Mesmo coisas bem intencionadas, na ausência de
visão, podem cair mal. Ao tentar mostrar a criatividade dos moçambicanos o
Presidente disse: "Os moçambicanos é que são bons nisso. Acredite, meu
irmão, só a concentração do moçambicano. Da maneira como os moçambicanos
viveram nessa altura, foram para o essencial (...) Alguém estava a dizer que
vocês imprimem o jornal na África do Sul, viram que aqui não compensa, imprime
do outro lado, essa criatividade, essa imaginação de que o jornal não deve
parar, é o que está a acontecer em quase que todos os sectores".
Lamento dizer, mas isto é grave. Se fosse maldoso
diria que o Presidente encoraja as empresas a sair de Moçambique. Isso não é
sério. Deve preocupar ao governo e, por isso, ao usar esse exemplo ele deve
lamentar o facto de dizer o que o governo faz para que na procura de soluções
os empreendedores não prejudiquem o País ainda mais! Isso é presidencial.
Escrevi (Elísio Macamo)
sobre a criatividade dos moçambicanos em janeiro de 2015:
"Sugestões para a primeira remodelação
A remodelação é tão previsível quanto o “ámen” na
igreja. Vai acontecer. Daqui a um mês, um semestre ou dois anos, ninguém pode
saber ao certo. Vai acontecer por várias razões. Para acelerar o passo; para
responder melhor aos anseios do povo; para incutir novas dinâmicas. A lista é
interminável. Há um baú qualquer lá na Ponta Vermelha onde as razões estão bem
guardadas. As que não vão ser mencionadas são às que têm a ver com a política
real e com a vulnerabilidade daquele que tem muito poder. Refiro-me às
exigências da inclusão, ou mais precisamente – já que inclusão no nosso caso se
refere aos outros partidos – à acomodação de descontentes nas próprias
fileiras. Alas descontentes; militantes frustrados; frações alienadas. Prontos,
a mistura explosiva de sempre que depois se reflecte no tamanho do governo.
Adeus combate ao despesismo, bem-vindo governo realístico.
Eis a minha sugestão para esse momento crucial.
Que se invente um Ministério para a Inovação e Criatividade. Vai competir com o
da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior e Técnico Profissional (cujo nome,
fazendo justiça à erudição dos seus timoneiros, é em si já uma redação), com o
do Trabalho, Emprego e Segurança Social (ainda estou a tentar perceber a
profundidade filosófica da distinção entre trabalho e emprego) e com o da
Educação e Desenvolvimento Humano (o desenvolvimento humano deixa-me com
dúvidas: está para regressar o “homem novo”?). Esse novo Ministério vai ter
como função aprender da sabedoria do povo, o novo patrão. Vai reverter uma
tradição milenar no nosso país que consiste na crença segundo a qual a função
de quem está no poder é de ensinar as populações. Sim, ensinar, não importa o
quê. Educar o povo. Este é um dos maiores equívocos dos nossos tempos, e não é
apenas moçambicano. A crença universal é de que o pobre e socialmente
desfavorecido, por natureza, trabalha pouco, não tem criatividade e nunca
inova. Está a mercê do acaso. Em contrapartida, o bem-sucedido – algo que se
traduz no bem-estar material – é empreendedor, inovador e trabalhador. É, como
disse, um dos maiores equívocos nacionais. Até mesmo pessoa cujos pais eram
analfabetos, investiram na sua formação, consentiram sacrifícios para que
tivesse vida melhor, chegado ao topo muda e começa a ver ignorância por todo o
lado.
Para já – e estou apenas a conjecturar – mais de
95% daqueles que estão bem (que perfazem talvez menos de 7% da população
moçambicana, senão mesmo menos ainda) são empregados, isto é trabalham para
outros, de preferência para o Estado. A esmagadora maioria do povo vive do
auto-emprego, isto é cada um dos desgraçados que a gente vê aí na rua é seu
próprio patrão. Aprendeu a profissão sozinho ou com outros pobres, mobilizou os
recursos para o seu negócio sozinho, fez os estudos de viabilidade contando com
as suas próprias forças, assumiu os riscos sozinho e vai lutando com o quotidiano sozinho. É uma situação bem diferente daqueles que pensam que têm
algo a ensinar aos pobres. Formaram-se, na sua maioria, com subvenções do
Estado (para depois, quando não conseguem vender a sua mão de obra, reclamar
que essa formação não presta para nada); criatividade para essas pessoas
significa mobilizar influências para arrumar um emprego no Estado e inovação
consiste em ajustar a sua visão do mundo ao discurso universal dominante,
sobretudo o discurso do desenvolvimento que transforma os pobres em problema
por resolver. Aquela do Nyussi dizer que o povo é patrão é característica e não
deve ter surpreendido à população. Esse pessoal só sabe pedir emprego, isto é
andar à procura de patrão, não tem nenhum sentido de empreendedorismo. Mas quer
vir ensinar o povo…
O que o novo Ministério – após a primeira
remodelação, claro – iria aprender da sabedoria popular seriam essencialmente
duas coisas: que dinheiro fácil aniquila a motivação e que informação
desnecessária empobrece a qualidade de decisões. Só essas duas coisas. O Prémio
Nobel de Economia, Amartya Sen, fez um reparo interessante a propósito da
designação “abaixo do nível de sobrevivência”. Ele perguntou se todos aqueles
que vivem abaixo dessa linha (normalmente 1 dólar por dia) deixaram de viver.
