A propósito da detenção de António Muchanga, Membro do Conselho do Estado da
República de Moçambique
Venho por este meio manifestar o meu profundo sentimento de medo e estupefacção
perante a atitude tomada hoje pelo Presidente da República em sede do Conselho
do Estado, ao ter autorizado a detenção de um membro do Conselho do Estado
(CE), Dr António Muchanga, em virtude do levantamento da imunidade que goza na
qualidade de membro do Conselho do Estado, CE.
Sinto-me
estupefacto porque, contrariamente ao que tudo indicava, o gesto que hoje o PR
demonstrou vai contra todas as anteriores indicações orientadas para a busca da
paz que antecederam a detenção do Senhor Dr Antonio Muchanga.
•
A última sessão da Comissão Política da Frelimo orientou o Governo a prosseguir
com as negociações com a Renamo ao mesmo que instruiu o governo a preparar a
efectivação do encontro entre o Presidente da República e o líder da Renamo,
Afonso Dhlakama em Maputo;
• Em visita recente a Portugal, o Presidente da República de Moçambique disse à
imprensa (cf: Público de 5 de Julho de 2014) que não deixaria o poder sem
trazer de volta a Paz. Ajuntou que a guerra, a instabilidade política e militar
o deixavam sem sono, o que em outras palavras, dava indicações concretas da sua
vontade de a todo custo, repito, a todo custo, buscar a paz.
• O candidato da Frelimo às eleições de Outubro próximo, Engenheiro Filipe
Jacinto Nyussi tem reiterado que a Paz é o seu maior desígnio, pelo que ele é
resoluto e inquestionavelmente pela Paz. Não é por acaso que adoptou as vestes
brancas, em sinal de materialização prática do seu desejo.
Ora, ao autorizar a detenção do Dr. António Muchanga, o Presidente Armando
Guebuza contrariou-se nas suas intenções de busca, A TODO CUSTO, pela paz, tal
como foi e tem sido o seu apanágio. Estou estupefacto!
Estou com medo porque não me parece que com esta atitude se tenha dado um passo
rumo a reconciliação nacional. Tal situação leva-me aos seguintes medos:
• Não-realização das eleições: A detenção do Dr. António Muchanga levanta o
velho medo anterior a realização da sessão electiva do Comité Central da
Frelimo, segundo o qual o actual Presidente da República não estaria
interessado e disponível para largar o poder, estando com este acto a criar
condições propícias para ainda complicar a situação que o obrigasse a decretar
ou Estado de Sítio em consequência da generalização da guerra a nível nacional
e consequente adiamento das eleições.
• Unidade nacional: A unidade nacional e a confiança mútua entre os actores
políticos só podem dar frutos quando de ambas as partes existir o espírito de
tolerância. Como alto magistrado da nação, o Presidente da República devia
exercer o seu papel pedagógico e educador em relação a qualquer possível má
conduta ou procedimento do membro do Conselho de Estado, Dr António Muchanga em
vez de vergar-se ao legalismo anacrónico e contraproducente emitido pela
Procuradoria-geral da República. Ao agir no sentido em que o fez, o Presidente
da República infundiu medo a todos nós, incluindo eu e demonstrou a sua
intolerância na gestão de processos sinuosos como a pacificação.
ESTA
QUESTÃO É POLÍTICA, E NÃO NECESSARIAMENTE JURIDICA
Nos últimos dois anos o país tem vivido cenários de guerra civil. A saída para
a guerra é o diálogo político. Nesta ordem de ideias, o Governo e a Renamo
estão negociando e já vão na 60a ronda negocial (07 de Julho de 2014). A par da
guerra que se desenrola em território nacional, o governo tem dado mostras
claras que a solução a Paz é a própria Paz. Este governo, dirigido por Armando
Guebuza acomoda semanalmente uma delegação da Renamo numa sala de negociações,
Renamo esta cujo braço militar ainda continua activo na zona centro.
Este gesto honroso devia ser seguido pela Procuradoria-geral da República,
entendendo desde já o papel que lhe cabe no processo de pacificação. Cumpre-me
assim dizer que a PGR perdeu uma soberana oportunidade de contribuir para a
Paz, entrando para o anuário 2014 como o órgão de soberania que mais perturbou
o normal curso dos processos negociais, primeiro com a detenção e posterior
soltura de Jerónimo Malagueta e depois com a repetição em relação ao Dr
Muchanga, para além das audições aos jornalistas do Canal de Moçambique,
Mediafax e do Professor Carlos-Nuno Castel Branco. Aliás, falta visão naquele
órgão quadrado e extremamente politizado, quando se propõe à título gratuito,
usar o poder que tem para atingir fins que ele julga com potencial de alegrar o
séquito mais retrógrado do poder político sem se aperceber do ridículo a que se
expõe.
