A Grande Entrevista desapontou-me muito. O País preocupa-me
tanto quanto preocupa a todos os outros moçambicanos. Se ele não está em boas
mãos é preciso dizeê-lo de forma frontal. Não sou de opinião que servimos melhor
o País abstendo-nos de interpelar criticamente para não atrapalhar aqueles que
fazem. Isso não é patriótico, é imbecil e, no limite, uma traição ao País. Vou
republicar alguns textos que escrevi logo após a investidura do Presidente a
tratar de vários assuntos. A ideia é mostrar a razão da minha decepção na
esperança de que aqueles que se preocupam com o futuro do País e querem
discutir melhor se juntem a nós que só falamos para reflectir o País.
O primeiro texto é sobre o discurso inaugural.
Deve ser isso. Da minha parte. Como todo o analista que se
preza considero-me muito mais apto do que qualquer político da praça. Por isso
mesmo, do alto da minha erudição não consigo perceber porque está (quase) todo
o mundo a elogiar o discurso inaugural do novo presidente. Não foi um mau
discurso. Mas também não sei que aspecto desse discurso merece o tipo de
encómios que ele está a receber no “Facebook”. Ele disse coisas previsíveis.
Que vai formar governo competente, que estará ao serviço do povo, que vai
procurar unir, abordar os problemas, etc. Teria surpreendido se não tivesse
dito nenhuma destas coisas. Ou será que a nossa opinião sobre ele era assim tão
má ao ponto de termos esperado que ele viesse a público, no dia da sua investidura,
dizer que se está nas tintas para o povo, que a corrupção se lixe, que quem não
é da Frelimo o problema é dele, que ele é mais si próprio do que qualquer
ninguém? Não entendo os meus compatriotas. Tento, mas está difícil.
Ou se calhar não. Acho isto sintomático de algo muito bom, no
fundo. É sintomático de algo que pensei que tivéssemos perdido: a esperança.
Quando o discurso de alguém que pertence a uma malta que está constantemente a
ser apedrejada é recebido desta maneira, isso quer dizer que Moçambique ainda
tem gente que quer ser convencida, que quer alguém que lhes diga coisas boas,
coisas que criam alento, coisas que galvanizam. É muito bom ser dum país onde
as pessoas ainda querem ser enganadas. E tudo isto numa altura em que alguns,
por inépcia, andam a dizer o tipo de coisas que mais ninguém quer ouvir. A
estrela do discurso de investidura não foi quem o proferiu. Foram os ouvintes
que pegaram nos bocados que nos dão esperança. Afinal nem tudo está perdido na
Pérola do Índico. Já tenho uma ideia para a minha figura do ano. Não vai ser
nem furacão, nem tempestade. Vai ser um raio de luz.
Mas só para estragar um bocado. Há duas coisas que ele não
disse, mas que em minha opinião devia ter dito. Sei que é uma questão de
apreciação política diferente. Primeiro, eu acho que ele devia ter falado das
irregularidades durante as eleições. Ele é para mim, e para todo o moçambicano
sensato, um presidente legítimo. Mas as eleições foram manchadas. Ele devia ter
dito algo nesse sentido porque isso teria criado espaço para ele estender uma
mão aos que estão a caminhar perigosamente para o mato político. Naquela
passagem onde ele diz que é presidente de todos os moçambicanos, ali mesmo, ele
devia ter dito “eu tenho consciência de que nem todos se revêm em mim; tenho
consciência de que restam dúvidas em alguns compatriotas sobre a legitimidade
do processo; eu tenho consciência disso; espero que todos os que estão
desapontados me deem a sua mão patriótica e se juntem a todos nós na nossa
aposta de trabalharmos com afinco na consolidação de instituições e
procedimentos que nos ajudem a gerar maiores níveis de confiança; as tarefas
que temos pela frente precisam de todos nós, nem que seja para nos ajudarem a
melhorar através da crítica construtiva dentro da ordem constitucional;
Moçambique é uno e indivisível; não é cada qual seguindo o seu caminho que
vamos criar as instituições que queremos; é trabalhando juntos, de mãos dadas
entoando com o nosso hino, que vamos construir este país pedra a pedra”. E por
aí fora…
Devia também ter falado de Chitima e das cheias doutra
maneira. Não devia ter apenas mostrado solidariedade e prometido trabalhar.
Isso é o mínimo que esperamos dele. Devia ter aproveitado esta oportunidade
ímpar para dizer como é que ele pensa interpretar o acto governamental. Ele
devia ter dado uma ideia do que vai ser a sua governação, isto é como é que ela
vai abordar este tipo de problemas (recorrentes, pelo menos as cheias). Vai
reforçar a autonomia local para que seja ela a dar a resposta? Vai insistir na
centralização? Vai pedir mais ajuda? Vai integrar mais o sector privado? Eu
pelo menos não vi muito “Nyussi” naquele discurso. Vi alguém que leu um
discurso. Bom, indiquei mais acima que não quero estragar a festa. O momento
não é para isso. Só que estas coisas também são importantes. E como sei que não
será com ele que Gaza vai estar no papo, estou-me nas tintas. Até desliguei um
dos meus telefones de propósito. Espero que alguém tenha o número do
outro".
(Por Elísio Salvado Macamo c/mais 5 postagens in facebook)
0 comments:
Enviar um comentário