Começou por dirigir o programa da
Chatham House para a África Subsariana, já especializado em Angola. Desde 2002
chefia o Programa para África do think tank britânico. Alex Vines não esquece a
emoção das primeiras eleições em 1992, quando viu os angolanos a votar cheios
de expectativas, antes da nova eclosão da guerra civil. Agora, tem a certeza de
que o país está em transição, diz numa conversa por telefone e por email a
partir de Londres.Começou por dirigir o programa da Chatham House para a África
Subsariana, já especializado em Angola. Desde 2002 chefia o Programa para
África do think tank britânico. Alex Vines não esquece a emoção das primeiras
eleições em 1992, quando viu os angolanos a votar cheios de expectativas, antes
da nova eclosão da guerra civil. Agora, tem a certeza de que o país está em
transição, diz numa conversa por telefone e por email a partir de Londres.
Nas
eleições de 2012 já havia sinais de mudança lenta (primeiros protestos contra a
corrupção e a falta de alternância política, na sequência das revoltas árabes),
mas isso pouco reflexo teve nas urnas. Agora, parece ter-se iniciado um
processo de transformação sem recuo (crise económica somada ao caso dos 15+2
activistas condenados). Como é que descreveria o momento actual em Angola?
Angola está em transição. O fim
do boom do preço do petróleo e o enfraquecimento da saúde do Presidente, José
Eduardo dos Santos, resultaram num compasso de espera. Mas esta transição
acelerou-se com a decisão do chefe de Estado de antecipar a sua partida. Angola
está agora num momento de inércia de curto prazo, a maioria das decisões
políticas realmente importantes foi adiada até depois das eleições.
Quais são
as reformas mais urgentes? Sector financeiro, diversificação da economia,
combate à pobreza, o desemprego, ou melhorar o acesso a cuidados de saúde?
As reformas mais urgentes são as
que dizem respeito ao sector financeiro — correspondendo à actual crise do
sector bancário. Imagino que uma administração de João Lourenço [candidato do
MLPA, Movimento Popular para a Libertação de Angola, no poder, nomeado pelo
Presidente] se focará em reformar o Banco de Angola, várias autoridades de
regulação, chamar novas pessoas para o Ministério das Finanças e tentar obrigar
os bancos a fazerem testes de stress. Algumas das outras reformas serão mais
graduais, talvez tenham de esperar pelo congresso extraordinário que o MPLA
deve realizar em Dezembro, quando o Presidente dos Santos dá sinais de que
abandonará formalmente a chefia do partido.
Acredita
que João Lourenço vai ter margem para governar ou terá de negociar
permanentemente com o clã de José Eduardo dos Santos, nomeadamente com Isabel
dos Santos na petrolífera Sonangol?
Não subestimaria a capacidade de
Lourenço começar a impor a sua autoridade. Claro que será gradual e de forma a
não ameaçar José Eduardo dos Santos e as protecções constitucionais que
acabaram de ser introduzidas para lhe dar garantias extra de protecção
[imunidade judicial, entre outras]. Vai ser interessante observar como é que
são tratados os membros da família. Inicialmente, Isabel dos Santos mostrou que
tinha uma visão para reformar a Sonangol, mas isso abrandou mais recentemente.
A sua reputação como empresária de sucesso será medida pelo que conseguir
alcançar na Sonangol. Não há nada mais estratégico para o futuro de Angola do
que uma indústria de petróleo e de gás eficiente. E são necessárias reformas
urgentes (agora e outras no futuro) para assegurar que esta indústria não se
contrai de forma dramática.
João
Lourenço foi uma escolha imposta por José Eduardo dos Santos ao MPLA ou pelo
partido ao ainda Presidente?
Nunca é fácil para os analistas
que acompanham Angola compreender totalmente a política interna do MPLA. O que
é evidente é que o partido está de novo a tornar-se mais assertivo e que, sob
uma presidência de Lourenço, a vida política vai ser menos presidencial e o
partido terá uma voz mais forte. A minha leitura é que João Lourenço foi um
compromisso aceitável — uma ponte de transição para a geração dos mais novos.
Comparado com muitos dos possíveis aspirantes a Presidente, não é exibicionista
e construiu uma carreira de prudência.
Há
oportunidade para uma verdadeira mudança num futuro próximo?
Acredito que Angola está num
ponto de viragem e que a mudança está mesmo para acontecer. Mas vai acontecer
num processo de ajustes, avanços e recuos, vai ser confuso e feio. A saúde de
José Eduardo dos Santos está claramente a enfraquecer e isso pode resultar na
sua decisão de abandonar a liderança do MPLA. Se isto acontecer, as mudanças
chegarão mais depressa, mas mesmo que isso não aconteça não significa que a
mudança não começará (como vimos na Namíbia, quando Sam Nujoma deixou a
presidência e escolheu permanecer durante algum tempo na liderança do partido).
