Não há como
compreender que os supostos libertadores de África tenham decidido abandonar
seu projecto inicial. Com muito poucas excepções, de Norte a Sul, somos governados por autênticos
“troca-tintas”. É vergonhoso, e historicamente um crime, destruir toda uma herança de esforços
e sacrifícios de milhões de pessoas, para assegurar vantagens individuais e
familiares. Transformar a política africana em um meio de enriquecimento
próprio, baseados numa política de correcção da história, é o que tem sido feito
e revelado pela maior parte dos governantes. Chegam ao poder advogando
libertação, direitos políticos e económicos, mas rapidamente se esquecem dos
verbos. Uma herança preciosa de posicionamentos firmes abraçada por saudosos políticos
africanos foi abandonada por seus seguidores. Alegações de que conjunturas específicas geram posicionamentos diferentes
colhem, mas não colam, pois são justificações dessa natureza as utilizadas
assaltar o poder em África. Uma vez no poder, a opção seguida é cavalgar os
cidadãos, reprimi-los, organizar tudo com vista à sua conservação. Os palacetes e as benesses é que catalisam a generalidade dos políticos e
governantes. Acumular riquezas e amantes é uma das normas. Até se legisla a
poligamia em alguns países.
Governar tornou-se num exercício desnaturado, longe do escrutínio público.
A vergonha actual é montada sob o signo da impunidade e secretismo.
Numa operação combinada entre um grupo de ineptos, colocados muitas vezes no
poder através de golpes de Estado financiados e dirigidos por serviços secretos
desta ou daquela potência, aliados a governantes de potências com aspirações de
manter as vantagens coloniais, fazem-se jogos político-económicos que lesam
milhões de pessoas. Depois de décadas sujeitos aos ditames das potências que se digladiavam sob a
Guerra Fria, em que países politicamente independentes não passavam de
marionetes e satélites das chancelarias internacionais, chegou-se à actualidade
sem mudanças de vulto quanto aos procedimentos.
Do “Angolagate” saltou-se para jantares amistosos numa situação de limpeza da
imagem que não corresponde perfeitamente ao modo de actuação de quem quer
ganhar espaço e influência. Afinal a aceitação internacional adquire-se através
de lobistas generosamente pagos. Mal-entendidos do passado e mesmo acusações levadas aos tribunais são apagados
sob alegações de realismo e interesses estratégicos dos países. Os crimes
cometidos são amnistiados como se nunca tivessem acontecido. Como, por exemplo, Lisboa precisa de investimentos e dinheiro fresco para
alavancar a sua economia e finanças na bancarrota, não importa que os direitos
políticos de milhões de angolanos sejam esquecidos. Há que, a qualquer custo,
não perder terreno face ao avanço “amarelo”.
Estamos destinados a ser “povos menores”, ou temos que, como cidadãos, nos
livrarmos duma corja de governantes lesa-pátria? Somos cidadãos de segunda
classe, ou somos vítimas dum processo de governação historicamente desfasado
dos reais interesses dos nossos países? Somos uma consequência duma política
externa de longo prazo, concebida e implementada por governos atentos aos seus
interesses geoestratégicos, ou somos antes vítimas da mediocridade governativa
dos nossos próprios governos?
A diferença entre um africano que vendia os seus conterrâneos para a
escravatura e aqueles que dizimam os seus concidadãos e vendem ao desbarato os
minerais, madeiras e camarão, existe? Como entender que diferenças de religião
e de etnia possam conduzir a autênticos genocídios?
Alguma coisa está visceralmente errada connosco. Não nos podemos queixar de
falta de conhecimento ou de experiências. A idade das nossas Independências e
os conhecimentos adquiridos já não justificam que se chame à mesa o
colonialismo, sempre que algo é feito sem qualidade ou que algo de errado
aconteça nos nossos países. Os que se atiram ao circo político não podem continuar a merecer a nossa
aceitação quando alegam que “isto e aquilo” é culpa do colonialismo. O neocolonialismo em que vivemos afigura-se de concepção e implementação
endógena. Quem se nega a salvaguardar os legítimos interesses dos países
africanos são os seus governantes. Quem abdicou dos princípios orientadores da
gesta da libertação africana foram governantes africanos. Os parceiros externos
da pilhagem de África limitam-se a defender seus interesses e a aproveitar as
facilidades concedidas pelos chamados líderes de África.
A diáspora africana silenciada ou manietada por políticas de repressão é
activamente impedida de regressar e contribuir com o seu saber para o
desenvolvimento de África.
Multiplicam-se fóruns internacionais de cooperação entre a África e Índia,
China, Europa, EUA, França, Reino Unido, Japão, mas os resultados concretos são
escassos. O Fórum de Davos tornou-se num exercício de controlo de agendas e não de
discussão de saídas sustentáveis.
Onde a caridade e filantropia internacional substituem acções concretas de
empoderamento das pessoas há que dizer que algo está sendo mal feito. Não se pode permitir que países como Angola tenham mais de cinquenta por cento
da sua população vivendo abaixo dos padrões internacionais de pobreza, quando o
seu país é o segundo maior exportador de petróleo de África. Um continente que vê os seus políticos apegados ao poder como se de reis se
tratasse, caminhando para a senilidade, mas sempre insistindo que o seu destino
é governar, tem um grave deficit de democracia política. Ter reis como o da
Suazilândia, esbanjando parcos recursos nacionais em casamentos todos os anos,
enquanto uma boa parte dos seus concidadãos vegeta e se encontra doente de
HIV/SIDA e outras enfermidades é desumano e atroz. Onde deveria haver lugar a um renascimento continental sugerido por gente como
Thabo Mbeki, vemos governantes associados a negócios escuros de compra de
armas. A corrupção é abraçada com “unhas e dentes” como forma de vida e
cultura. Filhos e filhas tornam-se herdeiros de pais e empresários de sucesso
num processo escuro e cheio de ilicitudes.
Diz a tradição africana, “o feiticeiro entra quando alguém lhe abre a porta”.
Se os megaprojectos supostamente constituem a via do renascimento económico de
África, isso ainda tem de ser visto. Porque os milhões de africanos votados à
sua sorte e vegetando na maioria dos países não sente que assim seja. Regressão histórica e humilhação de milhões são os relatos de racismo e
tratamento eticamente deplorável que parceiros internacionais como os chineses
e alguns europeus praticam com os africanos.
Quando até se impede que os cidadãos nacionais possam servir-se das praias e
complexos turísticos instalados em alguns países, que resta dizer deste
continente à deriva?
É possível alterar este quadro dantesco? Obviamente que isto não é intrínseco,
mas político.
São os próprios africanos que devem tomar nas suas mãos o seu destino e tudo
fazer para remover as células cancerosas que teimam em multiplicar-se no
organismo continental.
A democracia não é exógena, como o querem dar a entender certos políticos como
Museveni e o defendia Kadaafi. Viver bem e livre não é exógeno. A justiça
económica e social não é exógena. (Noé Nhantumbo)
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