quarta-feira, julho 14, 2010

A difícil construção democrática

Independente desde 1975, Moçambique é hoje considerado uma « história de sucesso » pelos doadores, para quem os exemplos de eficácia e bons resultados da ajuda ao desenvolvimento são raros. Reconvertido às virtudes da economia de mercado desde a segunda metade dos anos 1980, depois da falência da « construção do socialismo », e saído em 1992 de uma longa e destrutiva guerra civil, este país, que se tinha tornado um dos mais pobres do mundo, conheceu ao longo da última década uma taxa de crescimento muito elevada e uma notável estabilidade política.No plano político os sucessos parecem ser ainda mais modestos que no campo económico. A Frelimo conseguiu manter-se no poder através da vitória em todas as eleições presidenciais e da obtenção de maiorias absolutas no parlamento, mas não foi capaz de fazer uma clara ruptura com a sua tradição de partido único. A manifesta legitimidade política da Renamo, expressa desde 1994 no voto de milhões de moçambicanos, continua a ser sistematicamente negada pela Frelimo, que continua a reenviá-la às suas origens e ligações passadas com os regimes racistas da Rodésia e da África do Sul. Com efeito, depois da grande mobilização suscitada pelas primeiras eleições pluralistas (87% de participação) a renovação da vida política que se esperava da instituição de um sistema político competitivo não se concretizou e os escrutínios seguintes mostraram a desilusão do eleitorado: a abstenção passou de 33% em 1999 para cerca de 50% em 2004 e perto de 70% em 2009. Ora, a política de descentralização esboçada na Constituição de 1990 e que se fundava sobre eleições locais nos distritos foi abandonada, depois dos resultados das primeiras eleições gerais terem mostrado que a oposição poderia ganhar uma parte significativa dos governos distritais, sendo substituída por um modelo de municipalização crescente de cidades e vilas do país. Foi neste terreno que o país conheceu a sua experiência de alternância política, primeiro a Renamo e mais recentemente o MDM, conquistando cinco municípios (incluindo a Beira, segunda cidade do país) . No entanto, o valor deste exercício democrático no país foi afectado pela fraca participação dos eleitores e, nestas condições, não se pode considerar que os eleitos tenham adquirido uma forte legitimidade. A um fraco sistema de representação política acrescenta-se uma sociedade civil igualmente fraca. O contexto económico e político não é favorável à mobilização dos trabalhadores, confrontados a um alto nível de desemprego e sobretudo preocupados em não perder os seus empregos. Sendo o Estado o maior empregador, outro motivo de preocupação é o funcionamento de células do Partido Frelimo, encaixado na gestão corrente , sinal de discordancia da oposição e principalmente de algumas chancelarias europeias acreditadas em Maputo.Visto como interferência externa, aliada a outras exigências dos principais financiadores do Orçamento Geral do Estado, como profissionalização da Comissão Nacional de Eleições e o combate cerrado a corrupção, a Frelimo decidiu retomar a reflexão sobre a transferência dos membros das suas células dos locais de trabalho para os locais de residência. Uma decisão só conhecida depois de submetidas as contribuições ao X Congresso do partido, cuja reunião ordinária está prevista para o próximo ano.

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