Filipe
Couto, antigo reitor das Universidades Católica e Eduardo Mondlane, mostrou o seu repúdio às declarações do
Secretário-Geral da Frelimo, Filipe Paúnde, sobre a limitação do CC na escolha
de candidatos daquele partido à Presidência da República. Couto, que falava em
entrevista ao SAVANA, referiu que espera que o CC defenda um candidato da
maioria e que seja uma pessoa
que
quer acabar com a guerra. Sobre a paridade na CNE, uma situação que está a
levar o país ao conflito armado, Couto disse que por detrás da paridade há uma
demagogia e não vê problema em haver paridade na Comissão Nacional de Eleições
(CNE). Diz que o problema não é paridade, mas sim oportunidades na economia e
nas vantagens dos proveitos dos recursos naturais. Acrescenta ainda que a
consolidação do MDM significa que a democracia está a nascer em Moçambique. Nas
linhas abaixo, segue a entrevista.
Falar
do percurso do padre Couto equivale escrever um tomo. Pelo que, vamos nos
concentrar apenas numa parte da sua história. Consta-nos que o padre Couto
conciliou a guerra, como guerrilheiro, e a
religião, como
missionário. Será que não era pecado pregar a palavra de Deus e ao mesmo tempo estar envolvido
numa organização que apregoava a violência?
As pessoas perguntam-me sempre como é que
fui à Frelimo naquela altura em que usava armas para ir contra o colonialismo
português. Fui porque o objectivo da Frente de Libertação de Moçambique era a independência
total e completa de Moçambique, do Rovuma ao Maputo. Este era o interesse geral. Naquele momento
pensava assim: tenho que fazer alguma contribuição na Frente. Esta contribuição
se não é nas armas vai ser noutra coisa. Por isso, quando cheguei lá fiz todos os
possíveis para ser aceite a trabalhar no campo mais ou menos humanitário. Ajudei
que houvesse medicina para mutilados de guerra, crianças, ajudei um pouco nas
escolas e um pouco nas relações exteriores para fazer ver que a Frelimo devia
ser aceite pelos Estados do ocidente. Colaborei na luta pela independência num
sentido contrário à violência, porque nem sequer fui treinado para tal e para
não treinar foi preciso justificar e fui aceite. A Frelimo compreendeu-me e conseguiu integrar a minha intenção
de contribuir para a independência de outra forma. Ou seja, no campo
educacional, da saúde e diplomático.
A
Frelimo acaba de anunciar os seus três pré-candidatos para as eleições
presidenciais de 15 de Outubro. Como
é que encara estas escolhas?
Eu
sou antigo combatente e tenho o cartão de membro. Pela minha idade posso dizer
que pertenço àquilo que chamam de veteranos da luta pela independência. Quando
a Frelimo faz alguma coisa na sua política, primeiro procuro ver a parte
positiva. A Comissão Política (CP) sugeriu nomes de três pré-candidatos para a
sucessão do Presidente Armando Guebuza. A
minha primeira reacção racional é que a CP, que representa o Comité Central
(CC) na política do dia-a-dia, corrigiu Filipe Couto.
Lembram-se
que eu falava de Feliciano Gundana como
figura ideal
para
suceder a Guebuza? A CP disse ‘não, Filipe, a tua geração e de Gundana devem ir
repousar. Quem deve entrar nessa coisa de ser Presidente da República deve ser uma
geração nova e não aquela dos veteranos. Gostas do teu Gundana, mas esta é a
vez da nova geração’, e achei isso positivo.
…Mas
como é encarou
a exclusão dele (Gundana) da lista dos pré--candidatos?
Encarei a ausência de Gundana com grande
disciplina e com a percepção de que nós velhos da Frelimo já não podemos querer
comandar. As nossas forças
diminuíram. A minha vista, os meus ouvidos e a minha flexibilidade hoje já não
é a mesma de há um tempo. Há coisas que já não posso fazer devido à minha
idade. É bom estar claro que estou satisfeito porque a escolha não recaiu sobre
um veterano, mas sim em jovens com mais energia. Eu, Gundana e outros veteranos
vamos ficar na retaguarda a olhar para o que esse jovem que será sucessor de
Armando Guebuza vai fazer.
Com isso quer dizer que está de acordo com
o Secretário-Geral da Frelimo, quando diz que não haverá outros candidatos para
além dos três já anunciados, numa situação em que o Comité Central é que é, de
facto, o órgão de decisão nesta matéria?
