O académico, que falou à agência Lusa à margem da conferência
sobre "Espaço Lusófono: trajetórias económicas e políticas" entre
1974-2014, caracterizou Filipe Nyusi como "um candidato do Presidente
(moçambicano Armando) Guebuza""Mas também do aparelho interno da
Frelimo", acrescentou, considerando que Nyusi protagoniza uma candidatura
"estranha"."É um candidato que é muito pouco conhecido. Não tem
carisma, não faz parte dos antigos combatentes, não foi um dirigente civil bem
conhecido. É daqueles civis que tiveram uma certa importância no país. Para
mim, para perceber porque realmente Nyusi foi nomeado para candidato
presidencial é um fator interno da Frelimo. Mas ao meu ver é um mau candidato.
Aliás, (a sua indicação) torna muito importante as próximas eleições gerais,
porque a Frelimo está a ser muito criticada, por ter nomeado um candidato que,
ao meu ver, é fraco", afirmou à Lusa Michel Cahen.Entrevistado pela Lusa
sobre a situação política em Moçambique, um dos temas discutidos na conferência
de três dias que decorre em Lisboa, Michel Cahen afirmou que "o
relacionamento da população com a Frelimo está a distanciar-se", apesar a
população "ainda poder votar (neste partido). Mas já ninguém continua a
acreditar (na Frelimo) como antes"."Retomando a antiga concepção de
Antony Gramsci, podemos dizer que já estamos a entrar no novo período político
onde a Frelimo ainda é dominante, mas já perdeu a hegemonia ideológica e
mental. No tempo de partido único, toda a gente reconhecia que a Frelimo era um
partido histórico, de libertação anti-colonial. Podia-se criticar mas havia um
modelo de desenvolvimento, portanto, havia uma ideia de nação. Hoje em dia
parece que não há nada disso e o relacionamento da população com a Frelimo está
a distanciar-se", afirmou.O historiador, que tem diversos estudos sobre a
situação sócio-política moçambicana afirmou que, embora parte do eleitorado
moçambicano apoie a Renamo e o MDM, principais partidos da oposição do país,
que "estão contra a Frelimo", estes potenciais votantes "ainda
estão à espera de um claro programa alternativo bem diferente" dessas
formações políticas.A pergunta que esta parte da população faz é: "Querem
substituir a Frelimo, mas para fazer o quê de diferente? Isso ainda não está
bem claro. Isso pode permitir a Frelimo continuar a ficar com uma certa dominação.
As eleições são em outubro próximo mas não há bem um debate sobre os programas
alternativos. Sabemos o que a Frelimo fez, podemos pensar que ela vai continuar
na mesma, então conhecemos o seu programa, mas o que os outros querem fazer?.
Isso também não está a facilitar a queda da Frelimo", que de resto,
"ainda é um partido hegemónico. Ainda não há uma clara distinção entre o
partido e o Estado, pois a Frelimo tira muito proveito do Estado, o que os
outros partidos não têm", afirmou Michel Cahen.De resto, disse, esta
vantagem comparativa poderá contribuir para que a Frelimo vença as próximas
eleições de 15 de outubro."Penso que a Frelimo é capaz de ganhar, mas isso
não é certo. Como partido do Estado pode perder nas cidades mas a maior parte
da população moçambicana ainda é rural. E na ruralidade, o neo-patrimonialismo,
o controlo político da população, na maioria das zonas, com a recuperação dos
chefes tradicionais que eram da Renamo, mas que passaram para a Frelimo, pode
permitir, não estou certo, ganhar mais uma vez", afirmou.Questionado sobre
o futuro político da Renamo, maior partido da oposição moçambicana, cujo líder,
Afonso Dhlakama, continua em parte incerta após ter sido expulso ano passado da
sua base em Gorongosa, por forças governamentais moçambicanas, na sequência do
conflito político-militar que dura há um ano, Michel Cahen acreedita que a
Renamo "tem possibilidade de sobreviver" depois de
outubro."Mas", acrescentou, "se o Dhlakama for morto (pelo
exército moçambicano que tem atacado a serra da Gorongosa, onde acredita que o
líder da oposição esteja escondido), a Renamo pode explodir, ou seja: haverá
mais cisão porque Dhlakama organizou o vazio à volta dele.
Não há um delfim,
nem segundo nem terceiro delfim. Há ele e subalternos. Se o chefe grande desaparecer
isso é perigosíssimo para a Renamo. No entanto, espero que não seja morto. Aí
penso que a Renamo pode até recuperar um bocadinho. Com aquela demonstração de
força militar ela pode convencer o povo moçambicano que é um grupo importante e
que vale a pena votar nela. (E as pessoas) podem votar nela", até porque
"a Renamo nunca perdeu a totalidade da base".O historiador sublinhou
que "se o contexto político mudar, pode ser que as pessoas que uma vez
votaram na Frelimo voltem a votar na Renamo para exprimir o descontentamento. O
voto para a Renamo é um voto político"."Para mim, a Renamo não são
bandidos armados, é um fenómeno político. Estão a exprimir o sofrimento de
parte da população que foram historicamente marginalizados, às vezes, desde o
tempo dos portugueses, mas a marginalização continuou com a Frelimo",
adiantou.Quanto ao MDM, terceiro partido com representação parlamentar, que tem
vindo a destacar-se na cena política moçambicana, Michel Cahen considerou que
apesar de ser um partido com uma base social que "parece muito mais
urbana, (essa formação politica) é um fenómeno novo".Mas, avisou: "Em
Moçambique e no meu país também, em França, as pessoas não votam por questões
ideológicas. A ideologia pode ser uma coisa importante como cultura geral, mas
as pessoas votam porque estão descontentes, estão a sofrer, é uma camada social
que é marginalizada. No entanto, um bom debate de programas de alternativas
poderia esclarecer a situação, mostrar bem a toda a gente quem propõe o quê. Isso
não existe, então é uma certa confusão".
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