A segunda parte (última) da entrevista feita ao Padre Couto pelo Jornal Savana
O partido Frelimo reivindica ter cerca de quatro milhões de membros. A Renamo também tem o seu eleitorado. A actividade dos partidos é convencer os eleitores a
apostar nos seus programas. Porém, para o caso concreto dos dois principais partidos, as atenções
estão viradas para os órgãos eleitorais e não nos eleitores. O que estará por detrás disso?
Por
detrás disso está uma demagogia porque no meu entender não vejo nenhum
problema em haver paridade na Comissão Nacional de Eleições (CNE). O que custa
fazer paridade na CNE? Podem fazer isso. Aqui o problema é outro. Não é
entre a Renamo e a Frelimo. O problema é que as oportunidades na economia, as
vantagens dos proveitos dos
recursos naturais devem ser oportunidades que mais ou menos todos tenham. As
comunidades moçambicanas devem
todas beneficiar destes proveitos. Com isso não quero dizer que, uns não podem
ser ricos mais que os outros, mas basicamente todos querem os mesmos direitos e
esses direitos quando não há, não me admirarei que haja um grupo da Frelimo a
lutar contra a Frelimo oficial e por baixo a ajudar a Renamo. Não me admira que
haja frelimistas que apoiam o MDM. Se
for a ver, todos esses políticos que hoje aparecem como oposição à Frelimo
saíram todos da Frelimo. São pessoas que em algum momento sentiram que são
capazes de fazer isto ou aquilo, mas como não lhes dão espaço vão fazer do
outro lado.
Como é que o padre Couto avalia os resultados eleitorais das
eleições de 20 de Novembro?
Isso
significa que a democracia está a começar em Moçambique. Há democracia quando
de vez em quanto quem ganhou também perde. O jogo é democrático quando um dia
ganha o Maxaquene e noutro o Desportivo. Por isso, o facto de a Frelimo ter
ganho mas também perder não é uma coisa má para a democracia, é bom. Isso é uma
vertente. Analisando concretamente os resultados das eleições autárquicas, no caso
concreto de Nampula e Quelimane porque, como todos nós sabemos
Beira
é uma cidade que sempre se opôs a quem está no poder, mesmo o Movimento
Democrático de Moçambique se estivesse no poder, na Beira seria oposição.
Aquela cidade foi sempre assim. Voltando às cidades de Quelimane e Nampula, é
importante frisar que a Frelimo, existindo há 50 anos, dos quais perto de 40 no
poder, chegou a um momento em
que dentro do partido Frelimo não se tratam as coisas de maneira democrática.
Manda-se do topo para a base, esquecendo-se que a Frelimo era um partido que
tinha democracia a partir da célula, passando pela localidade, distrito,
província até
ao nível nacional. A base é que escolhia. Mas hoje é tudo o contrário. Muitas
vezes nota-se que o topo põe líderes que as bases
não querem. Aquela democracia de dizer que a base é que decide acabou. Vejam o
que aconteceu com o
candidato da Frelimo para o município de Nampula; quem o indicou? Foi a base ou
o topo? Na renúncia de Pio Matos (em Quelimane), também foi o mesmo. No caso de
Nampula,ouvi que a direcção da Frelimo foi avisada que aquele não era um candidato
querido pelas bases e isso foi ignorado. Perante esta situação há que frisar que
a Frelimo tem que mudar. Ou retoma
a democracia ou perde o poder. No mundo há exemplos de grandes partidos que
acabaram desaparecendo por
causa disso. O partido Comunista na União Soviética trabalhou só 50 anos e daí
já não podia ir mais a frente. Mikhail Gorbachev queria reformar e acabou com o
partido. O topo já não se ligava às bases, trabalha-se em grupos. O mesmo
está
a acontecer na Frelimo. Hoje, o partido trabalha através do cartão e no cartão
infiltrou-se gente que não está interessada no povo. Está interessada nos seus
próprios interesses.
Quem é o culpado disso?
O
culpado disso é aquele que não promove a qualidade técnica, promove o cartão.
Aquele que dá a entender que quem tem cartão tem mais vantagens e aquele que
não o possui menos vantagens, independentemente da competência técnica. Acho
que é uma tentativa errada porque está a fazer com que a Frelimo seja infestada
por pessoas alheias aos verdadeiros objectivos do partido Frelimo. É um erro
que a Frelimo tem de tomar em conta, porque se não corrigir pode culminar com a
divisão
do partido.
Há quem defenda que se a Renamo continuar na actual rota ela corre
o risco de perder a posição de segunda maior força política no país, a favor do MDM. Qual é a sua
leitura?
Acho
que neste momento a Renamo está a pôr suas raízes para competir nas próximas
eleições gerais. Agora se terá um resultado favorável ou não isso não sei. Mas
pode mostrar que ainda é forte e manter a posição de segunda
maior força política nacional.
