Diante da
humilhação de Alemanha 7 x 1 Brasil nesta terça-feira 8, no Mineirão, a queda
ante a Holanda, na Copa de 2010, parece um conto de fadas. Ainda assim, as duas
eliminações guardam uma semelhança importante – nos dois casos, a seleção
brasileira bloqueou psicológicamente. Os surtos não explicam as derrotas, mas
são o lado visível da aposta feita pelo Brasil nos dois últimos mundiais: sem a
subida de craques que marcou os outros títulos, a seleção tem apostado em
“fórmulas mágicas”, incompatíveis com o futebol praticado hoje em dia. Em 2010 e 2014, a seleção brasileira não
reagiu ao se ver em desvantagem no marcador. Quando uma equipe precisa de
reagir, recorre as suas armas mais seguras, sejam elas de ordem física, tática
ou técnica. No caso do Brasil, viram-se alguns rasgos dos craques. Em 2010,
Kaká e Robinho sucumbiram junto com o resto da equipa. Em 2014, Neymar,
lesionado, não estave em campo diante da Alemanha. Na falta dos foras-de-série,
sobrou ao Brasil acreditar nas fórmulas mágicas oferecidas pelos seus técnicos.
Na África do Sul, a equipa era treinado por Dunga. Humilhado em 1990, foi o
capitão do tetra em 1994. Ergueu a taça e atribuiu isso ao “grupo fechado” do
mundial dos Estados Unidos. Como técnico, Dunga levou isso às últimas
consequências. A sua fórmula mágica era fazer o elenco acreditar que, se se
mantivesse unido, não perderia o título. Dunga nunca preparou a equipa para
reagir a desvantagem de um resultado, pois eles eram amigos e não poderiam
perder. A tese ruiu com os dois gols de Sneijder.
Em 2014, o Brasil
perdeu Neymar antes da semifinal. A seleção chegou ao Mineirão
apostando no chamado “Scolarismo”, a mística do técnico Luiz Felipe Scolari,
composta por peculiaridades como o agasalho azul da sorte e a imagem de Nossa
Senhora do Caravaggio. Entrou a perder, e sem Neymar, que tinha resolvido
sozinho este problema na estreia contra a Croácia, a equipa ruiu
emocionalmente. Sofreu quatro golos em seis minutos.Ainda que a actual geração
de jogadores não seja tão boa quanto as anteriores, o elenco brasileiro é
superior tecnicamente à maioria dos que estiveram no Mundial. O Brasil, no
entanto, não consegue transformar essa vantagem técnica em resultado. Por quê?
Porque no futebol de hoje a técnica, sozinha, consegue muito pouco – o que
Lionel Messi tem feito pela Argentina é resultado de uma genialidade completamente
fora do comum.O sucesso no futebol actual deriva diretamente da disciplina e
conhecimento táticos dos jogadores e da capacidade dos treinadores de usar isso
para montar esquemas eficientes. Seleções como Costa Rica, Grécia, Estados
Unidos e Argélia chegaram longe (para os seus padrões) justamente por terem
essas características. Quando a boa tática é aliada a uma técnica de alto
nível, casos da Alemanha e da Holanda neste mundial, as seleções brilham e se
tornam favoritas.
O Brasil tem
jogadores de muita técnica, mas raros são os que conseguem exercer mais de uma
função dentro de campo, dando alternativas aos treinadores. Isso não ocorreu
apenas nas duas últimas Copas do Mundo. É uma marca do futebol dos clubes
brasileiros, cujas categorias de base são dedicadas a ganhar e não a ensinar os
jovens a jogar futebol, incluindo os aspectos táticos, técnicos, físicos e
mentais que essa tarefa necessita.Também nas comissões técnicas residem
problemas graves. Os técnicos brasileiros são incapazes de mudar o esquema
tático no meio dos jogos, ou de adoptar inovações, uma incompetência que se
torna notória diante da ausência de bons trabalhos de treinadores brasileiros
no exterior. Neste ano, o problema ficou claro. Felipão não mudou uma vez
sequer o 4-2-3-1 que vinha da época de Mano Menezes, e apostou em dois
observadores táticos – Gallo e Roque Júnior – cujas credenciais para exercer
essa função são amplamente desconhecidas.
As fórmulas mágicas
das últimas duas Copas são uma espécie de optimismo exacerbado. Acredita-se que
o Brasil tem uma camisa pesada, tem craques e que, no fim, tudo vai dar certo.
Não vai. Cada vez mais, as equipas e seleções compensam a falta de habilidade
com disciplina tática e organização. Preparam-se
para ter alternativas quando tudo estiver a dar errado. O trabalho em equipa e
os treinos geram confiança na capacidade de contornar problemas e reverter
desvantagens. Apostar as fichas na amizade do grupo, na mística do treinador,
no peso da camisa ou mesmo na mestria de um craque é pouco. Muito pouco.
Enquanto o Brasil não se adaptar a esta situação, vai continuar a colecionar
derrotas.
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