Desde que o mundo tomou consciência da
importância e dos impactos das mudanças climáticas, que se adoptou e se vai
melhorando o conceito de resiliência e de adaptação a essas mudanças. A
resiliência não é mais do que a habilidade das sociedades se organizarem e se
estruturarem para reduzir os impactos das mudanças esperadas e
imprevistas, e os desastres naturais associados a elas.
Moçambique, com apoio dos seus
parceiros/doadores, tem estado a contruir sistemas e processos que
permitam que as populações atingidas por calamidades naturais e a economia
possam sentir cada vez menos o impacto desses eventos extremos da natureza. Mas
o conceito de resiliência não fica pelas calamidades naturais e adaptações as
mudanças climáticas. Em anos recentes, o conceito e a sua aplicabilidade se
expandiram para incluir organizações, empresas, governos, países, reguladores,
segurança, guerras, etc. E aqui a essência do conceito não difere muito
daquela que usamos já com certa perícia para as calamidades naturais. Para
ser útil e funcional o conteúdo de resiliência toca nos aspectos de
antecipação, proactividade, previsão, gestão de crise e reabilitação do tecido
económico e social afectados, de tal maneira que uma crise igual ou não
aconteça, ou se acontecer que haja mecanismos para reduzir ou minimizar os
seus impactos negativos.
A prática que aprendemos a adoptar na construção de
resiliência aos desastres naturais, nos levou ao aperfeiçoamento da capacidade
de detectar e conter os efeitos das calamidades, bem como a
reconstrução do destruído. Esta capacidade que se denomina de gestão de crise,
tem demonstrado eficiência e eficácia do Governo, louvados pela
sociedade Moçambicana e outros países que olham Moçambique como exemplo. No
fundo, a gestão de crise não tem nada de especial para além do compromisso
de pôr as mãos na massa quando é necessário, e não ficar somente pela
teoria ou pelas orientações.
Quando se constrói uma casa se toma em
conta, entre muitas coisas, a prevenção para que ela não venha a arder ou a
cair. Para além de aspectos de engenharia a considerar, também se podem
considerar aspectos de transferência de risco via aquisição de um seguro contra
incêndios e outros. Mesmo sabendo que a casa foi edificada com mecanismos de
prevenção ao incêndio, ela pode pegar fogo. E quando assim acontece, existe um
corpo de bombeiros que primeiro se preocupa em conter o
fogo, depois debelá-lo, avaliar os danos e investigar como e aonde surgiu
a faúlha que levou ao desastre, e quem provocou. Aqui se procura também
saber se o autor do fogo tinha ou não intenções criminosas,
ou se foi um acto não deliberado. Em nenhum momento se gere a
crise do incêndio procurando primeiro saber quem pôs o fogo e
porque, e só depois disso se procurar apagar o incêndio.
No caso das dívidas ocultas que tem impacto no
desenvolvimento económico, a gestão da crise parece ter contornos
diferentes. O debate sobre esta matéria tem vindo a dominar na imprensa e nas
redes sociais. E não é para menos, pois este assunto é entendido como tendo
tido grande influência na desaceleração de uma economia florescente que andava
a galope já há mais de 10 anos. E o debate é sempre bom desde que sirva para
conter e debelar o fogo e criar mecanismos para que nunca volte a acontecer. E
se voltar a acontecer, Moçambique terá que ter mecanismos de resiliência para
que o seu impacto não impeça a continuação do crescimento e desenvolvimento.
Infelizmente, o debate das dívidas ocultas e o
processo de gestão da crise provocada aponta para primeiro saber quem foi que
pôs o “fogo” já assumindo que há intenções criminosas. Só depois
disso é que se vai “apagar” o incêndio que se alastra na economia. Pelo menos é
essa percepção que emerge desses debates, pronunciamentos oficiais e oficiosas.
Os doadores e parceiros de Moçambique indicam esse caminho quando dizem que não
voltam a mesa de parceria com o Governo para redirecionar a economia para
frente, enquanto não se souber o autor e as suas intenções. As consequências da
aberração da lógica de investigar primeiro e depois “apagar” são também
aberrativas. Todo o povo Moçambicano tem que ficar à espera do
relatório, e enquanto espera sofre o fogo pode se alastrar a
outras casas. Todo o povo está de castigo antecipado porque ainda se
investiga. Parece aquela história do patrão que suspeita que houve roubo
de blocos na empresa. Mesmo antes de chegar a certeza que o tal roubo aconteceu,
diz aos seus empregados que enquanto eles não denunciarem quem roubou os
blocos, estão suspensos todos os salários. Esta atitude manipula o pensamento
dos trabalhadores para assumirem que de facto houve um roubo, e pode gerar
raiva de todos os trabalhadores contra um ou dois possíveis ladrões.