Há dias, o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, disse
que o Presidente da Renamo deve ser acarinhado para se sentir confortável a voltar a Maputo.
Compartilha a mesma ideia?
Concordo
plenamente com as declarações do Presidente Chissano. Quando você quer dialogar
com uma pessoa não a pode humilhar. A Frelimo não pode humilhar a Renamo e quem
pode impedir isso é o eleitorado que deve fazer com que a Renamo não perca a
sua representatividade no parlamento.
Como é que o padre Couto avalia a forma como o Presidente da
República reage às críticas?
Não
é fácil ser chefe e ao mesmo tempo ouvir que sou criticado mas, em geral é um
erro que aqueles que cooperam comigo, façam calar aqueles que me criticam. Há
aqui os mandatados para fazer com que a opinião pública não diga aquilo que quer
dizer mesmo que seja a verdade. Neste ponto vou dar o exemplo do porta-voz do
Presidente da República, o Senhor Edson Macuácua. É um jovem que o conheço e
que foi nosso estudante na UEM. Nota-se da parte de Macuácua que há uma
tentativa de travar a imprensa e a crítica pública. Aliás, qualquer Governo
procura travar a imprensa de uma maneira ou de outra, mas se um Governo ou o
Presidente quer ser democrático, tem de trabalhar com a imprensa nos bons
moldes. Quer goste quer não. O que na realidade se vê é um exagero da parte de
Edson Macuácua, quando chega à Presidência. Ele devia saber que está a servir o
Chefe do Estado, que é Presidente de todos os moçambicanos. Não pode pensar que
é empregado de uma cervejaria onde os críticos do chefe não podem comprar
cerveja.
Nos seus encontros, os bispos católicos têm dito que a arrogância
e a intolerância política da parte dos detentores do poder, para além da distribuição
desigual da riqueza, é que estão a levar o país para o abismo. Concorda?
Sou
padre Católico e falo para exprimir as minhas opiniões. Não é meu hábito
comentar discursos de bispos católicos.
Exprimindo a minha opinião pessoal, posso dizer que em Moçambique há um grupo
de pessoas ricas que estão
a favorecer as suas famílias sem olhar para a competência, há pessoas que têm
mais facilidades que as outras. Uma das formas de criar riqueza é dar
oportunidades para aqueles que são capazes e não limitar as coisas a um grupo
de pessoas e
suas
famílias.
Qual é a opinião do padre Couto sobre o papel da sociedade civil
em Moçambique?
Em
Moçambique há muita gente que diz que é da sociedade civil mas que na realidade
não é. Sociedade civil não é família, não é Estado, não são sindicatos, não são
jornalistas. A sociedade civil é aquela que sempre potencia
a desvantagem e não aquela de potencia a vantagem. Alice Mabota, Lourenço do
Rosário, entre outros, não são sociedade civil. Alice Mabota e Lourenço do
Rosário fazem parte daquele grupo que tira proveitos das camadas desprezadas. Lourenço
do Rosário é proprietário de uma universidade onde toda a gente que vai estudar
tem de pagar dinheiro, é director do Fundo Bibliográfico onde tem regalias e ganha
salário, é membro do MARP onde ganha senhas de representação. Sociedade Civil é
aquela senhora que está no Xipamanine a vender para sustentar a sua família,
educar
seus
filhos.
Perante os factos que caracterizam a governação de Armando Guebuza
nos dois mandatos, pode-se dizer
que sai de cabeça erguida?
Antes
de mais há que realçar que nos primeiros cinco anos o próprio povo saiu
satisfeito com o desempenho do Presidente Guebuza e do seu governo, de tal forma
de conseguiu resultados positivos nas eleições gerais de 2009. Naquela altura,
o Presidente Armando Guebuza disse coisas que fez. Quando disse que o distrito
era o pólo de desenvolvimento e teria um fundo de sete milhões isso verificou. Podemos
discutir os critérios de atribuição desses valores mas a verdade é que os sete
milhões estão lá. Tivemos grandes realizações em infra-estruturas, acesso à
educação, água potável, saúde, emprego entre outras áreas. Agora, quando veio o
segundo período as coisas alteraram-se e os ministros não foram na mesma linha com
o Presidente. Vimos muita coisa dita e que depois não foi feita. Posso dar o
exemplo da cesta básica, da reforma do ensino superior entre outras promessas.
Pelo que, o segundommandato não foi todo bom mas ainda pode inverter a
situação. Para tal, é importante que o presidente Guebuza deixe o CC escolher um
candidato que é resultado de uma discussão ampla e que é verdadeiramente
acarinhado pelos moçambicanos e acabar com a instabilidade.
0 comments:
Enviar um comentário