Não se pode
ignorar que a situação africana é deveras preocupante e grave. Os pequenos
avanços em algumas áreas não substituem ou cobrem os fracassos graves em
grandes áreas da vida no continente. Golpes de Estado em permanência e
protagonizados por políticos e militares africanos na maior parte dos países,
motivados muitas vezes por uma busca do controle dos recursos minerais e de
outras riquezas, golpes palacianos, golpes constitucionais travam e impedem que
as instituições democráticas vinguem e floresçam. Ao nível da esfera económica
e financeira era incongruência total. Recursos em abundância e de qualidade
excelente não têm uma exploração que beneficie as economias africanas e seus
povos. Face à incapacidade de os Governos construírem agendas consensuais
que os unam e que fortaleçam as suas posições negociais, a Organização Mundial
do Comércio acaba adoptando instrumentos legislativos e de procedimentos
lesivos para África. Os termos de troca, o que África paga pelas importações e
o que recebe pelas suas exportações, são completamente desiguais, desfasados e
sem qualquer correspondência com os valores reais.
O neocolonialismo de que se fala é este comprar baratíssimo e vender caro. É o
acesso facilitado e desleal aos recursos africanos. É uma corrente migratória
dum sentido, em que os europeus entram em África como lhes apetece, e os
africanos morrem na travessia do deserto ou no Mediterrâneo, de cada vez que
procuram chegar à Europa. Neocolonialismo na prática é o custo dos créditos
financeiros que os países africanos têm de pagar, de cada vez que recorrem à
banca internacional em busca de recursos financeiros para custear despesas com
os seus projectos de infraestruturas públicas. Neocolonialismo acaba sendo o
entretimento habitual nos Fóruns Económicos Mundiais, no circuito
jurídico-político de Davos, em que surgem muitas receitas, mas quase sempre
ignorando a sustentabilidade dos países de África. África, ao longo de décadas,
desde que os seus países começaram a ascender às Independências, não teve a
coesão programática de base. Os Governos que foram tomando o poder ou chegando
ao poder esqueceram-se dos objectivos que brandiam aquando da luta
anticolonial.O “deficit” em termos educacionais, em qualidade da Educação, em
termos de acesso à informação, em termos de exposição a experiências relevantes
é de dimensão tal que a maioria dos cidadãos se vê incapacitada de participar
condignamente nos processos políticos e económicos de seus países.
Nem tudo foi e é mal feito em África, diriam uns. E concordamos, embora não
tenhamos motivos para sorrir. Enquanto morrem centenas de africanos todos os
dias por doenças evitáveis, não se pode festejar. Enquanto milhares morrem
vítimas de conflitos sangrentos de natureza étnica, religiosa e económica, não
se pode descansar e festejar. Enquanto milhares recorrem à emigração ilegal
para escapar ao círculo da morte antecipada por razões políticas e económicas,
não se pode festejar. O aspecto mais preocupante é como a União Africana reage
aos conflitos fratricidas que ceifam milhares de vítimas inocentes. Como a UA
contrapõe autênticas violações dos direitos humanos mais elementares. Quando os
Governos falham no mais básico de suas obrigações, há razão para afirmar que
África está regredindo a largos passos. Presidentes de República
procurando eternizar-se no poder personifica apetites de natureza monárquica e
tribal.
Quando se diz que a UA é um clube restrito de ditadores e aspirantes a isso,
não se está longe da verdade. Preocupante é também a falta de líderes “proactivos”
e observar-se sinais preocupantes de aproveitamento por parte dos seus
parceiros externos. A ofensiva francesa em África, em nome de combate ao
terrorismo e pela defesa da vida humana no continente, tem outras
interpretações legítimas. O socorro de Paris insere-se numa tradição política
intervencionista, de cada vez que interesses franceses sejam colocados em
risco. A França sabe que não pode permitir que a instabilidade se aproxime de
suas fontes de abastecimento de urânio ou petróleo. A Grã-Bretanha utiliza como
cavalo de batalha da sua posição anti-Mugabe algo perfeitamente compreensível,
que é a questão de terras que foram confiscadas aos farmeiros brancos em nome
duma suposta reparação de erros e injustiças históricas. Mas este
posicionamento esconde um outro lado da moeda. Mugabe não é nenhum santo, mas o
Reino Unido é movido por considerações que pendem para a discriminação racial,
pois não impõe sanções, quando os seus “interesses vitais” estão
salvaguardados. Milhões de pessoas sofrem em várias das suas ex-colónias,
vítimas de abusos contra os seus direitos humanos, sem que se veja a sua
diplomacia pressionando os Governos promotores de tais abusos. Crime na Europa
tem de ser crime também em África e vice-versa.
Quantas vezes “think-tanks” ligados ao poder em Londres não premeiam gente de
realizações e história mais do que suspeita? Líderes africanos com mãos
ensanguentadas, desde que não irritem Londres, recebem prémios de prestígio.
Moçambique e Angola não podem esperar que Lisboa seja fundamental ou crucial
para o seu desenvolvimento político e económico. Fonte de matérias-primas e de
recursos financeiros para aliviar crises e sustentar o desenvolvimento de
Lisboa é a visão emanada daquela capital. A ingerência nos assuntos
africanos é feita de várias formas e uma delas é exactamente promover imagens
que até têm sido lesivas para os países. Temos de consumir aquilo que o
Ocidente diz que é bom, mesmo quando os resultados nos prejudicam.
Outra forma subtil de intervir e influenciar processos políticos africanos tem
sido a disseminação duma pseudociência. Impor aos africanos maneira de pensar e
proceder que os coloca sob influência daquilo que afinal são considerações
estratégicas dos países do Norte. Ao nível das instituições multilaterais, como a ONU, OMC, Banco Mundial, Fundo
Monetário Internacional, os critérios e avaliação e deliberações tomadas não
têm em conta aquilo que seria melhor para os países africanos. E os diversos
países africanos não conseguem jogar na unidade como forma de defesa e
protecção de seus genuínos interesses. Criou-se uma União Africana que nem
consegue travar chacinas inter-religiosas na RCA, e políticas no Sudão do Sul.
Qualquer crise humanitária tem de ser socorrida pela ONU, pelos EUA e União
Europeia.
Para combater a malária e a tuberculose é preciso esperar por doações
internacionais.
Esta posição de pedinte crónico é sintoma claro de falta de liderança e de
concertação estratégica entre os Governos de África. Os clamores dos cidadãos
de África têm sido ignorados pelos Governos do continente. Ditaduras camufladas
saltam de golpe em golpe, e qualquer tipo de golpe é bem-vindo, desde que sirva
para os perpetuar no poder. Acusam os defensores da democracia em África de
agentes do imperialismo, quando, na verdade, a sua preocupação é impedir que as
decisões sobre quem governa sejam tomadas através do voto dos cidadãos.Face à escumalha política que navega e engorda em África, este aniversário da
União Africana, 25 de Maio, deve ser data para reflexão e de tomada de consciência
de que, se os africanos não aprendem a tomar posições de defesa dos seus
interesses, ninguém o fará por eles.Construir e capitalizar a partir dos poucos sucessos existentes vai ser tarefa
de líderes comprometidos com África e dignos herdeiros dos fundadores da
Organização da Unidade Africana. O momento é de batalha pela democracia,
pois só esta cria as condições para o desenvolvimento duma sociedade educada e
informada pronta para “empoderar-se” e livrar-se de complexos entorpecentes do
passado. (Noé Nhantumbo)
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