A constituição de qualquer nação é muito mais do que um documento legal ou um conjunto de termos técnicos. Ela representa as aspirações, crenças e desejos de um povo, encarnando o seu espírito. Portanto, ela expressa os mais altos valores dos seus cidadãos. Estimulada pela maioria qualificada obtida nas eleições de 2009, a Frelimo tem vindo a anunciar que na próxima sessão da Assembleia da República irá propor uma “revisão normal” da Constituição da República, em vigor desde 2005. Até aqui a Frelimo fica pelas intenções, não deixando escapar que artigos serão postos em revista, fora o facto de que a iniciativa visa “responder ao desenvolvimento e à nova dinâmica do país”. O que parece estar definido é que a lista de artigos será submetida ao parlamento na próxima sessão. O que significa que talvez o partido no poder não irá esperar pelo seu congresso de 2011 para colher recomendações. No entanto, o que se pode depreender é que é uma época aberta para todos os artigos menos os limites materiais descritos no Artigo 292. Esses, segundo reza a lei mãe, apenas poderão ser alterados por referendo. Quem já saiu em apoio das intenções da Frelimo é o representante oficioso da oposição, Miguel Mabote, ao afirmar que o mandato do Presidente da República deve ser alargado para sete anos, contra os actuais cinco. Mais, Mabote avançou que a sua proposta será no sentido de que o Chefe de Estado seja eleito pelo parlamento, passando, deste modo, o país a ser governado por um sistema parlamentar.
O sistema parlamentar tem certas implicações, que devem ser levadas em conta pelos proponentes desta alteração. A primeira implicação é que, sendo eleito pelo parlamento, o chefe do governo presta contas directamente a este órgão, do qual, em princípio também é membro. A principal diferença entre os sistemas parlamentar e presidencial é que enquanto no primeiro o chefe do governo presta contas directamente ao parlamento, no segundo, ele (ou ela) é eleito directamente pelo povo, sendo a este a quem ele presta contas. Igualmente, no sistema parlamentar os ministros são membros do parlamento, sendo sujeitos a um constante escrutínio pelos seus pares na legislatura. Será que desta vez à semelhança do que aconteceu com a Constituição de 1990 os moçambicanos serão auscultados? É que indubitavelmente a participação do povo no processo da revisão constitucional é um dos requisitos de qualquer instituição, comunidade ou sociedade democrática, pois isso garante maior apropriação. Ademais, a estabilidade política depende em grande medida de um diálogo constitucional visando o alcance de um consenso sobre o que deve ser revisto.É necessário frisar que a educação cívica sobre questões constitucionais leva a que a maioria dos cidadãos entenda a Constituição, e comprometa-se a apoiar o seu conteúdo. Mais, não há melhor coisa que os representantes dos vários grupos de interesse dêem o seu contributo. Sem dúvidas, há uma necessidade para uma certa sofisticação técnica na elaboração da constituição de forma a que não haja ambiguidades, mas isso não obsta que o povo fale da sua justiça. O não envolvimento do povo no processo da elaboração da Constituição enviaria a mensagem de que este exercício é apenas monopólio dos partidos políticos com representação parlamentar. Não se deve ficar no argumento fácil de que os deputados da Assembleia da República representam o povo; isso seria uma paródia, pois o povo é apenas consultado de cinco em cinco anos, sendo que, de permeio fica apenas a ver navios. Se, como a Frelimo prometeu no seu manifesto, o partido quer “assegurar a cultura de paz, o diálogo, a tolerância, o humanismo e reconciliação” nacional, urge que antes de correr para submeter as suas propostas ao parlamento, consulte e ausculte o povo. Portanto, o imperativo moral e nacional é de envolver o povo tanto no processo como nos conteúdos da Constituição, de modo a que exerça o seu direito de cidadania. É necessário que no final tenha-se um documento durável e funcional, que seja inclusivo e tenha legitimidade por, em última análise, ser o povo o guardião da Constituição. (Fonte: SAVANA)
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