segunda-feira, julho 12, 2010

No reino do pai Tomás

Em circunstâncias nor­mais, Nanhupo seria apenas uma curva no alcatrão impe­cável que liga Montepuez a Pemba, na nortenha província de Cabo Delgado. Porém, a “febre do rubi” transformou este bocado de estrada num dos postos comerciais mais exuberantes do país.Os moçambicanos vêm de todo o lado. Mas há também forasteiros. Da Tanzânia, sobretudo, mas também da Guiné, do Senegal, do Malí, dos Grandes Lagos. Em cada barraca explodem os decibéis da aparelhagem, chamariz da clientela. Há televisão por satélite, para ver os jogos do Mundial de futebol. Quem quer sentar paga cinco meti­cais. Há peixe seco, peixe frito, nipa de cana, galinha, roupa xicalamidade, suruma e haxixe.Neste pequeno oásis cos­mopolita do posto adminis­trativo de Namanhumbir, há barracas mais recatadas com mesa de bilhar. Os jogadores de ocasião parecem ter saído directamente da NBA norte-americana, tal o rigor dos equipamentos de bas­que­tebol que envergam. Fala-se inglês, francês, português. “rubi, rubi, mis­ter”, contacto inicial para uma pequena mostra do que explica o pequeno “el dora­do” a 35 quilómetros de Montepuez. Discretas estão também arrumadas inú­meras viatu­ras com ma­trícula amarela da Tanzânia. “Mark II”, “Rav4” e “CRV” são os modelos mais popu­lares na zona. Mussa veio da Guiné-Conacri há três meses. Passou primeiro pelas tur­malinas de Mavuco, em Nampula. Agora opera na área de Namanhumbir, com rubis. Mostra uma lâmina de 3 centímetros avermelhada. Diz que são “300 Obamas” através do mostrador do telemóvel. Muito caro.As pedras são recolhidas mais para o interior. Uma picada em boas condições dá acesso à aldeia de Nseue. Mais dois quiló­metros e em pleno mato, há uma cancela em bambu com uma tabuleta manuscrita “stop”. Pros­seguir de carro é ser candi­dato a apanhar bala. Esta­mos no reino do pai Tomás, o nome mais temido nas redondezas.“Ontem mesmo morreu um de Nampula”, dizem em Nseue, “foi chambocado pelo Tomás”.

Junto à insólita cancela há dois homens deitados numa esteira, roupas an­drajosas, ar hostil. Con­firmam que não se pode passar. Se são polícias, “não podem dizer, é secreto”, diz um indivíduo cego de uma vista e adianta que se falou alguma coisa “foi apenas por respeito”. Também não pode dizer se a “cancela” é a entrada da mina. “Lá dentro não há nada”, diz apontando para o mato denso. Insiste que não há minas, não há buracos, não há extracção de pedras. “Há uma máquina lá, fechou todos os buracos, não há nada, não há nin­guém”. Mesmo assim, queremos ver com os nossos olhos, o que se passa do outro lado da insólita cancela. “Só com a autorização do patrão, esteve aqui há pouco para nos trazer água de Pemba”. O “patrão” é outro dos nomes temidos da zona: Ashgar Fakhr, iraniano, “testa de ferro” do general Rai­mundo Pachinuapa, dono da Mwiriti, Lda, a empresa que ocupa uma área de 33 600 hectares, correspondentes a cinco licenças: três certifi­cados mineiros e duas licen­ças de pesquisa geológica. Em Nseue há uma risada geral sobre a versão do zarolho da cancela. É que ali, todos os braços válidos fazem garimpo na concessão da Mwiriti. Quem dá as autorizações não é o minis­tério. É Tomás, o coman­dante da força policial que foi destacada para proteger a concessão do general. A versão popular é contestada pelo comandante da polícia em Pemba, Vasco Lino e pelo director nacional de Minas, Eduardo Alexandre. As ver­sões oficiais fazem o discurso oficial: o contingente não está para guarnecer a proprie­dade da Mwiriti, mas para proteger os recursos mine­rais de Moçambique.Só que não há polícia de Pemba em Namanhumbir, não há polícia no grande mercado de Nanhupo. Nem em Nseue. Só dentro da concessão da Mwiriti, se­gundo os garimpeiros de Nseue.Para entrar vão a corta-mato, ou alugam uma mota-taxi. “Cem meticais cada viagem”.Ao polícia que encon­trarem no caminho pagam 100/150 Mt. “Depois nas covas varia. Pode ser quatro mil, quatro e quinhentos” , explica Amimo Mário, 24 anos, natural de Nhacuco, 7ª. classe interrompida.

