quarta-feira, maio 22, 2019

Mataram sem lhe tirar a vida


“Aqueles são muçulmanos, matem-nos, magoem-nos.” Há muito tempo que Bilkis Bano já não tem 19 anos, a idade que tinha quando ouviu esta ordem sair da boca do homem que lhe mataria a família, incluindo a sua filha de três anos. Já se passaram muitos anos desde que a jovem indiana foi a única sobrevivente daquele que foi considerado um dos dos maiores ataques anti-muçulmanos na Índia. Depois de lhe matar a família, o homem voltou a ordenar e aqueles que o acompanhavam cumpriram: todos a violaram. Fingiu-se de morta para escapar. “Mataram a minha família, mataram a minha filha. Nem tivemos oportunidade de cuidar dos mortos e de lhes dar um enterro em condições. Como é que eu posso esquecer isto?” A pergunta de Bilkis Bano é legítima e, ainda que sem resposta, é agora acalentada por saber que o homem das ordens e os homens ordenados - 11 no total - foram condenados pelos crimes de violação e homicídio. 
Esta semana, o Supremo Tribunal do estado indiano de Gujarat, no oeste do país, ordenou o pagamento de uma indemnização de 71 mil dólares (cerca de 65 mil euros) a Bilkis Bano. Nunca antes uma vítima de violação na Índia recebeu tão grande ressarcimento, ser-lhe-á ainda oferecido um emprego e uma casa à sua escolha, refere a Al-Jazeera. “Estou muito contente com o julgamento. Há muitos amigos, ativistas e outros que me ajudaram a conseguir fazer Justiça”, comentou Bilkis Bano, hoje com 36 anos, após conhecer o desfecho do caso que durou quase duas décadas.

No estado de Gujarat explodiram os confrontos entre as comunidades muçulmanas e hindus. Bilkis Bano tinha ido visitar os pais a Randhikpur, a vila rural onde crescera. Levava a filha de três anos pela mão e, no ventre, o segundo filho.

Foi então que a tia lhe entrou em casa aflita. “Vinha a correr com os filhos e disse-me que a sua casa tinha sido queimada e que tínhamos de fugir imediatamente”, recordava Bilkis Bano em entrevista à BBC, em 2017. “Fugimos apenas com as roupas que trazíamos vestidas e nem tivemos tempo para nos calçar.” Corria o ano de 2002 e ela tinha só 19 anos. Estava grávida de cinco meses. Por entre a estrada lamacenta, as 13 pessoas procuravam fazer o caminho em segurança. Andaram durante dias até que dois carros brancos se aproximaram e se ouviu: “Aqueles são muçulmanos, matem-nos, magoem-nos”.
Os homens saíram do carro com espadas em punho e mataram quase todos - à exceção de Bilkis Bano e de dois rapazes com sete e quatro anos. A prima da jovem, que havia dado à luz dois dias antes, foi também violada e morta. A recém-nascida foi assassinada.
Bilkis Bano apenas sobreviveu porque se fingiu de morta, do seu corpo fizeram o que quiseram até ela perder totalmente a consciência. 


“No dia seguinte estava cheia de sede. Caminhei até à vila mais próxima onde encontrei a polícia. Os populares, ao início, desconfiaram de mim. Saíram de casa armados com paus, mas depois ajudaram-me. Deram-me roupas e lenços para me cobrir”, recordou.
Nunca antes Bilkis Bano soubera o que era a discriminação.
Foi então levada para um campo de desalojados na sequência dos confrontos e, desde então, tem lutado por Justiça. Só em 2017, os tribunais sentenciaram os 11 homens a prisão perpétua. Uma condenação confirmada agora pelo Supremo e à qual acrescence a indemnização a Bilkis Bano. “Sempre acreditei plenamente no sistema judicial e estou grata ao tribunal de Bombaim por isto. Foi um ótimo julgamento e estou muito contente com o resultado. Acho que o Governo e a polícia foram cúmplices de tudo ao permitirem que os acusados continuassem em liberdade para violar e roubar. Sinto que tive justiça”, disse Bilkis Bano, em declarações à BBC.

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