Nasce a desconfiança entre e, com ela
muito espaço para traição e vingança. Já não se trata só
de justiça, mas também de ajuste contas, possivelmente de um
crime e criminosos que não existiram. Quer isto dizer que o patrão
semeou a discórdia, agitação, desconfiança e semente de vingança
entre os trabalhadores. Conscientemente ou não, a lógica dos doadores,
parceiros e os debates dos fazedores de opinião conduz ao caos e não a gestão
efectiva da crise e construção da resiliência. Mas os doadores e
parceiros não podem ser responsabilizados pela gestão da crise, se bem que eles
têm defendido de forma racional e correcta a tomada de medidas
para gerir efectivamente as crises provocadas pelas calamidades
naturais. A posição de que a sua ajuda se encontra suspensa até se saber
tudo sobre o autor e intenções do “incendio” pode ser correcta no seu
ponto de vista como doadores. Isto é somente um aspecto a contar com
ela na gestão da crise. São os Moçambicanos que tem que ir buscar os
outros aspectos a considerar nesta gestão. Por exemplo, já poderíamos
estar a debater ou passar informação de como no futuro, se pode impedir emissão
de garantias soberanas sem envolvimento do parlamento, ao meso tempo que há que
debater como é que o nosso parlamento pode funcionar em caso que um ou mais
partidos representados no parlamento está engajado em actos de
desestabilização politica ou militar do país. Não é normal no mundo haver
um parlamento onde um ou mais partidos políticos aí representados estão engajados
na guerra alegadamente contra o partido maioritário. Em qualquer parte do mundo
desenvolvido é impensável ter no parlamento um partido armado. Não se pode
descartar este facto da equação pois sem dúvidas que os autores das dívidas
ocultas, que as contraíram para adquirir armas para se defender de um dos
seus parceiros no parlamento tiveram em conta esse aspecto quando ponderaram
levar ou não o assunto ao parlamento. Poderíamos igualmente estar a debater e a
tomar medidas de como se age nos casos em que há segredo de Estado.
É entendível que os Serviços de Informação
e Defesa de Estado tenham recusado passar informação
secreta a uma entidade estrangeira e alheia a esses serviços.
Mas provavelmente deve existir um mecanismo pelo qual a Procuradoria
da República ou outras instituições nacionais de justiça possam ter acesso a
essa informação quando há um processo crime a ser desvendado. Já deveríamos
estar a debater e agir sobre planos de contingência a ser implementados quando
os doadores e parceiros se zangam connosco e suspendem o apoio. A história e a
experiencia mostra que isto pode vir acontecer no futuro, porque já aconteceu
no passado. Afinal de conta é normal amigos se zangarem um com outro de
vez em quando. Fomos excluídos da atenção da maioria dos doadores logo
após a independência e Moçambique lidou com essa exclusão e
sobreviveu. Uma publicação da OXFAM com o titulo “Apoio Orçamental em Países
Frágeis” (Budget Support in Fragile States) mostra que globalmente o apoio dos
doadores tem vindo a declinar desde 2004. Do apoio global, o suporte directo ao
orçamento caiu de 21% em 2004 para 10% em 2009. Em Moçambique, pouco
antes das dívidas ocultas se concretizarem ou emergirem, já havia
doadores que tinham suspendido o seu apoio directo ao Orçamento Geral
do Estado.
O Governo da Dinamarca, por exemplo, decidiu fechar
a sua representação diplomática e fecho de apoio à Moçambique e
outros países motivado por outras razões e não da divida oculta. A Holanda
saiu do apoio directo ao orçamento em 2013, antes da concretização das dividas
oculta.
Que não tenhamos ilusões, pois a probabilidade de os doadores voltarem
a fechar a torneira por outras razoes é muito alta. Não esqueçamos que os
nossos doadores têm outros problemas em outros cantos do mundo. Tem a crise dos
refugiados, tem que apoiar o Iraque, Afeganistão, Síria e outros e o dinheiro
deles não estica. Por isso vale a pena debater e tomar medidas que nos permitam
funcionar sem este tipo de apoio.
Há um ditado popular que diz que quando Deus fecha
uma porta, abre-se uma outra. Hellen Keller, escritora e conferencista, e
primeira pessoa conhecida no mundo surda e cega a ter um bacharelato elabora
aquele ditado popular quando diz “quando se fecha uma porta da
felicidade, abre-se uma nova; mas muitas vezes ficamos a olhar tanto tempo
para a porta fechada que não conseguimos ver qual é a porta aberta para
nós”. É esta a atitude que temos que ter, deixando de insistir em
olhar e bater a porta trancada para podermos descobrir outra igual ou melhor. E
se calhar a melhor porta aberta, é sabermos viver sem depender de mão
estendida.
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