A
PIOR COISA ESTÁ A ACONTECER: a guerra. É preciso pará-la.
O papel da Procuradoria-geral da República devia ser consentâneo com a vontade
política vigente, pelo menos ao nível do discurso. Pelas razões acima
afloradas, se quisesse, a Procuradoria-geral da República poderia ter usado os
canais apropriados para acautelar o Dr António Muchanga em relação ao tom dos
seus pronunciamentos. Não pretendo aqui desculpabilizar qualquer que seja, mas
tão-somente chamar atenção ao facto de que o conteúdo das mensagens veiculadas
pelo Dr. António Muchanga deveria ser enquadrado no âmbito da assessoria de
imprensa, da função do porta-voz de uma organização. Ele representa um
pensamento que tem um líder que responde cível e criminalmente pela
organização: Afonso Dhlakama. Ora se o Presidente Guebuza está a espera de
Afonso Dhlakama para negociarem e porem fim a guerra, como pode um dirigente de
uma guerra ser recebido por um chefe de estado pacificamente e um mero
porta-voz ser detido e enfrentar processos judiciais por causa do conteúdo a
que foi sujeito a veicular no exercício das funções de porta-voz?
Para por as coisas em perspectiva, suponhamos que se sequestre o Dr Edson
Macuacua, porta-voz do Presidente e os sequestradores justifiquem tal acto como
resultante dos seus pronunciamentos ou do falhanço do programa de governo da
Frelimo!…achariam este sequestro justo e congruente? Afinal, o Dr Macuacua é
porta-voz. Se este pequeno exercício tivesse passado pela cabeça dos legalistas
da PGR, muito facilmente poderiam eles chegar a conclusão de que tal como o PR
diz que a solução da guerra é a própria guerra, à PGR caberia a mesma função:
servir de força-motriz para a facilitação dos processos negociais que busquem a
Paz. E seguramente encontraria outras soluções para serenar o discurso
incendiário do Dr Antonio Muchanga.
Se o PR tivesse reflectido seriamente no seu papel pedagógico e educador, teria
chegado à conclusão à necessidade de contornar o legalismo em beneficio de uma
solução ainda pacífica e inteligente que concorresse para o serenamento dos
ânimos e do discurso de Munchanga.
Ambas as coisas não aconteceram e o exemplo chegada parte incerta, com uma
resposta calma e sabia; SIGAMOS AS VIAS LEGAIS. E ACRESCENTO: VIAS LEGAIS E
POLÍTICAS, acima de tudo.
Faço votos e apelo a PGR que entenda
• Que o conflito político-militar vigente terminará na mesa de negociações com
acomodações políticas para ambas as partes
• Que o seu papel nos dias que correm é e deve ser para ajudar e não complicar
processos, pelo que deve agir mais como conselheira do que como polícia. E a
PGR tem capacidades para isso, fazendo uso do que em comunicação se chama por
DIPLOMACIA PÚBLICA (Public Diplomacy, em inlgês)
• Que a PGR muito rapidamente use meios legais para report em liberdade, mesmo
que condicional o Dr Antonio Muchanga aplicando por exemplo medidas de coacção
Ao
PR, faço votos que:
• Use a Diplomacia Pública (uma componente da comunicação governamental) para
serenar os ânimos do povo, devolvendo a mesma esperança e mesmas expectativas
anteriores a este macabro acto
• Acelere os contactos com a “parte incerta” para encorajar o mais breve
reencontro
• Oriente a delegação do Governo para avançar em outras agendas passíveis de
encontrar consensos enquanto ajustam a “questão militar”.
Que Deus abençoe as nosss lideranças para que mais cedo cheguem a conclusão de
que acima das suas crenças e convicções, reconheçam que eles lideram um rebanho
que não lhes pertence e que acima de todos nós está alguém nos olhando, nos
testando a capacidade e documentando: DEUS.
(Egídio G. Vaz Raposo, Historiador e consultor de comunicação)
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