Claro que não. Mas como é que vivem, então? Pois, de várias outras coisas,
incluindo da solidariedade, justamente aquilo que é difícil de monetorizar. Na
verdade, se há alguma coisa que precariza a vida das populações é a crescente
monetorização de cada vez mais aspectos da sua vida social. Malta nós, que anda
aqui pelo Facebook, e aprendeu a viver bem à custa de terceiros, aprendeu que
só o que tem valor monetário é que importa – recebe, por exemplo, per diem para
participar num encontro, ou ajudas de custo para ir fazer o seu trabalho nas
províncias – sacrifica a longo prazo a qualidade social na sua vida. É preciso
ser pago para ajudar o outro, essa é que é a mentalidade. Este é o efeito
nocivo do dinheiro fácil. É dinheiro fácil todo o dinheiro que não pode ser
justificado a partir do desempenho económico do país. Enquanto o país não tiver
um orçamento soberano toda a regalia que um funcionário público recebe – na
verdade, mesmo o próprio salário – é injustificável e, portanto, dinheiro
fácil. O mesmo se aplica às ONGs. Enquanto forem dinheiros de fora farão parte
da categoria “dinheiro fácil”. E conforme disse mais acima, dinheiro fácil
corrompe no sentido moral do termo. Empobrece as relações sociais ao mesmo
tempo que produz os piores instintos animais em nós. A coisa é tão grave que
mesmo lutar contra a corrupção é uma profissão, o que significa, nos meus
termos aqui, que a pessoa é corrompida no mesmo momento em que tenta acabar com
a corrupção!
A segunda coisa, nomeadamente a informação
desnecessária, é um bocado complicada. Em poucas palavras: muitos de nós
pensamos que a qualidade duma decisão depende do maior número de informação.
Quanto maior for a quantidade de informação, melhor decidiremos. Acho que isto
é um equívoco. Estou neste momento à procura dum apartamento. Vi um que me
agrada e tinha intenção de o pegar; mas agora cometi a asneira de comparar,
consultar páginas da internet, ler dicas sobre o que ter em conta, etc., e já
estou indeciso. O que vai acabar acontecendo é que mantenha a minha decisão
inicial (depois de ter perdido tempo) ou mudar para uma coisa que mais tarde me
vai desagradar completamente. É o mesmo com decisões governamentais. Há
consultores que elaboram estratégias, há relatórios disto mais daquilo, há
seminários, conselhos consultivos, reuniões, mais relatórios, mas,
invariavelmente, toma-se a decisão que menos tem a ver com o assunto. Com os
pobres isto não acontece. Não têm muito por onde escolher, por isso vão directo
ao que conta. Não ficam horas e horas a consumir informação desnecessária, tipo
nós aqui no “Facebook” que somos constantemente bombardeados com informação
inútil. Há gente que reproduz noticiário da CNN, BBC, jornal Notícias, etc.
aqui e até com o mesmo título. Há gente que dá dicas sobre quantas vezes tomar
banho por semana, resultado de jogos de futebol, novo governo de Moçambique,
etc. Informação que ninguém precisa (eu não preciso tanto mais que evito ao
máximo ler jornal ou ver noticiário na televisão) e que, precisando, pode ser
adquirida com facilidade nos dias de hoje. O pobre, em contrapartida, tem
informação de qualidade. Onde é que a polícia municipal está a controlar hoje?
Quem na repartição tal aceita suborno? Quanto? E prontos, vai à vida.
Isto liberta a iniciativa criadora e o espírito de
inovação. Um exemplo ímpar disto foi no ano passado quando as autoridades
fronteiriças sul-africanas passaram a exigir certos montantes para que um
moçambicano viajasse para lá. 3000 randes se não me engano. Imediatamente
surgiu um negócio de gente que “emprestava” dum lado da fronteira e ia buscar
do outro lado. Isto é empreendedorismo avant la lettre… e é . Nyussi
conhece o patrão".
0 comments:
Enviar um comentário