A maioria
dos eleitores são jovens que não viveram a guerra. Esta juventude vai votar ou
muitos escolherão ficar em casa, como alguns membros do movimento dos ‘revus’
defendem, não acreditando em eleições livres e justas?
O voto dos jovens é importante,
especialmente nas áreas urbanas, nas periferias das cidades e nos musseques
[bairros de lata]. Como aconteceu nas últimas eleições, muitos angolanos das
áreas rurais decidem o seu voto no habitual sistema de clientela e tradição,
através do que mandam fazer os sobas [chefes de tribo] ou outros. As áreas urbanas
e bairros periféricos não são controlados dessa forma e o MPLA não é
complacente face a este voto. A abstenção provavelmente ajudaria mais o MPLA do
que a oposição. O MLPA está confiante na vitória, mas está ansioso quanto à
dimensão da sua maioria. O seu objectivo é manter um domínio significativo na
Assembleia Nacional.
Imagina uma
situação em que o próximo Presidente tenha de lidar com um apoio minoritário no
Parlamento (cenário possível de acordo com a actual Constituição)?
Ainda espero que o MPLA obtenha a
maioria nesta eleição. A questão é quão reduzida e até que ponto é que os
resultados da CASA-CE [Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação
Eleitoral] podem ser bons. Por causa das suas divergências internas, a FNLA
[Frente Nacional de Libertação de Angola] terá provavelmente um mau resultado e
é uma pena que a CASA esteja a competir directamente contra a UNITA [União
Nacional para a Independência Total de Angola] — isso vai dispersar o voto. Os
grupos da oposição acreditam que poderão, pelo menos, aumentar a sua
representação parlamentar, subindo dos 45 deputados em 220 lugares que elegeram
em 2012.
As poucas
sondagens indicam que a CASA-CE pode ser uma revelação, ultrapassando a UNITA.
O facto de a CASA-CE ter atraído
o Bloco Democrático e o Partido Democrático para o Progresso e Aliança Nacional
de Angola vai ajudar a sua votação, especialmente em Luanda. Espero que a
CASA-CE ganhe mais votos, sim, mas na verdade, o que a CASA oferece parece ser
menos ideias novas e mais rostos diferentes. Nós recebemos recentemente Raúl
Manuel Danda, vice-presidente da UNITA, e Carlos Tiago Kandanda, um dos
principais conselheiros do presidente da CASA-CE, no fórum anual sobre a Angola
na Chatham House. Quase nada os distinguia em termos de políticas, é uma
competição de personalidades e não tanto de ideias.
Acredita
que não haverá fraude — tal como diz que não houve em 1992, quando esteve em
Angola como observador eleitoral?
As primeiras eleições
democráticas de 1992 foram extraordinárias. Eu estava a trabalhar com a UNAVEM
II (Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola) e vi aldeões que tiveram
de andar durante dois dias para votar. Foi uma experiência de humildade e convenceu-me
que os angolanos valorizavam realmente a democracia, ajudando-me a valorizá-la
ainda mais. As eleições posteriores mostraram-me que os angolanos ainda dão
valor à democracia e não vi nada que me convença de que tenha havido fraude no
próprio dia das eleições. Agora, não há dúvidas de que o MPLA parte com uma
vantagem tremenda de estar no poder durante o período de pré-campanha.
É uma vergonha que a União
Europeia não possa monitorizar as eleições, não acredito que o Governo tenha
nada a esconder — e a sua ausência ajuda a alimentar teorias da conspiração.
Para minha surpresa, o meu próprio instituto, a Chatham House, foi convidado
pela Comissão Nacional Eleitoral a enviar uma equipa de observadores. Não
pudemos aceitar por causa da nossa carta, que nos mandata apenas para promover
debate e discussão. Eu posso individualmente monitorizar eleições, como fiz no
ano passado no Grupo de Observadores da Commonwealth, no Gana; agora, um dos
meus colegas quis integrar a equipa do Reino Unido que ia participar na missão
de observação da UE em Angola, mas infelizmente Bruxelas vai enviar muito pouca
gente e não uma verdadeira missão.
É costume
dizer-se que os angolanos tanto querem mudança como a temem, agora que têm paz.
O angolano médio quer trabalho,
menos pobreza, uma vida melhor. Qualquer futuro governo terá de cumprir mais,
ser mais eficaz e encontrar uma forma séria de diversificar a economia para
além do vício do dinheiro do petróleo. A produção de petróleo está actualmente
à volta dos 1,8 milhões de barris por dia, mas pode baixar para 1,2 até às
eleições de 2022. A mudança tem de acontecer e o governo formado depois das
eleições de 23 de Agosto terá algumas decisões muito difíceis para fazer.
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