Há uns seis anos, dois supostos amigos meus, um académico e outro
político, chamaram-me aprendiz de feiticeiro e intelectual de capelinha (não
sei o que isto quer dizer) por tentar colocar a questão da dívida pública e,
por consequência, das estruturas produtivas, das receitas e das despesas no
topo da agenda do debate politico pré-eleitoral. A minha questão era simples -
nenhum manifesto eleitoral teria credibilidade se não considerasse o estado da
economia como ponto de partida para acção e se não respondesse seriamente ao
desafio da dívida e dos padrões de receita, despesa e produção. Na altura, o
meu amigo, o saudoso Manuel Sumbana, e eu sugerimos fazer uma série de debates
entre concorrentes para discutir estas questões a sério. Fomos chamados agentes
da oposição (nunca percebi porquê, nem porque se usa "oposição" como
insulto). Enfim.
Três anos passaram e o tema "dívida" ficou central, a
vida o impôs, a economia desacelerou (a sua taxa de crescimento reduziu em dois
terços), o manifesto vencedor não foi cumprido nem aproximado, e foi
substituído por mentiras e manipulações (por exemplo, o governo diz que criou
1,5 milhões de NOVOS empregos, a somar onde que já havia, mas o censo do ano
passado mostra que em todo o país o stock de empregos formais decentes é de 1,1
milhões (largamente inferior aos NOVOS empregos anunciados pelo governo; o
governo anunciou a extraordinária recuperação económica quando a taxa de
crescimento projectada é 25% da de 2014, último ano antes da implosão e
explosão da bolha económica; o governo fala em firmeza e estabilidade mas
financia-se cada vez mais com dívida; o banco central fala no fim da crise
esquecendo-se de dizer que está construindo outra crise em cima da anterior).
OK. Parece que o cenário básico já está claro.
Mas, aprendemos alguma coisa, como sociedade? Já não falamos nos
assuntos centrais das estruturas produtivas, de despesa e receita públicas, de
financiamento da economia e da armadilha da dívida em que caímos, mas agora ou
estamos virados para os escândalos financeiros individuais da clique
"Guebuza e companhia limitada", ou estamos virados para a podridão
moral, ética e politica interna de partidos políticos que não têm nenhuma
análise séria e nenhuma tentativa de resposta para seja qual for o assunto
importante da economia do país.
Salvo as publicações do Jornal "A Verdade" e os artigos
do Adérito Caldeira, e poucas outras nobres excepções, não parece haver
qualquer interesse na discussão do estado da economia e das respostas possíveis
e pragmáticas que precisamos. Estamos em ano eleitoral, e só discutimos se
Nyusi é a melhor escolha da Frelimo e se este ou aquele são as melhores
escolhas deste ou daquele outro partido, quem roubou mais, quem roubou sabendo
e quem não sabia que estava a roubar, ou quem acha que devemos deixar ou
devemos exaltar.
Estamos muito mais interessados na discussão de nomes e dos cheiros
nauseabundos que provêm de todos os partidos do que dos assuntos que vão marcar
as nossas vidas.
Vou dar um exemplo deste tipo de assunto: há três anos, na
tentativa de mais uma vez despertar o debate da economia, coloquei a seguinte
questão: suponhamos que um predador financeiro internacional, que os há e bem
poderosos e sem escrúpulos, decide comprar a nossa dívida, ou parte
significativa dela, em troco do controlo dos nossos recursos energéticos
estratégicos? Lá se vai o futuro melhor e chega o futuro sem futuro.
Ora, isto é o que está a acontecer: os recentes negócios com as
multinacionais petrolíferas e com a China foram-nos apresentados como a solução
do problema da dívida mas, de facto, são a cedência da soberania política e
económica e do futuro a predadores internacionais. Esses agentes do capital
global estão e vão continuar a interferir no nosso processo político, económico
e social. Já fizeram e vão continuar a fazer declarações sensacionalistas para
ajudarem a manipular a opinião a favor da manutenção do status quo - o capital
prefere a estável instabilidade conhecida do a instabilidade desconhecida,
sobretudo quando pode usar a crise para comprar e manipular a vontade política
do poder - deixando de fora as consequências que só virão depois das eleições.
Este tipo de assunto ultrapassa largamente a questão da escolha de
partido/candidato em quem votar, simplesmente porque nenhum partido ou
candidato está a discutir estas questões seriamente (nem estão a discuti-las,
quanto mais lidar com elas). É como se olhássemos para o fundo do túnel e
víssemos um buraco negro, de onde nem a luz escapa. É como se o medo desse
escuro nos manipulasse as mentes ao ponto de recusarmos pensar sobre onde
estamos e como podemos sair daqui. É como se já estivéssemos presos,
irremediável e fatalmente presos às dinâmicas gravitacionais do buraco negro e
para além do seu horizonte do evento nos dirigissemos, enquanto, para diversão
nesta viagem sem retorno, discutimos a paternidade da Pátria e da democracia, a
divina origem deste ou daquele, ou como as ciências sociais podem ser usadas
para cansar, esgotar, adormecer, complicar e nunca ajudar a transformar coisa
alguma.
Pelo menos façamos uma coisa útil e informativa - ler o que o
Adérito Caldeira está a publicar sobre a economia. Talvez isto nos acorde e
faça agir. É fácil de entender. É difícil de digerir. Dá informação concreta.
Faz querer agir, mexer, mudar as coisas.
Como dizia Rosa Luxemburg, só quem não se mexe é que não sente as
correntes a que está preso. Posto de outra forma, pássaro criado em gaiola pensa
que voar é doença. Numa forma mais positiva: o que não é aceitável tem de ser
mudado; mudar o mundo é não só possível e necessário, mas é um acto de sanidade
social que começa com mudar alguma coisa mais pequena que o mundo como, por
exemplo, travar o endividamento interno (leiam os artigos da secção económica
dos livros Desafios para Moçambique, edições de 2010 a 2917, que discutem estes
assuntos em detalhe).
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