
tomada sob a forma de uma deliberação do Conselho de Estado. Isto pressupõe um
voto por parte do Conselho de Estado em relação a autorização de deter ou
prender o membro do Conselho de Estado. A deliberação de autoriza a detenção ou
apreensão do membro do Conselho do Estado deve ser publicada no Boletim da
República por analogia com os termos consagrados no Artigo 10 da Lei n.°
5/2005, de 1 de Dezembro que estabelece que“Determina a suspensão de funções a
publicação no Boletim da República da Deliberação do Conselho de Estado, tomada
nos termos do n.° 2 do artigo 15”.
4. Antes de passar a fase da instauração do
procedimento criminal é preciso detalhar um aspecto importante no que concerne
o processo de votação. Com efeito, de acordo com o Artigo 26 da Lei n.°
14/2011, de 10 de Agosto relativo ao procedimento administrativo aplicável ao
órgão colegial que é o Conselho de Estado: “Só podem ser objecto de deliberação
as matérias incluídas na ordem do dia da reunião, excepto se, tratando-se de
reunião ordinária, pelo menos dois terços dos membros reconhecerem a urgência
de deliberação imediata sobre outras matérias”. Isto significa que na
convocatória enviada aos membros do Conselho de Estado não está explicitado que
um dos ponto da ordem do dia é a deliberação sobre o levantamento da imunidade
de um dos membros do Conselho de Estado, a referida reunião não podia deliberar
sobre isto. A lógica seria de agendar uma nova reunião com este novo ponto na
ordem do dia. Todavia, pelo menos dois terços dos membros podiam votar o
levantamento da imunidade. A pergunta é: foi votada a decisão?
5. No caso da instauração de um procedimento criminal
contra algum membro do Conselho de Estado indiciado, o Conselho de Estado
delibera, uma vez mais, para determinar se o membro do Conselho de Estado deve
ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo (n.° 2 do Artigo 15
da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro). Isto significa que a autorização de
prender ou deter o membro do Conselho de Estado (primeira deliberação) não faz
cessar as funções do membro do Conselho de Estado. Mesmo preso o membro do
Conselho de Estado continua de ser um Conselheiro de Estado. É apenas com a
segunda deliberação que expressamente decide da suspensão de funções do membro
do Conselho de Estado que momentaneamente, mas não definitivamente, as funções
do membro do Conselho de Estado são suspensa por causa de “seguimento do
processo”. Isto significa que se o membro do Conselho de Estado é ilibado ele
voltará para suas funções.
6. A deliberação do Conselho de Estado que determina a
suspensão de funções deve ser publicada no Boletim da República de acordo com o
Artigo 10 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro.
7. Um aspecto institucional importante é que de acordo
com o n.° 3 do Artigo 15 da Lei n.° 5/2005, de 1 de Dezembro: “O membro do
Conselho de Estado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo, nos
termos da lei”.
8. Sobre a atitude do Procurador Geral da República
trata-se de um verdadeiro “Abuso de poder” de acordo do Artigo 80 da Lei n.°
16/2012, de 14 de Agosto (Lei de Probidade Pública): “O titular de cargo de
responsabilidade que, abusando dos poderes que a lei lhe confere ou violando os
deveres inerentes às funções ou qualquer fraude obtenha, para si ou para
terceiro, um benefício ilegítimo ou cause prejuízo a entidade pública ou
privada é punido com prisão e multa correspondente, se penas mais grave não
couber por força de outra disposição legal”.
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