Virou moda falar na “ameaça chinesa” às economias da América Latina. O receio é que as fábricas chinesas estejam substituindo as maquiladoras do México e da América Central como fonte preferida de bens manufaturados destinados aos Estados Unidos. Além disso, alguns culpam o crescimento da China pela queda brusca no investimento estrangeiro direto na América Latina.Mas não são esses necessariamente os desafios mais sérios que a China coloca para a região.Inicialmente, consideremos os fatos. Com seu crescimento econômico de 9,4% ao ano desde 1979, a China está alterando o mapa econômico mundial. Ela já é a sexta maior economia do mundo e, às taxas atuais de crescimento, seu produto superará o dos Estados Unidos em três ou quatro décadas. O papel da China no comércio internacional é ainda mais impressionante. A economia chinesa está mais integrada no comércio mundial do que a de outros grandes países, como a Índia, o Brasil ou os Estados Unidos. Enquanto as exportações e importações representam menos de um quarto do produto interno bruto naqueles três países, na China elas se aproximam da metade do PIB. De fato, alguns países latino-americanos (notadamente Brasil, Argentina e Chile) estão efetivamente se beneficiando da crescente demanda chinesa por produtos agrícolas e matérias-primas industriais importados. Finalmente, apesar do fato de a economia chinesa ainda ser firmemente controlada pelo Estado, o país tem se mostrado um ágil assimilador de tecnologias estrangeiras e desde 2002 tem sido o principal beneficiário do investimento estrangeiro direto no mundo, substituindo os Estados Unidos nessa posição.Em muitos sentidos, a China ainda se assemelha a um país em desenvolvimento. Com uma renda per capita de menos de US$1.000 (em termos atuais), ela é mais pobre do que a maioria dos países latino-americanos, e seu nível de desigualdade na distribuição da renda se assemelha ao de muitos desses países.
Mas, em outras áreas fundamentais, a China parece ser um país desenvolvido – ou pelo menos industrializado. O setor manufatureiro representa mais de um terço de sua economia, contra os 20% a 25% típicos de um país em desenvolvimento. Os investimentos e a poupança são quase 40% do produto interno bruto, em contraste com os 15% a 20% típicos dos países da América Latina. Uma grande parte dessa poupança é canalizada através de um vasto sistema financeiro que gera crédito o equivalente a 120% do PIB – cinco ou seis vezes mais do que normalmente acontece na América Latina.O verdadeiro motor do crescimento da China é sua constante reestruturação econômica. Seu setor mais dinâmico é a indústria, apoiado seja por investimento externo, seja por firmas de propriedade privada nacional. Este setor está continuamente absorvendo trabalhadores que antes estavam empregados na agricultura ou em empresas estatais ineficientes, num processo que multiplicará a produtividade dos trabalhadores chineses por anos a fim. Os setores ineficientes da China ainda empregam cerca de 160 milhões de trabalhadores excedentes, e no próximo quarto de século a população rural poderá reduzir-se em 300 milhões de pessoas. À taxa atual de crescimento, em 25 anos a China terá uma renda per capita que será a metade da dos Estados Unidos (em preços internacionalmente comparáveis).O rápido crescimento da China poderia ser interpretado como um resultado natural de sua alta taxa de poupança, investimentos e financiamento. Mas, na verdade, o rápido crescimento do país está possibilitando que ele destine 20% de seu PIB anual para investimentos em empresas estatais, a maioria das quais é ineficiente e não seria viável em uma economia de mercado. Essas empresas estatais estão absorvendo o grosso do crédito disponível, que os bancos fornecem sem atenção suficiente ao risco, graças ao rápido crescimento monetário que gera um aumento anual de 15% ao ano em depósitos bancários.Essa distorção financeira é o calcanhar de Aquiles da economia chinesa. Por esse motivo, os maiores riscos que a China coloca para a economia mundial – e particularmente para a América Latina – encontram-se mais na área das finanças do que no comércio. A verdadeira influência econômica da China será sentida se desabar seu baralho de cartas financeiro, colocando um fim abrupto em seu crescimento econômico e talvez resultando numa súbita depreciação do iuane ou numa venda colossal de títulos do Tesouro americano e outros títulos nos quais estão investidas consideráveis reservas internacionais do país. Isto se traduziria numa maior percepção do risco de investir não só na China, mas também em todos os concorrentes daquele país, provocando o caos na troca mundial de bens, capital e tecnologia. Espera-se que esse cenário nunca se apresente. (Texto de Eduardo Lora é assessor principal do Departamento de Pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento).
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