Não é que a
sociedade civil moçambicana nada esteja a fazer para honrar e dignificar o seu
nome e postura. Não é que a oposição política não esteja funcionando e trazendo
a público as suas preocupações e projectos. Não é que o país não esteja andando
ou progredindo em determinados sectores. Não é que tudo o que o poder do dia
esteja fazendo seja completamente mal feito. Mas não se pode dizer que o país está nos carris e que tudo esteja “nos
conformes”...
Há uma certa paralisia na esfera política dado o contínuo impasse no Centro de
Conferências “Joaquim Chissano”. Há suspeitas fundamentadas de que as manobras
dilatórias protagonizadas pelos interlocutores naquele fórum tenham como
objectivo final o adiamento dos pleitos eleitorais, e desta forma prolongar a
permanência no poder da actual equipa. Parece que estamos suspensos numa ponte
frágil, prontos para uma queda fatal. A teimosia e o apego ao poder de certas
personalidades é uma receita perigosa para o país. Armados de legitimidade
conferida pelo facto de serem o Governo do dia, advogam saídas para uma crise
que consome recursos e fragiliza o tecido nacional de todo inaceitáveis para a
larga maioria dos moçambicanos. Convém ter olhos de ver quando se lançam
ofensivas públicas de tornar os outros em demónios. Encomendam-se caixões para
uns, enquanto se adquirem jactos executivos para outros. Num autêntico
golpe de rins estratégico, convocam-se marchas até bem-intencionadas, visando
reclamar ou protestar contra regalias e mordomias de PRs e deputados. “Virar e
o feitiço contra o feiticeiro” é um bico-de-obra de difícil realização, mas as
tentativas não pararão por aqui. Com êxito ou sem êxito, a sociedade civil da
capital do país vem-se mostrando interventiva, copiando em certa medida
comportamentos e procedimentos similares de outras latitudes. Mas na senda do protagonismo e da oposição a determinadas decisões ou
deliberações da Assembleia da República e do Governo importa não perder de
vista aspectos fundamentais da governação, suas implicações e consequências.
Vem isto a propósito da incapacidade de todo um pacote de dívidas assumidas
pelo Governo sem consulta nem aprovação parlamentar. A sociedade civil
ainda não terá reparado que o Governo está hipotecando o país a médio e longo
prazo? Os partidos políticos moçambicanos estão distraídos e são ignorantes
quando se trata de verificar e aferir a viabilidade de decisões vinculativas
tomadas pelo Governo na esfera financeira? Enquanto, por exemplo, a Embaixada
da Suécia em Maputo ainda pergunta pela EMATUM, para a maioria dos
moçambicanos, seus partidos e líderes é assunto esquecido, facto consumado?
Quanto custaram os aviões de guerra adquiridos em segunda mão? Foram
apreendidos pelo Governo da Alemanha, e depois o que aconteceu? Que fez o
ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique para recuperar equipamentos
pertencentes a Moçambique? Afinal que cooperação existe entre a Alemanha e
Moçambique? Os grandes dossiers do sector de minerais e energia, que foram
sendo tratados sigilosamente pelo Governo, jamais encontraram uma resposta
efectiva da sociedade civil. Quando instituições como o IESE e o CIP investigam
e trazem a público conclusões de extrema importância para a redução da dívida
moçambicana, para o acerto de contas e adopção de procedimentos consentâneos
com os preceitos de boa-governação e austeridade, quem os escuta? Quem aprende
com o que dizem? Deputados improdutivos e declamadores de poesia elogiosa a
líderes empurram o país para o abismo através do seu comportamento vergonhoso.
No lugar de fazerem da AR a “Casa do Povo”, transformaram-se em vampiros
sugando o sangue de seus concidadãos. É deplorável, triste, vergonhoso que uma
minoria se tenha afastado tanto das suas proclamações pré-eleitoralistas. Saudar
marchas da sociedade civil, mesmo que seja visível algum grau de infiltração
por agentes estranhos às causas advogadas, não deve significar que nos calemos
face a uma estratégia bem definida de depauperar o Estado e os seus recursos. Há
uma manifesta agenda secreta de endividamento do país que nada tem de
estratégico. Gente de escrúpulos duvidosos e suspeitos está disposta a
continuar assinando acordos e contratos de contrapartidas também duvidosas.
Quem vende ao desbarato o que o país possui deve ser chamado ao parlamento
para, de maneira rigorosa, explicar os contornos de negócios que lesam a
pátria. Não se pode brincar às manifestações e esquecer que, enquanto se
manifesta, existem agentes activos cimentando a sua posição em parcerias
público-privadas de interesse estranho e suspeito. Quem autoriza
garantias de dívidas de empresas de dimensão e missão desconhecida e
aparentemente secreta deve ser questionado pelos representantes do povo, porque
ser titular de cargo público não dá direito a posição de proprietário do país e
dos seus recursos. Não se deve brincar com assuntos de Estado e deixar que os
abutres tomem conta da agenda nacional.
Os brilharetes que as marchas possam
trazer para a arena pública são importantes, mas os ataques à depredação dos
recursos nacionais devem ser mais acutilantes e demolidores.Quem se propõe a
endividar as gerações de hoje e as vindouras deve ser travado com decisão e
profundidade. Moçambique não é uma ONG nem um partido político. Não somos
filhos de fundações de cariz filantrópico nem queremos viver de caridade. Não
queremos esmolas nem camisetas comemorativas. Queremos dignidade, justiça e
acesso ao país que nos pertence. Ao Governo só exigimos que desbloqueie as
“negociações” que andam a passo de camaleão. Criar as condições adequadas para
que o povo participe em eleições livres, justas e transparentes deve ser a
prioridade do momento. Os argumentos repetidamente apresentados, alegando inconstitucionalidade e
quejandos sobre assuntos sobejamente conhecidos e diagnosticados, são de conveniência
e um exercício de auto-protecção. (N. Nhantumbo)
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