Sobre
este ponto, vou divergir completamente com o que o meu irmão Filipe Paúnde
disse. Não ouvi nem vi a entrevista dele, mas ouvi dizer que ele disse que a lista
dos candidatos é esta: fulano, sicrano e beltrano e dessalista, um deles vai
ser escolhido pelo CC para candidato da Frelimo. Na minha óptica, Paúnde
deveria ter dito que esta lista é definitiva do ponto de vista da CP e vamos
entregar ao CC. Cabe ao CC
julgar se um deles vai em frente ou não, ou que devemos aumentar a lista dos
candidatos para depois o CC escolher o candidato que vai de acordo com as exigências
actuais. Se o meu irmão Paúnde pensa que sobre aquela lista, o CC deve fazer como se fosse uma
vaca projéctil a CP e dizer sim…sim…sim…
sem dizer não…vamos aumentar outros candidatos, discordo plenamente. Na minha opinião, Paúnde ou foi mal
interpretado ou ele expressou--se mal. Aí o CC, na qualidade do órgão que elege a
CP e reúne maior número de membros, deverá corrigir esta situação.
Perante
este cenário, qual acha que será o posicionamento do CC?
Não
tenho dúvida de que o CC vai eleger um candidato proposto num contexto mais
vasto. Isto é, num contexto em que se apresentam outros candidatos. Vai eleger um candidate
que sai de uma discussão mais ampla e não só dos três. Os três são candidatos
daquele
pequeno grupo de gestores do dia-a-dia do partido. É um grupo minoritário. Não
se pode sobrepor à maioria que é o CC.
Em alguns sectores defende-se a ideia de
que o candidato ideal da Frelimo tem de ser alguém capaz de fazer pontes e
estabelecer consensos. Dos três
pré-candidatos, qual é que acha que preenche esse perfil?
Não
vou dizer se os três tem ou não qualidades ou quem dos três tem mais qualidades
que o outro. O que defendo é que o candidato da Frelimo saia de uma discussão mais ampla
e
num universo maior. Quanto às qualidades, posso dizer que todos nós mostramos
se as nossas qualidades são boas ou más no exercício das nossas actividades.
Na
óptica do padre Couto qual deverá ser o perfil do próximo presidente?
Tem
de ser uma figura que ouve a sua equipa, que sabe escolher pessoas certas para
posições certas, deve ser um presidente que é líder. Liderança não é só mandar
de uma maneira monomaníaca, onde o chefe diz a todo o mundo que ‘sou eu que mando
e se não faz assim vai embora’. Não. Tem de abrir espaço para discussão. Deve haver
coragem da parte do escolhido de dizer que eu sou fraco neste e naquele ponto,
mas juntos vamos procurar uma figura que melhor pode fazer as coisas e a outra
parte entender isso com normalidade.
Isso não se verifica no actual cenário?
Poderia
acontecer se quem é ministro de vez em quando mostrasse a sua personalidade. Infelizmente, isso
não se verifica. Por exemplo, no segundo mandato do Presidente Armando Guebuza,
dos ministros que estão lá, nunca testemunhei uma situação em que um ministro
saiu a defender o Presidente. Nunca vi um ministro a vir a público e dizer que ‘esta
situação tem a ver com o meu sector e vou responder’. Deixam que todos os erros recaiam sobre a
figura de Armando Guebuza. A própria imprensa só se limita a criticar o Presidente e
não olha para os ministros. Agora fala-se dos raptos. Todos exigem que o
Presidente fale disso, mas existe o Ministro do Interior. É difícil para um
Presidente de uma nação como esta responder a todas as perguntas.
…Mas
há quem diga que isto acontece porque o Presidente Guebuza promove lambebotas e
gosta de palmas.
O
presidente Guebuza pode ter um bocado de culpa, embora não concorde plenamente.
Tive
a sorte de ser nomeado Reitor da UEM por ele e durante os quatro anos que
estive lá, fiz coisas da minha cabeça e ele nunca veio me dizer ‘não faz isto e
faz aquilo’. Eu não creio que o
Presidente Guebuza proíba um ministro de fazer coisas como ele pensa. O que se verifica é que
pessoas que se tornaram ministros, especialmente a partir do segundo período do
Presidente Guebuza, ficam contentes quando vêem o chefe a ser criticado e eles
não.
Com
isso quer dizer que as partes puxam o mesmo comboio mas para
direcções
diferentes?
Todos
puxam o mesmo comboio mas quando há desastre dizem que o culpado é apenas o
maquinista. Embora fazendo parte da tripulação, dizem que não são culpados e
todas as
culpas
recaiem sobre o maquinista.
No
actual quadro político-partidário, não acha que qualquer um dostrês
pré-candidatos será um Presidente refém das vontades do Presidente do partido
Frelimo?
