Foi a
primeira vez, pelo menos em público, que o Presidente Filipe Nyusi reconheceu a
possibilidade de haver “indícios criminais” no relatório de auditoria sobre as
dívidas ocultas. O Presidente falava durante o
encerramento da última sessão do Comité Central da Frelimo, onde se pressupõe que
o assunto tenha sido abordado pelos militantes do partido com alguma
profundidade. Mas ao mesmo tempo que o Presidente manifestava esse
reconhecimento, procurava
igualmente persuadir os moçambicanos a ocuparem-se de outras coisas,
sublinhando que as dívidas ocultas não devem ser a “única agenda” do país. É
possível compreender a pressão que se exerce de vários quadrantes sobre o
Presidente e o seu governo, no que toca à necessidade de um rápido desfecho
quanto ao assunto das dívidas ocultas. É como uma música que se repete várias
vezes; cansa, e deixa de ser agradável para o ouvido. Mas este é um assunto que
continua a marcar directa e individualmente a vida de muitos moçambicanos. Não
se trata, por isso, de uma questão trivial,
que só os teimosos e mal intencionados insistem em manter na agenda pública. Estas
são dívidas que em termos do seu peso sobre a economia do nosso país
representam cerca de 15 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Provocaram
deslizes nas finanças públicas que pouco se sabe ainda até que ponto irão
afectar a agenda de desenvolvimento do país. Moçambique não está irradiado da
cooperação com o resto do mundo, mas como tem sido várias vezes reiterado pelos
nossos parceiros, há assuntos que não poderão andar para a frente enquanto não
houver um desfecho satisfatório sobre este dossier. Como consequência da forma
como elas foram contraídas, o país perdeu a confiança dos seus principais parceiros
e credores internacionais. Isto, por sua vez, provocou uma grande derrapagem na
economia do país, afectando significativamente a condição económica de cada um dos
seus cidadãos.
A maior
indignação dos moçambicanos nem sequer resulta do facto das dívidas terem sido
contraídas, mesmo que tal tenha sido à margem do parlamento. Neste momento nem
importa para que fins elas foram contraídas. Muitos moçambicanos se sentiriam
confortáveis com o facto dos fundos terem sido aplicados para questões de
interesse nacional, seja tal o que for. O que é deveras preocupante é o facto
das dívidas terem sido contraídas sem se saber muito bem para que fim se
destinavam. Como não constitui novidade para ninguém, nenhuma das três empresas
que se pretendia financiar com os empréstimos está a funcionar. Para além dos
indícios criminais agora à vista, há sinais preocupantes de grande
incompetência e amadorismo na forma como tudo foi feito. Terá sido
incompetência com intenção criminosa? Quem, afinal, é que no seu melhor juízo
poderia acreditar que três empresas, sem qualquer estudo de viabilidade
económica para se informar das condições do mercado, sem contratos prévios com
potenciais utilizadores de seus serviços, poderiam, num espaço de três anos,
colectivamente gerar receitas totalizando 2,4 biliões de dólares?
E se estas
empresas eram capazes de gerar este nível de receitas, ficam por descodificar
as razões porque outras empresas públicas nacionais, melhor estabelecidas e em
alguns casos operando em regime de monopólio, continuam deficitárias. É esta
abordagem de laissez faire com
que foram tratadas questões sérias do Estado, que é motivo da indignação geral
que se está a tornar um incómodo. E enquanto não for afastada a hipótese de
esforços deliberados para dificultar o trabalho dos auditores, enquanto não
houver uma informação concisa sobre os valores supostamente em falta, e
enquanto não se puder provar que não houve sobrefacturação a granel, o assunto das
dívidas ocultas continuará no topo da agenda de muitos moçambicanos, por mais
que se pretenda que o mesmo encontre a sua morte natural. E não haverá
protestos do mais alto sentido de patriotismo que
irão
tranquilizar seja quem for. As dívidas não são a única agenda do país, isso é
verdade, mas o impacto das suas consequências em cada um dos cidadãos destes
país torna-as num assunto que não se podesimplesmente desejar que desapareça,
por alguma magia, da esfera pública.
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