As “covas” são as pe­quenas minas onde se pro­cura o rubi, a gema aver­melhada cuja fama já chegou aos mercados especia­liza­dos de Banguecoque, na Tailândia. A cova é primeiro feita na vertical, a uma profundidade de três metros. Depois em ângulo recto começa a escavação na horizontal. “os moçambi­canos conseguem placar, até três, quatro metros, mas os tanzanianos podem ir até dez metros”, conta Gervásio Paulo, tam­bém 24 anos, de Minheuene, 6ª. Classe inter­rompida. Às vezes há desa­bamentos e morre-se, sepul­tado na própria cova do garimpo. “Em Fevereiro morreram dois, o Dinis e o Gildo”, diz resignado Junto Salésio, 24 anos, de Na­nhole, 7ª. classe inter­rom­pida. O “campo de covas” é muito extenso dizem. Maior que um campo de futebol?, “muito maior”, aceita Abdul Juma, 32 anos, natural de Namanhumbir, 9ª. classe completa. Há turnos de dia e há turnos de noite. A claridade é indiferente porque nas covas é preciso usar lanterna presa à testa. “depois de pagarmos ao polícia, entramos, só saímos quando ele dispara. É o sinal”, relata entusias­mado Jordão Rai, 18 anos, 6ª. classe, o único no grupo que é de Nseue. Os seis amigos calculam que há um efectivo policial de 14 homens a controlar os buracos do garimpo. “Por dia pode haver mais de cem homens a escavar”, estima Riquito Saide, 31 anos, 6ª classe, natural de Na­ma­nhubir. Na sua opinião os polícias comandados por Tomás “são da Intervenção Rápida”, mas a versão é negada de Pemba. “Não há essa polícia na província” . Os jovens dizem que os polícias usam pingo de chuva e capacetes com viseira. As pedras que apanham vão para quem contratou o ser­viço, que inclui já a “taxa” paga aos polícias. Apesar dos tiros, do chamboco, das extorsões arbitrárias de pedras, a vida corre bem aos jovens de Nseue. “Por mês fazemos entre 15 a 20 contos”, diz Amimo. O colega lembra que num mês excep­cional chegou aos 50. “Tudo melhorou aqui, temos mer­cado, vende-se roupa, os jovens podem comprar mota” compara o Gervásio. Mesmo assim estão re­voltados com o governo. “Não sabemos onde é essa área onde podemos fazer o garimpo sem pagar à polícia, tudo é controlado pela em­presa do branco italiano (de facto o iraniano Ashgar Fakhr). A zona do garimpo dizem, foi descoberta por um “furtivo de barrotes”, um jovem de nome Selemane que cortava madeira sem autorização no mato. Foi ele que descobriu a primeira pedra no leito de um rio. Na história popular, Selemane descobriu mas a concessão foi para a em­presa do general. Dizem que agora anda de catana em punho ao serviço da Mwiriti.Em Namanhumbir, o posto administrativo, o sentimento é o mesmo. O presidente da associação de garimpo “4 de Outubro” e proprietário da barraca “Enquanto há vida há esperança”, diz que até agora não foi feita a dis­tribuição das “senhas mi­neiras” que “prometeram quando a ministra esteve aqui em Março”. A muitos quilómetros de distância, em Banguecoque, o especialista em gemas Vincent Pardieu considera os rubis da zona de Montepuez de grande qualidade. Muitas das pedras moçambicanas são comercializadas na Tailândia e em Hong Kong e no GIT (Instituto de Gemas da Tailândia) há uma pro­posta para se fazer uma certificação dos rubis de Montepuez e Niassa com a marca Moçambique. Uma delegação oficial do GIT já esteve em Namanhumbir e em Pemba os maiores espe­cialistas de rubis são tailan­deses. Alguns trabalham para a Mwiriti, como os moçambicanos de Nseue trabalham para os homens do “chefe Tomás”.Um rubi de cinco carats está listado nas listas interna­cionais entre 2000 a 4000 dólares USD. Na Tailândia há registo de gemas moçam­bicanas transaccionadas a 10.000 dólares. Uma dife­rença abismal das “fortunas” mensais de USD 650 que colectam o Abdul, o Amimo, o Gervásio, o Jordão, o Riquito, o Junto e tantos outros placando nas terras avaras de Namanhumbir. Com a morte por tra­vesseiro.(Por Carnicio Fijamo)

1 comments:

Macurungo, 1919 disse...

Interessante. Bem descrito.