Se
for isso, o presidente Guebuza tem que ter muita sorte. Conheço pessoas dentro
das instituições do Estado que escolheram pessoas fiéis demais para lhes
suceder e foram essas pessoas que as contrariaram. Um pessoa com poder pensa de
outra forma e é capaz de dizer que até esse ponto não vou e você não faz nada porque
ele tem poder. O que está a originar este pensamento é que as pessoas do
Governo faziam coisas e diziam que o Presidente Guebuza é que mandou. Isso até o
(antigo) Primeiro-Ministro, Aires Ali, sempre deu a entender que tudo aquilo
que ele fazia era aquilo que Armando Guebuza queria. Agora, como
é que ele caíu, se fazia tudo o que Guebuza queria? Na política é difícil
obrigar uma pessoa, com poder, a fazer coisas quando não quer.
Estamos
a falar de uma situação em que teremos um Presidente do partido que não será o
mesmo que o da República e num cenário em que os estatutos da Frelimo dizem que
os órgãos eleitos pela Frelimo para cargos governamentais devem prestar contas
ao partido.
O presidente Samora morreu e entrou Joaquim
Chissano, quando foi embora entrou Armando Guebuza. Depois de Guebuza tomar o
poder, Chissano ficou Presidente do partido por pouco tempo, e logo entregou pastas
ao Presidente Guebuza para fazer com que não houvesse contrastes entre o
partido e o Governo. Se o próximo Presidente da República sair da Frelimo é
claro que a mesma Frelimo vai querer que essa figura, como Presidente da
República, apoie os interesses do partido, mas não numa vertente de oito para
oitenta. Tem que se saber que
aquele Presidente não é só dos membros da Frelimo, é de todos os moçambicanos. Mesmo
aqueles que não votaram nele. Aqui, a Frelimo deve ter um Presidente aberto a
todos os moçambicanos. Se isso acontecer já não será preciso fazer esta
diferença entre o Presidente do partido Frelimo e o Presidente da República. Ter um
presidente do partido e o outro da República tem uma desvantagem porque se o
Presidente da República for fraco, o partido vai condicionar tudo. Aqui, o mais importante é escolher uma pessoa
quetem um coração aberto ao partido e a toda a nação.
Depois
de 21 anos de paz, o país voltou a mergulhar numa nova guerra, tudo por causa
de umas linhasdo pacote eleitoral. Considera que há razões para tal?
Há
uma tese que defende que o Presidente Guebuza e Afonso Dhlakama é que têm a
solução. É uma tese que quando se diz, eu às vezes fico preso nela e digo que as
pessoas que a defendem talvez têm razão porque diz-se sempre que os presidentes
Guebuza e Dhlakama devem encontrar-se mas os dois não se encontram. Temos um outro problema.Desde
19 de Outubro de 2013 que nunca vi Afonso Dhlakama falar publicamente ou de forma que convença que é mesmo ele. Pelo
menos até ao dia 19 de Outubro, ele aparecia publicamente. Agora quem está a falar são membros da Renamo
que nos dizem que o que estão a dialogar no centro Joaquim Chissano não está a surtir
nenhum efeito. São quase três meses em que se fala da Renamo e do seu
presidente, mas que este não aparece. Onde
é que ele está? Está vivo ou está morto? Os membros da Renamo dizem apenas que
o Presidente Dhlakama não quer isto ou aquilo. Isso dá-nos a entender que esta
é uma conversação que só há poucos que conhecem o que está por detrás. Isso
pode ser bom porque talvez vão chegar a um acordo entre eles, mas pode ser mau se
isso está a ser levado para frente enquanto as coisas em baixo estão a
deteriorar-se, começa a se ouvir demais ataques ali e acolá. Isso faz com que o
país perca a confiança do cidadão e dos parceiros.
Quem
na sua opinião é o principal responsável desta situação?
O
principal responsável disto tudo somos nós moçambicanos. É que no meio disto
tudo, não sei quem é, mas há quem gosta da guerra porque daí resultam certas
vantagens. Primeiro diziam-nos que quer a Frelimo quer a Renamo não estavam
interessadas nas eleições, mas depois vimos que as eleições autárquicas tiverem
lugar. Depois disseram que ambas as partes não querem eleições gerais, mas agora
vê-se que as eleições gerais terão lugar e oiço que a Renamo vai participar. Quando há uma guerra há sempre um grupo que
ganha e o outro que sofre e nós dissemos que é o povo. Mas cuidado porque é
preciso saber qual povo. De certeza será aquele que perde parentes, seus bens,
aquele povo que será obrigado a deixar suas machambas, gado e outros bens para se
refugiar noutras zonas, aquele comerciante que terá a sua cantina saqueada ou
queimada. Portanto, é uma responsabilidade colectiva e que como moçambicanos
que somos, temos a responsabilidade de eleger uma pessoa que quer acabar com
essa guerra. Aí o CC também tem
a palavra a dizer. O CC deve defender que seja um candidato que convença
as pessoas que quer acabar com a guerra.
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